Em 2023, os rituais da Semana Santa começaram no Domingo de Ramos, 02 de abril, aguardando o primeiro domingo de lua cheia do outono, quando será celebrada a Páscoa para a Igreja Católica.
Trata-se de uma data impregnada de significados, que a sociedade contemporânea imediatista se encarregou por associar a ovos de chocolate, aquecendo o comércio, abandonando suas primeiras manifestações.
Entre as diversas celebrações, o Brasil colonial destacava algumas procissões, como o Senhor Morto, que ainda resistem em muitas cidades, algumas transformadas em atração turística e fonte de renda municipal, como a tradicional Procissão do Fogaréu, realizada anualmente na cidade de Goiás (GO).
No entanto, na essência, os rituais devem reverenciar a Paixão de Cristo com silêncio, jejum e oração, meditando sobre o doloroso sofrimento e morte do Senhor, incluindo a participação na Via Crucis, quando o cortejo percorre as ruas e se detém diante dos Passos da Paixão para a leitura dos quatro evangelistas, pequenos elementos arquitetônicos que resistem em algumas cidades como Tiradentes, em Minas, Paraty, no Rio de Janeiro ou no notável conjunto que precede o Santuário de Bom Jesus, em Congonhas, obra de Antonio Francisco Lisboa.
Passo da Via Crucis, Paraty, RJ
Foto William Bittar
Originalmente, na Sexta Feira da Paixão era preservado o silêncio interior, guardando o jejum e abstinência de carne. Vaidades e prazeres cotidianos eram interrompidos, até mesmo os castigos corporais aplicados às travessuras infantis eram suspensos temporariamente, para alegria da garotada.
Em muitos lares, tradição colonial que se estendeu por todo o Brasil, estava presente a canjica, iguaria culinária feita basicamente de milho branco, leite e açúcar, acrescidos de outros ingredientes conforme receitas locais que incluíam amendoim, canela em pau, cravo, noz moscada e outras especiarias.
É provável que a origem do prato esteja associada à influência africana, pois a canjica de milho branco, sem tempero, é a oferenda de Oxalá, que no sincretismo está associado a Jesus.
As procissões, originárias em cortejos que povos da antiguidade organizavam para celebrações diversas como aquelas realizadas pelos primitivos cristãos acompanhando o corpo dos mártires às catacumbas, atravessaram a Idade Média e chegaram ao Brasil com a Igreja Católica.
Nas metrópoles, como o Rio de Janeiro, apenas em alguns bairros resiste a celebração da Via Crucis, onde pequenos grupos percorrem as ruas, parando diante de algumas residências previamente escolhidas para realização das leituras referentes às Estações.
A ronda a céu aberto foi substituída, muitas vezes, por procissões no interior dos templos católicos, onde os Passos da Paixão pendem em quadros numerados nas paredes perimetrais da nave principal.
São pequenas obras de arte, pintadas ou esculpidas, com manifestações artísticas diversas que representam a época de sua produção, como o conjunto produzido por Alberto Guimard para a singela Igreja de São Daniel Profeta, projetada por Oscar Niemeyer, em Manguinhos no Rio de Janeiro.
Estudo de Guimard para a Via Crucis.
Acervo Particular
Na Sexta-feira Santa não há missa, mas uma liturgia que inclui o Ofício da Agonia, que precede a saída da procissão do Senhor Morto, que posteriormente queda exposto para reverência dos fiéis.
No Sábado de Aleluia ou Santo, celebra-se a Vigília Pascal, quando a comunidade se reúne em assembleia durante a noite e madrugada, aguardando a Ressureição no Domingo de Páscoa, quando as mantas roxas são retiradas das imagens, permitindo a iluminação radiosa do significado da data católica.
É também no Sábado de Aleluia que acontecia a famosa malhação do Judas, conforme coluna publicada neste Diário em abril de 2022, tradicional manifestação popular em processo de extinção, provavelmente substituída pelos cancelamentos e ofensas nas redes sociais.
Por motivos diversos, o Tríduo Pascal, momento de crucial importância para a Igreja Católica, também assiste às mudanças que diminuem a participação dos fiéis e a própria valorização de seu sentido principal, a Ressureição, que contínua celebrada em cada Domingo de Páscoa.