Em meados do século passado, a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, contava com centenas de cinemas distribuídos por diversos bairros, em todas as regiões, conforme detalhada descrição de Alice Gonzaga em seu livro ”Poeiras e Palácios”.
Em alguns deles existia um verdadeiro aglomerado de salas de exibição, cinelândias locais, como em Copacabana, Tijuca, Méier, este último objeto de um poema de Carlos Drummond, além de uma surpreendente concentração de cinemas em bairros como no subúrbio leopoldinense de Ramos, com quatro salas.
Os filmes eram distribuídos por circuitos, quase todos conhecidos do público, assim como os horários tradicionais de exibição: 2, 4, 6, 8 ,10 ou 3, 5, 7 e 9, salvo para obras de maior duração, como Cleópatra (248min), E o vento levou (245 min), Os Dez Mandamentos (229 min), Ben Hur (222min) ou El Cid (182min).
As grandes salas exibiam as superproduções americanas em sua maioria: Plaza (Passeio), Olinda (Tijuca) e Mascote (Méier), por exemplo. Os chamados filmes de arte eram restritos a cinemas como Veneza (Botafogo) e Comodoro (Praça da Bandeira). A partir da década de 1960, surgiu um circuito especial com os Cinemas 1, 2 e 3, em Copacabana e Tijuca, ou o Paissandu, espaço de concentração de cinéfilos e intelectuais.
O apelo popular dos grandes filmes, que atraíam multidões, despertou o interesse das grandes redes exibidoras internacionais, como a Metro-Goldwyn-Mayer, empresa americana fundada em 1924, que resolveu construir grandes cinemas no Brasil.
Na cidade do Rio de Janeiro, em cinco anos, foram inauguradas três magníficas salas, cujas obras eram acompanhadas com ampla cobertura da imprensa.
O primeiro Metro, projetado pelos arquitetos Prentice e Szilard, foi construído na rua do Passeio, junto ao edifício da Mesbla, entregue ao público pouco tempo antes.
Sua inauguração, em 30 de setembro de 1936, recebeu uma popular contagem regressiva e tornou-se um verdadeiro marco para as salas de exibição da cidade, conforme noticiou “O Jornal”:
“Impeccavel pela sua projecção nítida, de grande potência, pela límpida reprodução sonora, através de aparelhos moderníssimos, pelas poltronas confortáveis (as mais caras até hoje installadas em qualquer casa de diversões do Brasil), dotado ainda de outras regalias, installadas cuidadosamente para que o público se sinta li perfeitamente à vontade, experimentando o mais completo bem-estar.”
Além disso, contava com cerca de 1800 lugares, ótima visibilidade, ar-condicionado considerado perfeito para a ocasião, além da ousadia estrutural do vão livre da sala de projeção, tudo preparado para a estreia, com a exibição de “O Grande Motim”, com Clark Gable, Charles Laugthon e Mamo Clark, para uma plateia vestida quase a rigor.
Aliás, até o final da década de 1950, era praticamente obrigatório o uso de gravata para frequentar as sessões de cinema. O acessório poderia ser alugado em pequenas lojas vizinhas para que o espectador não perdesse a viagem, caso esquecesse aquela inútil peça de vestuário.
Implantado na esquina da rua das Marrecas, a fachada era um notável exemplar art-déco, repertório fartamente utilizado nos cinemas norte-americanos. O letreiro colorido luminoso, escalonado, com o nome da sala, fazia alusão direta aos arranha-céus novaiorquinos,
Conforme a descrição dos jornais, o grande vestíbulo, provido de bomboniere, poltronas, contava com uma decoração “D.João V”, com influência barroca, que contrastava com o discurso moderno presente no art-déco das fachadas.
Com a inauguração de dois outros cinemas da rede, em Copacabana e na Tijuca, cinco anos depois, a sala original passou a ser conhecida como Metro Passeio. Ao longo das décadas seguintes, incluindo o período quando se tornou Metro Boavista, a partir de 1969, foi palco de filmes referenciais como As Sandálias do Pescador (1968), Estação Polar Zebra (1969), Pretty Baby (1979), ET (1982).
Esta sala de exibição, uma das mais famosas da cidade, fechou as portas em 1997, com um irônico título em cartaz, A Relíquia, deixando órfã uma legião de admiradores da rede Metro diante de um edifício vazio. Em 1999, a Prefeitura prometeu transformar o edifício na sede da Orquestra Sinfônica Brasileira, o que jamais aconteceu.
Muitas histórias sobre o ar refrigerado desse cinema… Nos dias quentes, alguns transeuntes paravam para conversar longamente diante dos cartazes, que, com muitas fotos de cenas, ilustravam a fachada, algumas peças de grande qualidade artística. Era uma chance para aproveitar o “clima de montanha” que escapava pelas frestas das portas envidraçadas. Outros contam que durante a exibição de Estação Polar Zebra, que se passava no Polo Norte, muitos espectadores se sentiram congelados em suas poltronas, com dificuldade para levantar ao final da sessão.
Os mais velhos devem guardar com nostalgia as sessões matinais dos primeiros domingos de cada mês, quando o Metro Passeio exibia seu Festival de Tom e Jerry, lotando a sala com crianças, algazarra e muita pipoca, imitando o rugir do leão na abertura de cada desenho, iniciativa que, posteriormente, se repetiu em outros cinemas da cidade.
No final de 1941, com o mundo em plena guerra, dois outros Metros eram inaugurados. Em 10 de outubro, a Praça Saens Peña, tradicionalíssimo logradouro tijucano, recebeu seu edifício, também com cerca de 1800 lugares e a moderna fachada de inspiração art-déco. Assim como o primeiro, recebeu um cuidadoso projeto de interior, valorizando a ornamentação e a qualidade de exibição dos filmes. No final da década de 1970, a sala de exibição encerrou suas atividades e o edifício recebeu uma grande reforma para abrigar uma loja de departamentos.
Em 05 de novembro era a vez de Copacabana, que já contava com diversos cinemas de qualidade, como o Roxy, inaugurado em 1938. O Metro, localizado na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, contava com cerca de 1700 lugares e projeto arquitetônico muito semelhantes aos dois anteriores, incluindo o repertório art-déco em sua fachada principal. Também foi fechado no final da década de 1970 e o edifício totalmente modificado.
Pouco a pouco a cidade assistia ao fechamento de seus cine-palácios, assim como dos modestos cinemas de bairro. Modificava-se definitivamente o ritual para assistir a uma sessão de cinema, com direito a bilheterias, elegantes foyers com bombonieres, pipocas saltitando nas máquinas iluminadas, lanterninhas, cortinas diante das telas, trailers, cinejornais, um condor voando ou um leão rugindo nas telas dos Metros.
Algumas iniciativas recentes procuraram registrar aqueles momentos, como o filme documental em realidade virtual “Cine Metro: Experiência Imersiva”, do diretor Eduardo Calvet, de 2021 ou a nostálgica miniatura do Metro Tijuca, criada pelo advogado Ivo Raposo, em Conservatória, RJ, afetivamente batizada de “CentíMetro”, abordado em matéria de Larissa Ventura, em 2022, neste jornal.
São fragmentos de memória, fagulhas saudosistas de quem esperava ansioso, quando criança, pelos festivais de desenhos, acompanhados pelos pais. Mais velhos, compartilhávamos com a namorada a pipoca e o drops Dulcora, encantados diante das bicicletas voadoras cortando o céu, carregando o ET de volta ao lar.
Assim como a arte documentou com reverência o desaparecimento dos cinemas de rua em obras como A Última Sessão de Cinema (1971), Cinema Paradiso (1988), Splendor (1989), Cine Majestic (2001), as cortinas dos Metro se fecharam.
Reina o silêncio onde ecoava a música do canal 100 enquanto os lanterninhas fiscalizavam “atitudes mais ousadas” dos casais. Aquele feroz leão de nossas sessões infantis rosna mansamente nas salas de exibição dos shoppings, onde os combos custam tanto ou mais que um ingresso, aquele ingresso que a maioria conseguia pagar, justificando aquela expressão nas propagandas: “Cinema é (era) a maior diversão”!
Sensacional! Uma verdadeira viagem que este texto me fez fazer. Parabéns…