Na canção imortalizada na voz de Sílvia Telles, composta por Dorival Caymmi, Copacabana é definida de várias formas amenas e singelas:
Um bom lugar/para encontrar/Copacabana
Pra passear/À beira-mar/Copacabana
Depois num bar/À meia-luz/Copacabana
Eu esperei por esta noite uma semana
Essa Copacabana idílica descrita por Caymmi é a dos anos 40 e 50, quando o bairro e mais o Copacabana Palace despontaram para o mundo, se tornando até atração em filmes da Disney e ganhando até mesmo um filme italiano só sobre o hotel. Mas hoje o bairro mais famoso do Rio só poderia ser homenageado por músicas apocalípticas do Iron Maiden e filmes com distopia ao estilo Blade Runner.
O abandono, a baderna, a esculhambação descrita na excelente reportagem de Amanda Raiter no DIÁRIO DO RIO são flagrantes de uma cidade cuja secretaria de Ordem Pública está empenhada em lacração – nunca em ação. Graças à SEOP, Copacabana não é mais “um bom lugar”. Camelôs clandestinos, viciados em crack, assaltantes, ambulantes com isopores imundos, flanelinhas, barulheira insuportável em um domingo à noite, tudo isto compõe o cenário de tragédia que assola o bairro.
Há, como revela a reportagem, uma “rave clandestina”, um “Woodstock de Baixa Renda” (excelente definição) cujo barulho é erradamente atribuído aos quiosques – estes, pagadores de impostos e obrigados a cumprir uma série de regras. É o Rio da formalidade convivendo com a baderna autorizada.
Além disso, o bairro todos os dias acorda com uma trilha sonora. Caymmi? Braguinha? Não: a Kombi do “sorvete docinho a dois reais” e a outra Kombi, a do ferro-velho, gritando “frigideira velha, geladeira velha, fogão velho”. A reportagem faz grave denúncia: essas Kombis de ferro-velho ainda receptam o que os viciados em crack roubam durante a madrugada.
O distinto leitor poderá me perguntar: por que tratar Copacabana com mais atenção do que a outros bairros. É simples a equação, meus amigos. Se Copacabana estiver bem, recebendo turistas, com ordem, paz e segurança, com os moradores bem dispostos, é óbvio que tem tudo para ser um bairro gerador de emprego e renda. Se, pelo contrário, o bairro mais famoso do Rio, do Brasil e talvez do mundo, estiver jogado aos ratos e cracudos, os turistas param de chegar, os visitantes o esquecem, as pessoas de outros bairros deixam de usar seus bares, restaurantes e boates. E aí o ciclo se completa: a miséria e a desordem geram mais miséria e desordem. Uma espécie de venezuelização da Princesinha do Mar.
Enquanto tudo isso acontece, vemos o aplicativo do 1746, de responsabilidade da SEOP, oferecer o serviço “assédio”, para mulheres vítimas de assédio em ônibus. A intenção é muito boa, o assédio sexual deve ser punido com rigor, sempre. Mas é para ser atribuição da ORDEM PÚBLICA ou pode ser coibido pela empresa de ônibus e pela Polícia Militar?
Mesma pergunta que fiz quando a SEOP quis criar o Disque-Racismo, serviço que o presidente Jair Bolsonaro já tinha implantado em seu governo: é para a SEOP se preocupar com isso, ou tem outras prioridades. O mesmo secretário anunciou, com toda pompa e circunstância, o “sucesso” da Patrulha Maria da Penha, que é um projeto da Polícia Militar, implantado pelos trabalhos da tenente-coronel Simone Oliveira e do tenente-coronel Alexandre Leite!
Em suma: melhor criar uma outra secretaria para cuidar dos graves problemas de rua da nossa cidade e deixar a SEOP se encarregar da lacração. Mude-se o nome para Secretaria de Agrados Esquerdistas e está tudo bem. Ou é melhor cantar outra música de Caymmi quando se tratar de Copacabana: “É doce morrer no mar”.
Precisamos salvar Copacabana!