A tradição lusa, desde o início da colonização, trouxe diversas manifestações religiosas, algumas delas associadas a significativos festejos populares.
O mês de junho conta com festas que incorporam o sagrado e o profano, presentes nos eternos arraiais juninos, dedicados aos Santos Antônio, João e Pedro, consagrados nas quadrilhas, fogueiras, modinhas e orações.
Violas, sanfonas, zabumbas e triângulos, conforme a região do Brasil, despertam seus acordes no dia 13 de junho, dedicado a uma das maiores devoções nacionais: o casamenteiro Santo Antônio.
Curiosamente, nenhum dos milagres originalmente atribuído ao Frei era relacionado ao casamento, mas as lendas contam que ele era contrário aos matrimônios combinados por interesse, sem amor. Certa vez, ele teria utilizado donativos recebidos para a igreja como dote, para que uma jovem de poucos recursos pudesse casar com quem amava.
No Brasil, provavelmente a devoção ao santo é herança direta da colonização portuguesa. Existem vestígios que sua primeira imagem fora trazida pelos franciscanos, na frota de Cabral, testemunhando a Primeira Missa em 1500.
Afinal, Antônio era um frade franciscano português, nascido e Lisboa, que se tornou padroeiro de Portugal em 1934.
Os conventos franciscanos, muitos deles dedicados a Santo Antônio, distribuíram-se por todo o território brasileiro, auxiliando na colonização e até mesmo na fundação de vilas e futuros municípios, que ainda guardam o nome do santo padroeiro.
Nos cultos de matrizes africanas, o sincretismo associa o santo católico principalmente a Exu, o senhor dos caminhos, ainda que também possa ser cultuado como Ogum (Bahia), agindo como líder da falange dos Exus.
Diferente de algumas associações que atribuem outros papeis a esta entidade, Exu, diferentemente da personificação do Mal, é o guardião dos caminhos, o mensageiro entre o sagrado e o mundano, talvez daí a aproximação com um santo que transitava junto ao povo, trazendo amparo e conforto.
Essa proximidade com o divino é um traço comum na cultura brasileira, que não raramente assiste a uma relação quase íntima com os santos, tornando-os compadres, conferindo-lhes patentes e salários, como no caso de Santo Antônio ou mesmo no simples ato de oferecer um trago de pinga “pro santo”, tão comum em nossos bares e botecos.
A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, conta com mais de quarenta templos católicos, entre igrejas e capelas, dedicados ao santo, alguns deles com destaque artístico e cultural, como o próprio convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, conjunto secular, importante marco da arquitetura religiosa nacional e a igreja de Santo Antônio do Pobres, na rua dos Inválidos.
Os frades franciscanos chegaram ao Rio de Janeiro em 1592, se estabelecendo numa pequena ermida à beira-mar, nas imediações da praia de Santa Luzia, no sopé do morro do Castelo. Poucos anos depois receberam terras mais elevadas, junto a uma lagoa, mais afastadas do litoral e ali iniciaram a construção de seu modesto convento, no morro de Santo Antônio, em 1608.
Devido à afluência popular e ao aumento dos frades, o conjunto recebeu sucessivas ampliações, principalmente até 1780, tornando-se um dos mais completos conjuntos conventuais da colônia portuguesa.
Suas dependências abrigavam a igreja dos Frades Mínimos, a capela da Ordem Terceira da Penitência, um grande claustro provido de pátio interno, circundado por galeria em arcos plenos. Pouco a pouco, foram incluídos outros compartimentos funcionais, como refeitório, cozinhas, biblioteca, farmácia, hospital, cemitério, além de capelas internas, sacristia, consistório, alguns destes com cuidadosa ornamentação de influência barroca ou rococó.
O convento ainda conta com um mausoléu, construído em 1937, que abrigava os restos mortais de Dona Leopoldina, primeira imperatriz do Brasil, transladados do Convento da Ajuda, posteriormente transferidos para o Monumento do Ipiranga, em São Paulo. No mesmo monumento funerário estão sepultados outros integrantes da Família Real, como filhos, netos e bisnetos de D. Pedro I.
A fachada do convento, caiada de branco, com marcação aparente de pedra, foi muito modificada ao longo dos séculos e recentemente recebeu uma proposta de restauração, devolvendo um aspecto inspirado no maneirismo português.
Convento de Santo Antônio, com as reformas das fachadas na década de 1920
Fonte: Brasiliana – BN
Internamente, a igreja conventual é composta de nave única, com ornamentação simples, destacando-se os altares, com suas talhas douradas de influência barroca.
Nave da Igreja Conventual
Foto: William Bittar
Junto a ela está a capela da Ordem Terceira, também com fachada muito simples, modificada por obras na década de 1920, mas com exuberante ornamentação interior, executada por mestres da talha, financiados pelos terceiros.
É possível que o luxo desses interiores tenha originado a denominação de outra igreja, próxima, também dedicada a Santo Antônio, mas que acrescentou: dos Pobres!
O templo localizado na Rua dos Inválidos, nº 42, no Centro, foi idealizado na primeira década do século XIX, quando houve a iniciativa para construção de uma capela por parte do comerciante Antônio José de Sousa Oliveira. Ele adquiriu o terreno e com a colaboração de outros devotos do santo português, organizados em uma irmandade, construiu um pequeno edifício que passou a ser conhecido como igreja de Santo Antônio dos Pobres.
Afinal, já existia uma igreja mais suntuosa junto ao convento no Largo da Carioca. Ao lado dela, a Capela da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, construída pela Irmandade no século XVII, recebendo exuberante ornamentação barroca em seu interior ao longo do século XVIII, atribuída ao mestre Xavier de Brito.
A igreja construída na rua dos Inválidos, inaugurada em 1811, de configuração muito simples, abrigava o povo mais pobre, distante da opulência dos frequentadores da igreja dos terceiros. No entanto, o modesto templo era frequentado por D. João, devoto de Santo Antônio, acompanhado por alguns nobres, incluindo seus filhos.
Igreja de Santo Antônio dos Pobres, antes das obras da década de 1940.
Fonte: Biblioteca Nacional
Ao longo do século XIX, o edifício recebeu diversas intervenções, alterando sua concepção original e ampliando suas dependências.
Em 1854, a igreja foi objeto de uma grande reforma, incluindo a discreta elevação do nível de piso, evitando constantes inundações. Na ocasião, surgiu a Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento Santo Antônio dos Pobres e Nossa Senhora dos Prazeres.
Na década de 1940, foram necessárias novas obras devido a enchentes e proliferação de pragas, como cupins. Praticamente foi erguido um novo templo, 1,20m acima do nível da rua e a fachada adotou uma linguagem revivalista medieval, como era comum em diversas outras igrejas da cidade, com revestimento de pó-de-pedra, elementos verticais e inclusão de vitrais coloridos, ilustrando a vida do orago.
Igreja de Santo Antônio dos Pobres, após as reformas de 1950.
Acervo Particular
Na segunda década do século XXI, danos causados por construções de torres vizinhas implicaram em novas obras de consolidação e restauração, entregues ao público em 2013.
Casamenteiro, festeiro, advogado, protetor, capitão de infantaria, sem jamais ter sido militar, sargento, tenente-coronel, inclusive com direito a soldo, pago pelos reis até a separação da Igreja do Estado…
Este confrade, parceiro de São Francisco de Assis, faz parte da alma brasileira e continua presente nas grandes festas juninas alegrando corações junto das grandes fogueiras de nossos arraiais da memória.