Luciana Boiteux – Reviver Centro: um trator disfarçado de turbina

Para a colunista do DIÁRIO DO RIO, o projeto extrapola uma série de diretrizes do Plano Diretor que está em vigor, exatamente no momento em que se debate a revisão desse importante marco legal da política urbana e ambiental no parlamento municipal

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VLT no Centro do Rio de Janeiro - Foto: Daniel Martins / DIÁRIO DO RIO


Uma iniciativa “turbinada”. É como o projeto de alteração do programa Reviver Centro vem sendo chamado nos bastidores da Prefeitura. No entanto, quem seriam os beneficiados por essa “turbina”? A proposta, que está prestes a ser votada na Câmara
Municipal do Rio de Janeiro, amplia as facilidades para a construção em áreas mais lucrativas da cidade já concedidas pelo plano original, vigente desde junho de 2021. Dito assim, por alto, parece uma ação inocente que beneficia os moradores da cidade, mas a
realidade é outra: resulta em dar mais vantagens para as empreiteiras, com a desculpa de que está zelando pela população carioca.

O projeto extrapola uma série de diretrizes do Plano Diretor que está em vigor, exatamente no momento em que se debate a revisão desse importante marco legal da política urbana e ambiental no parlamento municipal. As medidas oferecem um pacote de
vantagens imensuráveis para o mercado imobiliário, em um jogo de ganha-ganha, sacrificando o planejamento urbano da cidade por meio de medidas como a flexibilização de gabaritos (número de pavimentos), a isenção de impostos e a ampliação do mecanismo
conhecido como Operação Interligada – uma parceria entre o poder público e a iniciativa privada que permite a alteração de determinados parâmetros urbanísticos mediante contrapartida das empreiteiras, incluindo pagamentos.

A premissa inicial do Reviver Centro de que a região está subaproveitada e que é necessário incentivar habitações na região é verdadeira, mas o foco não parece ser o Centro, e sim o adensamento de regiões valorizadas sem o devido estudo de impacto
dessas medidas. O novo pacote possibilita o aumento de andares em edifícios de Ipanema, Tijuca, Botafogo, Lagoa, Glória e Barra da Tijuca em troca do investimento no Centro.

Estabelece regras especiais na Praça XV, Castelo e Cinelândia, oferecendo isenção de contrapartidas por cinco anos e restituição de pagamentos já feitos. Ao construir nesses locais, o investidor teria permissão para aumentar de 100% a 150% a área edificável de
bairros mais lucrativos. O pagamento da contrapartida deveria ser usado para melhorar a infraestrutura do próprio Centro, no entanto, essa prioridade da proposta inicial foi perdida.

Os mimos com as empreiteiras não param por aí: um longo trecho do Centro seria considerado de gabarito livre – Avenida Rio Branco e adjacências –, sem limite de altura para edificações, caso os imóveis não estejam próximo de bens tombados. A lógica de que quem paga pode violar as normas urbanísticas na Cidade do Rio de Janeiro tende a se perpetuar, caso esse novo Reviver Centro, que turbina os benefícios para quem pode pagar, seja aprovado sem as devidas modificações.

Enquanto isso, os programas de locação social, de moradia assistida e de autogestão, previstos no projeto, permanecem sem destinação de recursos e lançamento de editais, o que expõe o completo descaso com os moradores mais vulneráveis da região
central da cidade, fazendo com que o Reviver Centro esteja mais para trator do que turbina.

Luciana Boiteux é professora licenciada da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ e vereadora pelo PSOL.

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10 COMENTÁRIOS

  1. Quando vi q era do PSOL q igual a atraso do país. Já perdeu todo crédito a matéria. É certo q os benefícios estão só direcionados para uma parte, mas tbm ascensão social e reestruturação das comunidades para dar dignidade, como derrubar e construir, fazer ruas, quarteirões, saneamento, empreendedorismo para o crescimento econômico é asqueroso para a esquerda q odeia a classe média.

  2. Eu falo isso aqui há meses! Esta revitalização do Centro é uma desculpa para limpar a região das pessoas ditas “indesejáveis”. Isto é um processo que vem de séculos. Já tiveram a curiosidade de estudar como se deu a revitalização do Centro no início do século passado, na gestão do Pereira Passos? A diferença entre hoje a aquela época é que agora tudo é feito disfarçado de empreendedorismo, de que os empresários privados vão salvar o mundo, então há que se fazer toda sorte de favorzinhos a eles. Lá atrás era pé na porta e porrada em quem resistisse às demolições (eles pelo menos não esconderam suas reais intenções; hoje em dia os caras são mais cínicos e dissimulados).
    Já procuraram saber o preço dos imóveis desta nova onda chamada “retrofit”? Aliás, como os abutres cínicos gostam de uma palavrinha estrangeira para mascarar as coisa, hein! Basta colocar um estrangeirismo tipo “retrofit”, “gourmet”, “lounge”, e pronto…tudo fica pelo menos 40% mais caro. De popular, esse troço não tem nada. Tudo isso é só para atrair APENAS um público que tem poder de compra, e expulsar quem sobra.
    Em tempos de extrema direita ditando as regras no nosso Estado, de discurso de ódio escorrendo pela cara dos direitopatas, e do apogeu do amor ao dinheiro e às coisas fúteis, era de se esperar alguma outra coisa que não fosse mais esse crime contra o povo simples?

  3. Num jornal conservador nos costumes e ultraliberal na economia essa matéria soa como cinismo. O Jornal do Rio não está nem aí para os sem-teto, quer os pobres o mais longe possível e soa hipócrita esta matéria jornalística que se preocupa com gabarito e preservação ambiental da cidade.

    • O texto é de opinião e de uma vereadora do PSol, duvido que ela esteja sendo cínica.
      Uma coisa que, como fundador do DIÁRIO DO RIO, dou valor é a pluralidade de ideias, que furem a bolha que vivemos, a que vivo, que você vive e que cada pessoa chega aqui vive. Por isso tantos colunistas com opiniões diversas sobre um mesmo assunto.

      • Quintino tem razão. Aqui tem fascismo, eugenia, discurso de ódio, negacionismo, reacionarismo, elitismo e toda aquela retórica da extrema direita do Jackson, Amorim e cia.

        Também tem progressismo, idenditarismo, cultura, utopia, problematização, etc da esquerda liberal made in USA do Partido Democrata, como o Chico Alencar, a Luciana e um ou outro gato pingado aí…

        Dirio do Cláudio Castro, digo, Do Rio é plural. Tem espaço pra “todes”. Em igualdade.

      • Quintino, parabéns pela posição. Realmente é impressionante o pluralismo que vocês praticam por aqui. Acho que é o único canal de mídia onde vejo colunistas com opniões tão divergentes. Para quem tem vontade de furar a bolha, como eu, um privelegiado, sabemos que somente com o conhecimento das divergências, e o respeito, podemos evoluir. Discordo de muita coisa que leio por aqui, mas aprendo também com muitas outras. Fora o fato de ser o canal que mais tras notícias relevantes da cidade. Podemos pensar de maneira diferente, mas a vontade de ver o Rio de Janeiro no lugar que lhe é devido é a mesma. Grande abraço;

  4. Me espanta esse tipo de assunto tratado dessa forma aqui.

    A base econômica desse jornal é o Mercado Imobiliário e seus interesses. Alguém tratar esse assunto dessa forma vai na contra mão de quem “paga a orquestra e escolhe a música” por aqui.

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