Antes de continuar a ler, importantes avisos:
1: Eu sou a favor de salários decentes para todo tipo de trabalhador. Não apenas garis e faxineiros. Acho que todos devem ter um salário digno.
2: O Brasil não é Dinamarca. Quero dizer com isso que não temos ainda a riqueza necessária para pagar altos salários a todo tipo de atividade. Aquele papinho de “cuidar do social antes de cuidar do crescimento do PIB” que ouvi tantas vezes durante a campanha presidencial passada entra aqui. Sem crescimento continuaremos a ter pouco a ser distribuído.
3: Recursos são limitados, inclusive os do estado. Aumentar salários na canetada sem planejar recursos para o pagamento futuro é uma irresponsabilidade. Gastos precisam ser cobertos com arrecadações equivalentes.
4: Acho a COMLURB uma empresa de rara excelência dentro do universo de serviços públicos. Um resultado não apenas dos garis que estão na rua mas também da gestão que está por trás.
5: O texto é longo.
Isso dito, e provavelmente poderia fazer mais algumas ressalvas iniciais, quero abordar a questão do aumento dos garis e uma possível greve que se desenha para as próximas semanas, senão dias. Em 2014 a categoria paralisou as atividades em pleno carnaval, e a cidade ficou tomada por montanhas de lixo (culpa em parte do resto da sociedade que não considerou por um segundo manter um saco de lixo bem embalado em casa por alguns dias).
O grande problema daquela greve é que ela foi feita no clamor das manifestações populares em sem seguir aquilo que seria um tradicional modus operandi da classe trabalhadora. Ou seja, organização em sindicato e plenárias para o debate estruturado e organizado das demandas com o ente empregador (a Prefeitura). O argumento para não atender a esse rito, por parte dos lideres da categoria, é que o sindicato seria “pelego” e “pau mandado”. Ou seja, comandado por partidários do empregador, e não do empregado. O resultado disso tudo foi que depois de alguns dias a prefeitura concedeu um aumento de 37% para os garis.
E porque isso é um problema? Como falei no primeiro ponto das minhas considerações. Defendo salários justos para todas as categorias. Um aumento de 37% em uma categoria pode, e de maneira justíssima, levar outras categorias a demandarem o mesmo tratamento.
Avança-se um ano e o carnaval está ai. Só que agora temos uma situação nova. O sindicato da categoria está com eleições marcadas e aqueles que comandaram a greve estão concorrendo com uma chapa para presidir o mesmo. Justíssimo e correto, inclusive algo que deveriam ter feito já há muito tempo. As eleições estão marcadas para os dias 25 e 26 de fevereiro (DEPOIS DO CARNAVAL).
Mas quem se der ao trabalho de dar uma olhada na página do Facebook do movimento vai ver certas insinuações que indicam uma greve a caminho. Alguns indícios. Apesar de estarem em pleno processo eleitoral para comandar o sindicato da categoria, uma das postagens diz o seguinte:
“Atenção GARIZADA!
Estamos no limite! COMLURB e Prefeitura não dão sinal nenhum que querem negociar nossa pauta! Já se passaram os 10 dias que demos de prazo pra abrirem uma negociação, e nada!
Sindicato TRAIDOR não convoca ASSEMBLEIA para que NÓS trabalhadores decidamos os rumos da nossa luta!
Se a COMLURB/PREFEITURA não chamar pra negociar ainda esta semana, e o sindicato não publicar ainda esta semana a convocação de uma Assembleia, NÓS TRABALHADORES VAMOS ATROPELAR novamente!!!!
VAMOS A GREVE TRABALHADORES DA COMLURB!!!!”
Ora, se o processo eleitoral para o sindicato está a menos de duas semanas, é legitimo que parte da categoria, de maneira independente ao sindicato, mas concorrendo para presidir o mesmo em menos de um mês, se coloque nesta posição? De exigir o dialogo e ameaçar a greve? Verdade seja dita que muito provavelmente essa eleição pode não estar transcorrendo da maneira mais transparente. Mas ela está ai, vai acontecer, em menos de duas semanas. Uma greve nesse momento seria tudo, menos legitima.
Mas vamos avançar. Digamos que a greve não aconteça, a Chapa 2 vença as eleições para o sindicato. E ai? Na mesma página do Facebook encontram-se as reinvindicações propostas pela chapa. A primeira delas: Reajuste do piso salarial em 2015 em 40% + Inflação acumulado no ano medida pelo ICV do DIEESE (escolha estranha de indicador, diga-se de passagem). Isso seria mais ou menos 47% de reajuste. Para o vale alimentação pleiteiam um aumento de 20 para 27 reais por dia, ou seja, reajuste de 35%. Há ainda outras “benesses” demandadas como uma cesta básica por mês no valor de 100 reais, uma adicional para o natal de 250 reais, uma “licença prêmio” de um mês extra de férias a cada dois anos trabalhados e um adicional por qualificação, que começa com adicional de 5% para quem tiver ensino médio e vai até 35% para quem tiver doutorado (não importa a função exercida e se ter um doutorado faz qualquer tipo de diferença no exercício da função). Ah, e acabar com qualquer tipo de avaliação de desempenho individual.
Só para comparação. Trabalho em uma empresa privada. O reajuste concedido foi de 6,41% no salário e 7,05% no vale refeição.
Somando o reajuste de 37% do ano passado com o de 47% pleiteado esse ano teríamos um aumento de nada menos que 101% de aumento em menos de dois anos. Lembrando-se do aviso nr.1, eu sou a favor de salários dignos para TODAS as categorias, e com esse reajuste provavelmente chegaríamos mais próximo a isso. O salário base da categoria seria algo em torno de 1600 reais. Porém, é preciso lembrar dos avisos 2 e 3. Os recursos são limitados. O dinheiro do estado não cresce em arvore. E há várias outras categorias que também vivem hoje em dia com salários que estão longe de serem justos.
O gestor público tem a responsabilidade não apenas de remunerar os seus empregados, mas também de garantir que as obrigações sejam financiáveis a curto e longo prazo, além de promover importantes investimentos em setores específicos, como a infraestrutura.
Mais um reajuste como o ocorrido no ano passado atende apenas as demandas dos garis, e ignora a responsabilidade que o gestor público precisa ter diante de toda a sociedade. Reajustes são necessários sim, e ao longo dos anos todas as categorias de base devem ter uma valorização real da sua remuneração. Isso tem que ser feito com planejamento e de forma escalonada para que não provoque impactos negativos sobre toda a sociedade. Os integrantes da Chapa 2, vindo ou não a se eleger, precisam começar a pensar que junto com o poder que detêm vêm a responsabilidade de exercer este poder. Não há inimigos do outro lado, há o empregador (a prefeitura) e ademais o financiador (o contribuinte) que vai ter que pagar a conta.
Essa responsabilidade começa com transparência. Quanto custaria aos cofres públicos todos esses aumentos? Como se financia? Através de aumento de tributos? Ou através de aumento de produtividade e redução de tamanho da COMLURB? É fácil reivindicar apenas direitos e empurrar a responsabilidade sobre os deveres ao próximo. Os garis estão dando um importante passo, acertado, em relação ao ano passado quando tentam obter o controle sobre o seu sindicato de modo legitimo e legal. Porém continuam errando a mão na forma e no tamanho das demandas propostas para uma negociação salarial.
Se você chegou ao final do texto e está querendo apedrejar o autor, sugiro voltar ao inicio e ler os avisos iniciais da matéria.