Uma polêmica envolvendo a retirada de uma banca de jornal no ponto mais emblemático do histórico bairro de Santa Teresa tem gerado debates na internet. A banca de jornal, que ficava no Largo do Guimarães e ocupava um grande espaço no bairro, há muitos anos já não atendia a sua finalidade original e havia sido transformada numa espécie de loja, com direito a mesas na rua, e venda de diversas mercadorias proibidas. Segundo informações, o ocupante original do espaço tentava alugar o espaço – que é público – a terceiros.
“Pedia 3.000 reais por mês a comerciantes do entorno, tentando alugar“, disse um comerciante da rua Pascoal Carlos Magno que preferiu não se identificar: “a pressão política partidária aqui é ruim, chegam a ameaçar o comércio”, justifica. A antiga banca, que vinha funcionando como uma lojinha, foi retirada como resultado do processo administrativo 04/640.416/2020. Além disso, a banca tapava a visão do antigo armazém do Largo, que é um bem imóvel tombado e tutelado pelo órgão de patrimônio histórico e cultural do município: mais uma infração à lei. A enorme construção em ferro com plástico azul destoava da ambiência e do conjunto arquitetônico locais, e cobria 2 das portas do imóvel histórico. Não havia sequer acessibilidade para cadeirantes na calçada atrás dela, que tinha apenas 90 centímetros de largura.
O DIÁRIO procurou o advogado que promoveu a tese de retirada da banca Vinícius Monte Custódio, da Monte Custodio & Quintanilha Sociedade de Advogados, especializada em direito urbanístico e das cidades. Ele nos atendeu na manhã de hoje.
“De acordo com a legislação, bancas de jornal não podem estar localizadas a menos de cinco metros das esquinas das fachadas, no sentido do alinhamento dos prédios, nem sua largura pode exceder a 50% da largura da calçada. Além disso, o Manual para a Implantação de Mobiliário Urbano da Cidade do Rio de Janeiro orienta que as bancas observem uma distância mínima de 2 m do alinhamento predial e uma distância mínima de outros elementos de menor porte. Contrariamente, a banca de jornal do Largo do Guimarães distava 90 cm da fachada do armazém histórico, prejudicando sua ventilação e iluminação, além de estar excessivamente próxima de um poste de luz”, explicou o advogado, que representou a empresa REG Administração S/A, proprietária de diversos imóveis na região e também no Centro. Vinícius explicou que, por conta de diversas infrações à posturas municipais, o estabelecimento era ilegal, e por isso seus clientes ingressaram com o processo em 2020. “Com isso, os proprietários pediram a remoção da banca com base na nulidade da autorização dada pela Prefeitura. Vale dizer que a autorização para bancas é um ato administrativo de consentimento precário, o que significa que não gera direito adquirido para seu beneficiário. Portanto, pode ser revogado por conveniência e oportunidade da Administração Pública sem necessidade de indenização. Por muito maior razão, pode ser anulado quando reconhecida a falta de fundamento legal para sua expedição, o que foi o caso“, finalizou.
Não foi possível retirar a banca inteira, por conta dos fios do Bonde de Santa Teresa, que passam pelo ar em toda a região do Largo do Guimarães. Assim, a imensa banca teve de ser cortada com a finalidade de ser colocada no caminhão da Secretaria de Conservação, para não causar prejuízos ao transporte público. A operação demorou algumas horas.
Circularam na internet imagens da senhora responsável pelo comércio que funcionava na banca, dizendo que não houve notificação. Segundo informações obtidas na prefeitura, o permissionário da banca foi notificado diversas vezes, e inclusive, uma advogada sua estava acompanhando o caso, que se arrastava desde 8 de dezembro de 2020 no processo administrativo municipal junto à Secretaria Municipal de Fazenda. A banca ocupava aquele espaço público desde 1986. Para o vereador Pedro Duarte (NOVO), um dos que mais trata do assunto do Urbanismo na Câmara de Vereadores, “as bancas são fundamentais para a vida das cidades, mas precisam seguir as regras. Ninguém está acima da lei. Não pode uma banca ser maior que o tamanho estipulado, bloquear a calçada e muito menos cobrir um patrimônio tombado, cuja visibilidade sem obstáculos a lei assegura. Acredito que a Prefeitura pode realocar a banca, conciliando a vontade de empreender com a legislação e o patrimônio histórico da nossa cidade”.
A vereadora Tainá de Paula (PT), outra que atua muito o legislativo municipal em assuntos urbanísticos – comumente “voto vencido”, mas muito atuante – fez uma manifestação em seu instagram. “A banca do Seu Souza está localizada no bairro de Santa Teresa há mais de 30 anos e simplesmente foi demolida pela @prefeitura_rio sem qualquer aviso prévio!“, disse, ignorando as diversas notificações e o fato de que um processo sobre o assunto corria há quase 2 anos e que a decisão pelo cancelamento da licença da banca irregular foi publicada no Diário Oficial do Município a 19 de abril, assinada pelo atuante Secretário de Ordem Pública Brenno Carnevale. “Moradores relatam que o bairro está passando por um processo de especulação imobiliária e a imobiliária Sergio Castro Imóveis – responsável pela recuperação do casarão que existe no mesmo local – tem um olhar meramente especulativo para o bairro, sem levar em consideração todo o patrimônio material e imaterial afetivo cultural que a banca representa“, publicou a vereadora, citando que haverá um protesto no Largo do Guimarães em apoio ao ex-autorizatário. Ela prometeu “acompanhar” o caso e o protesto.
A arquiteta e urbanista Leila Marques, conselheira estadual do CAU-RJ e conselheira do Instituto Niemeyer de Políticas Urbanas, Científicas e Culturais é uma das experts em patrimônio cultural que viu de forma positiva a retirada da construção: “não me compete avaliar o modus operandi da PCRJ para remoção da banca que ali se acostava. A mim cabe apenas apoiar uma ação que tinha como objetivo a valorização do patrimônio material (o casarão) e imaterial (a paisagem do largo) sem um obstáculo tão desarmônico“. Outro respeitado profissional de patrimônio que considerou acertada a decisão de retirar a banca do local é o arquiteto e urbanista Manoel Vieira, ex-superintendente do IPHAN-RJ e ex-diretor do INEPAC (órgão estadual de patrimônio): “As bancas de jornal há algum tempo vem se caracterizando como problema para a ordem pública e para a visualização do patrimônio edificado carioca. A autorização das bancas, principalmente no que tange a localização, dimensões e tipologias, nunca passou pela análise e crivo das áreas técnicas dos órgãos de preservação. Agrava o fato da ocupação das áreas públicas por grande parte das bancas de jornal ter se ampliado muito além do que seria algo minimamente razoável. São compartimentos frigoríficos e outros equipamentos e suportes que em muito extravasam a área compatível com o projeto da banca licenciada. E vende-se de tudo numa banca atualmente, menos jornais. De capas de celulares a brinquedos, de sanduiches e óculos escuros e chinelos, vê-se de tudo. Num mundo onde não se lê mais jornal impresso e onde a ocupação desenfreada das calçadas dificultam a mobilidade do pedestre, sou a favor da revisão da Lei Municipal No. 3425/2002, prezando pela caminhabilidade como índice de sustentabilidade e favorecendo o controle urbano que tanto qualifica a paisagem quanto o espaço público.”
Cerca de 40 moradores do bairro se manifestaram em grupos de Santa Teresa, espalhando versões posteriormente desmentidas do ocorrido. Alguns erradamente afirmam que a banca não fora notificada, outros culparam o restaurante Armazém São Joaquim, que é apenas inquilino de parte da edificação e que publicou nota pública informando lamentar o ocorrido e não ter tido qualquer participação no processo. Há aqueles mais aguerridos, que culpam a “especulação imobiliária” e falam em “destruição da cultura“, além dos que se referem à “banca histórica“(sic). Histórico é o Largo, cuja configuração original e histórica é a da fotografia abaixo. Como se pode ver, todas as construções da época continuam no mesmo local, e o conjunto arquitetônico está íntegro. Só o engenho retirado ontem destoava da urbe do século XIX.
As bancas de jornal são reguladas pela lei municipal 3.425 de 2002, que traz limitações muito claras, e regras cristalinas que explicam o que pode e o que não pode ser feito num desses estabelecimentos que funcionam em pleno espaço público. Por exemplo:
1) Não é permitido ter uma banca de jornal a menos de 400 metros de outra banca de jornal; Da mesma forma, seu tamanho, comprimento e altura, têm valores máximos a serem cumpridos;
2) É proibido vender nas bancas peças de vestuário, ou qualquer outra coisa que não esteja no artigo 2o. da lei 3425; e a lei é clara, as mercadorias ilegais devem ser confiscadas; também não podem colocar nada do lado de fora do espaço a elas permitido;
3) É proibido colocar bancas de jornal em calçadas que tenham menos de 3 metros de largura (no caso de Santa Teresa, a ex-banca de jornal está a 90 centímetros da fachada do edifício, que é tombado), e elas nunca podem estar a menos de 2 metros da edificação a elas adjacente;
4) Não pode ter banca de jornal na frente de monumento ou prédio tombado – público ou particular, seja pela União, pelo Estado ou pelo Município.
5) As bancas tem que funcionar. Banca fechada não pode, muito menos fechada e funcionando apenas como outdoor publicitário;
6) Elas não pode cobrir o trânsito, uma esquina, por exemplo, o que pode gerar acidentes.
A lei 3425 vinha sendo praticamente ignorada pelas subprefeituras e pelos responsáveis pela ordem pública, que resolveram reagir, ainda que timidamente, desde o início do mandato do prefeito Eduardo Paes e cumprir a legislação. Parece que antes ninguém se atrevia a falar sobre sobre as bancas invadidas por camelôs, sobre as bancas fechadas que servem de depósito de material ilegal, sobre as bancas que nunca estão abertas, mas que faturam milhões de reais por ano servindo como verdadeiros outdoors, controlados quem nunca vendeu um único jornal ou revista na vida. A retirada de um calhau inútil que não se presta mais à função que exercia e que infringe a lei, em vez de ser a regra, é a exceção.
Sempre polêmico, o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB) também apoiou a retirada do engenho que atrapalhava a ambiência histórica da região, e qualificou a banca como “lixo urbano” e destacou a parceria dele e de seu irmão, vereador Rogério Amorim, “com comerciantes, turistas, pagadores de impostos e cidadãos de bem” do bairro. “Vários moradores pediram a retirada dessa banca, recebi no meu gabinete, quando eu estava na Câmara, dezenas de emails, mas quando acontece há inexplicavelmente gente que é contra“, disse. Amorim esteve no local, e teria sido hostilizado por manifestantes.
Diversos requerimentos têm sido feitos para remoção de bancas de jornais que não funcionam de acordo com o que estabelece a lei, mas a lentidão com que a situação tem sido tratada acaba levantando suspeitas acerca dos interesses que estariam por trás destes estabelecimentos que, sem qualquer direito, ocupam o espaço público de forma flagrantemente
Segundo a SEOP, cerca de 60 bancas irregulares já foram retiradas pela prefeitura.
Progresso para quem?
Santa Tereza é antes de tudo um bairro residencial. Como fica a paz dos moradores vizinhos ao tal bar. E quem paga a depreciação dos imóveis. Resgatar as qualidades de qualquer bairro não pode ferir quem lá mora. Quem defende esse progresso certamente não mora ao lado.
em prol do lucro e com desculpa de criação de pregos não se pode ter desordem urbana. o/ a jornalista desse jornal foi tão parcial, achei q era só dar notícia, texto mal escrito,
Essa banca era uma vergonha pro bairro, diga-se que ali nunca se vendeu um jornal. Sempre foi uma banca de churrasquinho a noite e a proximidade com a construção obstruía a circulação pela calçada.
E as bancas que SURGIRAM no governo CRIVELA, em todas as estações de metrô da zona sul do Rio.
Estão todas lá, até hoje.
Todas PIRATAS.
Vai morar ao lado de um lugar barulhento e depois escreve sobre isso. Atividades lícitas não podem gerar desassossego para o entorno. Povinho…primeiro meu umbigo, depois…meu umbigo de novo. Parcialidade é o nome desse jornal.
Compreendo que haja interessados financeiros nas falsas bancas de jornais, mas acho incrível que haja pessoas que não ganham nada defendendo tais trambolhos. Neste caso específico, não há o que discutir, a defesa da “tradição cultural do bairro” é ridícula! Vivemos tempos em qualquer absurdo mantido por algum tempo vira “direito adquirido”, “tradição cultural” etc. O vale-tudo enobrecido.
Vocês não tem vergonha de usar esta foto? Sério que vocês vão tratar que só a banca diferencia o atual para esta foto do século retrasado? Aproveita entra no grupo do bairro e pega a foto de 1977 quando a banca foi posta neste lugar. Faça um bom trabalho pros seus leitores e faça jornalismo de fato, não favoritismo.
Trabalharam ali 36 anos ancorados na impunidade. E há quem tem pena sem saber do que eles vão viver… isso é problema de quem viveu e usufruiu do lugar sem compromisso com as leis vigentes e a ocupação indevida do espaço público.Pensassem antes de se instalar a bel prazer.