Dos filósofos da Grécia Antiga aos estudiosos contemporâneos, o suicídio assombra e intriga a humanidade. Interromper a própria existência, muitas vezes sem razão aparente, contraria nosso atávico instinto de sobrevivência, desafiando a arraigada crença na vida como bem maior. A perplexidade gera preconceito e estigma e o tema vira tabu, como se o silêncio trouxesse alívio e soluções, quando, na verdade, só esconde a dor e reduz a chance de detectar possíveis casos a tempo – e, assim, evitá-los.
Precisamos, portanto, falar sobre o assunto. Estudo recente da Fiocruz mostra, entre 2011 e 2022, uma alta média anual de 3,7% em nossas taxas de suicídio e de 21% na de automutilações. Na faixa entre 10 e 24 anos, esses índices chegam, respectivamente, a 6% e 29%. O número de casos fatais entre homens é quatro vezes maior do que entre as mulheres, embora o de tentativas entre elas seja o dobro. Esta “eficiência” é reflexo, tudo indica, da cultura de violência e do acesso a armas, características infelizmente ainda marcantes do universo masculino.
Vale destacar que, entre os anos 2000 e 2019, houve uma redução de 36% nos índices globais de suicídio, contra um aumento de 17% nas Américas como um todo e de 43% no Brasil em particular – entre os jovens, o crescimento foi de espantosos 81%. Ocupamos o nada honroso oitavo lugar no ranking mundial, com cerca de 16 mil mortes em 2022, numa alta de quase 12% em um ano. Um quadro alarmante, alimentado por equívocos nascidos do preconceito e desinformação.
Um dos mais frequentes é atribuir o suicídio a uma falha de caráter. Ele é fruto de fatores como traumas, distúrbios mentais, problemas financeiros, solidão e abuso de álcool ou drogas, não da “frescura” ou “vontade de aparecer”. O medo desse julgamento cruel muitas vezes impede que o indivíduo em risco admita suas dificuldades e busque apoio, num silêncio doloroso e muitas vezes trágico.
Acreditar que depois de uma tentativa fracassada a ideia de tirar a própria vida desaparece é outro erro comum. Em mais de 50% dos casos o ato se repete, de forma mais letal. Indiferentes ao fato, muitos sobreviventes deste gesto extremo ignoram a necessidade de tratamento especializado indicada pela própria equipe médica do hospital de emergência que os salvou. Pior: com o apoio tácito de parentes e amigos. Justo eles, que podem ser a chave, com algumas ações práticas, para a sobrevivência de seu ente querido.
Uma delas é uma conversa direta e tranquila, na contramão da falsa crença de que falar sobre suicídio pode levar alguém a cometê-lo. Na verdade, ao tocar no assunto de forma empática, mas firme e sem subterfúgios, criamos um espaço seguro para que a pessoa em risco se expresse, rompendo o isolamento e revendo alguns conceitos. Neste momento, ouça muito e fale pouco, expondo tanto a preocupação quanto o apoio. Esse diálogo pode ser o ponto de partida para o controle da ideação suicida.
Este necessário canal de comunicação é muitas vezes obstruído por outras duas ideias errôneas sobre o suicídio: ele ocorreria sem aviso prévio, e só atingiria portadores de distúrbios mentais. Existem, claro, episódios repentinos, mas geralmente há sinais de alerta, e mesmo que transtornos psíquicos sejam fatores de risco, não explicam todos os casos. Portanto, nenhum indício do problema, mesmo em pessoas sem diagnóstico prévio dessas doenças, deve ser ignorado.
O Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, é uma bela ferramenta para combater esses preconceitos e enganos, mas não precisa ser a única. Estar atento aos sinais e sintomas e divulgar informações corretas sobre o tema, sempre ancoradas na ciência, é tarefa de todos, o ano todo, e certamente estimulará a busca por tratamento, reduzindo os tristes números desta tragédia que, na maioria dos casos, podemos evitar.
*Jorge Jaber, psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina