William Bittar: Devoção, culto e festas de São João na cidade do Rio de Janeiro

Colunista do Diário do Rio fala sobre os festejos de São João na Cidade Maravilhosa

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Igreja São João Batista da Lagoa, Botafogo, Rio Acervo Particular

O mês de junho é tradicionalmente assinalado pelas festividades e celebrações genericamente denominadas “festas de São João”, cuja data é comemorada no dia 24, mesmo com Santo Antônio e São Pedro dividindo as devoções. No entanto, segundo os registros atualizados da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, os templos católicos dedicados a São João aparecem em número muito menor que dos outros santos de junho.

São João conta com dezessete locais de culto, incluindo seis paróquias, apenas uma na zona sul da cidade, consagrada na primeira década do século XIX. Em seguida, São Pedro Apóstolo (para diferenciar de São Pedro Nolasco, do século XIII e São Pedro Alcântara, do século XVI) é cultuado em trinta e um templos, incluindo cinco paróquias.

Dos santos juninos, Santo Antônio é, efetivamente, o mais reverenciado, presente em trinta e quatro locais de culto, incluindo dez paróquias. Apesar da importância que Santo Antônio exerce, além da marcante influência lusa, é São João quem empresta o nome aos festejos nos inúmeros arraiais criados nesses brasis.

Esse justo destaque está associado às próprias características das festas, onde a fogueira é o principal elemento de atração. Afinal, conforme a tradição, Isabel, prima de Maria, acendeu o fogo junto a um mastro, nas montanhas da Judeia, para anunciar o nascimento de João, seis meses antes de Jesus.

Provavelmente daí herdou-se à representação de São João menino, trazendo ao colo o Cordeiro que em breve viria. Ainda segundo a tradição, ao longo de sua trajetória, João viveu no deserto, usando trajes rústicos, de peles de animais e se alimentava de mel e gafanhotos.

Às margens do rio Jordão, ele pregava a caridade, a verdade e a justiça, além de promover o batismo, incluindo de seu primo Jesus.
Segundo o Evangelho, é o momento do aparecimento do Espírito Santo, confirmando que aquele era o Filho de Deus, destacando a figura de João como oprofeta intermediário daquele sacramento.

É possível que a origem das festividades juninas esteja associada acelebrações pagãs europeias para afastar maus espíritos que pudessem comprometer as futuras colheitas, após o solstício de verão. Com a consolidação do cristianismo, diversas delas foram incorporadas pela Igreja, inicialmente atraindo povos de outras religiões e posteriormente tornando-se difusoras da fé católica, inclusive pelo Novo Mundo, após as navegações.

No Brasil, as festas, originalmente denominadas joaninas, chegaram com a colonização, desde o século XVI, trazendo conhecidas tradições de Portugal, ondeainda permanecem como atração turística nacional.

Com a presença dos povos africanos, São João, assim como outros santos do panteão católico, foram sincretizados e cultuados com diferentes associações dependendo da região e da origem de seus praticantes.

De uma forma geral, Santo Antônio pode ser Ogum ou Exu, conforme comentamos em coluna anterior, enquanto São João Batista e São Pedro são sincretizados com Xangô, o orixá da Justiça, também associado a São Jerônimo.

Na cidade do Rio de Janeiro, essas festividades eram comuns em clubes e escolas, com apresentações das quadrilhas. Tempos depois, tornou-se uma rentável atividade, com grandes competições, indumentária própria e grandes disputas entre agremiações, que passam pelo mês de junho, invadem julho e agosto.

Muitas igrejas ainda celebram os santos juninos realizando quermesses com as tradicionais barraquinhas de jogos e das comidas típicas da ocasião, como canjica, bolos de milho, de aipim, churrasquinhos, salsichões, enquanto estalinhos, bombinhas, chilenas, morteiros, busca-pés, sempre provocam sustos em seus frequentadores.

Indispensável destacar que, apesar da efêmera beleza, fabricar, vender, transportar, armazenar ou soltar balões é crime, que pode gerar prisão, conforme a Lei de Crimes Ambientais nº 9605, de 12 de fevereiro de 1998. Por isso, o céu não fica mais iluminado, pintadinho de balão, como na canção de Lamartine Babo, trocada por outra, em que “São João me disse que não! Fui já para casa rasguei meu balão!”

Os mais velhos certamente lembrarão que “a noite de São João é a mais fria e a mais longa do ano”. Certamente tal crença está associada à proximidade do solstício de inverno, que provoca tal fenômeno no hemisfério sul. Nessa noite eram realizados os casamentos “obrigados”, com as noivas grávidas e a ameaça de cadeia para os noivos fugitivos…

É noite de São João, as meninas com “marias-chiquinhas” nos cabelos, vestidos coloridos, sardas pintadas nas faces, enquanto os meninos, de bigode de rolha e calças de brim, remendadas e camisas quadriculadas, chapéu de palha, aguardavam o momento da contradança, enquanto a lenha crepitava na fogueira, assando milho e batata doce, esperando o salto sobre as chamas dos mais corajosos.

  • Já escolhi, venha cá, você! Venha dançar esse balancê! Na capital fluminense, destaca-se a Matriz São João Batista da Lagoa,
    localizada à rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, considerada importante marco dos festejos juninos na região, abordada em matéria no Diário do Rio.

A paróquia foi criada em 1809, atendendo ao pedido de moradores locais ao Príncipe Regente D. João, tornando-se o principal núcleo das igrejas da zona sul.

O templo começou suas obras em 1831, com projeto desenvolvido pelo arquiteto Bettencourt da Silva, também autor dos estudos para o cemitério daquele bairro. A igreja iniciou suas funções em 1864, ainda sem as torres sineiras, que só seriam concluídas em 1900, com projeto do arquiteto Morales de los Rios, professor da Escola de Belas Artes.

O edifício, com elementos neoclássicos na fachada principal, conta com acabamento em gnaisse e é tombado pela prefeitura desde 1987. Internamente, a nave principal adota um revestimento com predomínio branco, com poucos ornamentos dourados aplicados sobre superfícies planas, partido também de concepção classicizante.

Pela sua importância histórica, arquitetônica e cultural é o principal templo dedicado a São João Batista na cidade do Rio de Janeiro, ainda que cercado de edifícios altos, ruas asfaltadas que não recebem mais fogueiras e em nada se assemelham aos arraiais de nossa memória adolescente ou infantil, aguardando nossas marias-chiquinhas e suas sardas feitas a lápis em suas faces rosadas.

Paira no ar o cheiro do churrasquinho, batata doce na brasa, caldos variados, canjica…. Esquenta a memória o gosto de gengibre do quentão, as prendas muito arrumadas em seus vestidos de chita, o céu coalhado de estrelas, enquanto os estampidos ecoam nas nossas lembranças juvenis talvez em conjunto com a célebre exclamação do corvo de Poe: Never more!

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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