No dia 26 de setembro, foi divulgada a tão esperada íntegra do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que trata dos embargos de declaração apresentados pelo Partido Novo e pela Procuradoria-Geral do Município do Rio de Janeiro (PGM) contra a decisão anterior que declarou a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 212/2019, do Município do Rio de Janeiro, relacionada à incorporação de verbas de cargo em comissão e função gratificada. Os embargos alegavam a omissão quanto ao termo inicial dos efeitos prospectivos dessa declaração de inconstitucionalidade.
A decisão original havia conferido efeitos prospectivos à inconstitucionalidade, sem especificar uma data de início clara, o que gerou dúvidas sobre a segurança jurídica e a aplicabilidade da decisão. A PGM e o Partido Novo solicitaram, então, a definição de um marco temporal para esses efeitos, a fim de evitar confusões na administração pública.
O TJRJ, no dia 23 de setembro, negou provimento aos embargos, mas corrigiu de ofício a decisão, alterando a modulação dos efeitos para ex tunc, ou seja, com efeitos retroativos. Contudo, foi mantida a ressalva de que os valores já recebidos de boa-fé pelos servidores municipais, com base na lei declarada inconstitucional, não precisam ser devolvidos, em conformidade com o princípio da segurança jurídica e o artigo 27 da Lei nº 9.868/1999.
Segundo essa nova decisão judicial, essa retificação buscaria garantir maior clareza e efetividade à declaração de inconstitucionalidade, evitando a manutenção de vantagens inconstitucionais e preservando apenas os valores já pagos de boa-fé.
No entanto, os servidores públicos municipais foram surpreendidos com essa notícia desfavorável. O tribunal mudou de posição e decidiu, de ofício, que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar sob análise seria ex tunc, ou seja, com efeitos retroativos. Isso significa que a decisão impacta atos passados, gerando incertezas para muitos servidores.
Para quem deseja acessar a íntegra da decisão sobre os embargos de declaração em questão, o documento pode ser conferido neste link: https://drive.google.com/file/d/1JENz9qO2fl4A90qHmbr2d4GBtq6GzPfL
Veja abaixo a ementa desse acórdão:
“Embargos de declaração interpostos em face do acórdão que julgou procedente a representação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 212, de 08 de outubro de 2019, do Município do Rio de Janeiro, nos termos do parecer ministerial, com efeitos prospectivos. Alegação de omissão em virtude da falta de menção ao termo inicial dos efeitos prospectivos determinados no v. acórdão. Regra no controle de constitucionalidade pátrio consistente em atribuir efeitos retroativos à declaração de inconstitucionalidade. Vício de inconstitucionalidade que é congênito, apto a macular a norma desde os seus primórdios e a contaminar todos os atos praticados sob a sua égide. Acórdão embargado que estabelece efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade sem demonstrar a existência de risco à segurança jurídica ou de excepcional interesse social apto a afastar a incidência da regra geral. Inteligência do art. 27, da Lei 9.868/1999. Possível erro material do decisum. Hipótese em que comumente este Egrégio Órgão Especial confere efeito ex tunc com restrição apenas quanto à ressalva concernente à desnecessidade de devolução dos valores percebidos de boa-fé pelos servidores municipais em razão da norma declarada inconstitucional. Efeito ex nunc que acarretaria insuperável contrassenso, visto que preservaria as vantagens já auferidas pelos agentes públicos municipais em situação claramente irregular, em comprometimento à própria efetividade prática da declaração judicial de inconstitucionalidade. Embargos interpostos cujas argumentações não suprem o vício do acórdão. Desprovimento dos recursos.”
Apesar dessa decisão prejudicial aos servidores, a luta não acabou.
Um parlamentar me questionou sobre como a luta poderia continuar diante de uma lei já declarada inconstitucional. A resposta é simples: a luta não é pela constitucionalidade da lei, mas pela não retroatividade da decisão judicial. Ou seja, os servidores estão na batalha para que a decisão não os prejudique retroativamente, o que seria devastador para muitos que contaram e acreditaram nessa incorporação em suas finanças.
A Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CMRJ) já se posicionou e informou que vai entrar com um recurso com efeito suspensivo contra essa decisão.
O presidente da CMRJ encaminhou, no dia 26 de setembro, ofício ao procurador-geral da CMRJ determinando o seguinte:
“Cumprimentando-o, considerando a publicação no Diário Oficial do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, referente aos embargos de declaração interpostos ao acórdão que julgou procedente a representação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 212, de 08 de outubro de 2019, do Município do Rio de Janeiro, retificando os efeitos temporais da decisão sobre a inconstitucionalidade da referida lei, solicito à douta Procuradoria-Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro que elabore o recurso contra a referida decisão.”
Veja esse ofício no seguinte link: https://drive.google.com/file/d/1Vk2LLTttTfNkD5OE49m6yHy-UZK1Hyuz/view?usp=drivesdk
A Câmara tem legitimidade para isso, pois, no polo passivo da ação em tela, estão o prefeito e a CMRJ. Logo, ambos têm legitimidade para interpor recurso ao acórdão.
A estratégia será justamente a de recorrer da decisão, solicitando efeito suspensivo. O acórdão acabou de ser disponibilizado e o prazo judicial para o recurso é de quinze dias após a CMRJ ser intimada da decisão.
A CMRJ, que já defendeu os servidores nesse processo judicial, felizmente, já começou a preparar o recurso.
Veja essa defesa anterior no seguinte artigo publicado no Diário do Rio: “CMRJ ao lado dos servidores – Novo capítulo da ‘novela’ da ação contra a Lei da Incorporação” – https://diariodorio.com/cmrj-ao-lado-dos-servidores-novo-capitulo-da-novela-da-acao-contra-a-lei-da-incorporacao/
O Poder Executivo também já informou que vai, através da PGM, entrar com recurso contra a decisão judicial em comento.
A ideia da CMRJ e da PGM é suspender a eficácia da decisão até que haja uma nova apreciação do caso, garantindo, assim, um fôlego aos servidores enquanto o recurso tramita.
A esperança dos servidores está no fato de que tanto o TJRJ quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) possuem precedentes que tratam a inconstitucionalidade com efeitos ex nunc – ou seja, sem retroatividade –, o que poderia preservar os direitos adquiridos até o momento da decisão.
O STF já modulou, em diferentes decisões, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com base na segurança jurídica e boa-fé dos servidores.
Um exemplo notório é a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.126 – Distrito Federal, julgada em 18/04/2023, na qual o STF julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Distrital nº 7.093/2022, com modulação de efeitos para que a decisão tenha eficácia ex nunc, de modo a assentar a irretroatividade do entendimento quanto aos valores já auferidos e às aposentadorias já concedidas, inclusive as pensões destas geradas.
Outro precedente relevante é o Recurso Extraordinário nº 638115 – Ceará, julgado em 18/12/2019, no qual o STF entendeu que, embora tenha sido declarada a inconstitucionalidade da incorporação de verbas, os efeitos foram modulados para serem aplicados ex nunc, nos seguintes termos: manutenção do pagamento da referida parcela incorporada em decorrência de decisões administrativas, até que sejam absorvidas por quaisquer reajustes futuros a contar da data do presente julgamento.
Esses precedentes demonstram que o STF, em diversas situações, preserva a estabilidade das relações jurídicas e protege aqueles que, de boa-fé, confiaram na validade da legislação posteriormente declarada inconstitucional.
É importante lembrar que há precedentes favoráveis no próprio TJRJ que já decidiu em casos semelhantes de maneira diferente à decisão de agora.
Basta recordarmos a questão das pensões especiais concedidas aos servidores aposentados e pensionistas que ingenuamente acreditaram no decreto inconstitucional do ex-prefeito César Maia. Mesmo após o decreto ser reconhecido como inconstitucional, o tribunal não determinou a retroatividade, permitindo que os beneficiários continuassem recebendo suas pensões.
A íntegra dessa decisão relacionada à pensão especial dos servidores aposentados e pensionistas, citada como exemplo de modulação dos efeitos ex nunc, está disponível no seguinte link: https://drive.google.com/file/d/1otyRRru1JG_9H05rhyJ2Rh7XYZuUajOm/view?usp=drivesdk
Veja abaixo a ementa desse acórdão:
“Direta de inconstitucionalidade nº 0022875-27.2021.8.19.0000. Representante: Partido Novo Diretório Estadual RJ. Representado: Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Representado: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Relator: Desembargador Luiz Zveiter.
E M E N T A
Representação por inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Novo Diretório Estadual-RJ, para ver declarados inconstitucionais os artigo 4º, caput e parágrafo único, artigo 5º, caput e parágrafo único, e artigo 7º da Lei Complementar nº 193/2018, do Município do Rio de Janeiro, que concedem pensão especial mensal, de caráter vitalício, ao servidor inativo municipal e ao pensionista, cujo benefício previdenciário tenha sofrido redução em decorrência da anulação do Decreto nº 23.844, de 18 de dezembro de 2003, atribuindo ao tesouro municipal a responsabilidade pelo pagamento.
A Lei impugnada reproduziu os efeitos práticos do anterior Decreto Municipal nº 23.844/2003, já revogado, criando, novamente, norma que viola o regramento constitucional trazido pela Emenda Constitucional nº 41/2003, uma vez que afastada do modelo de previdência social prescrito, tanto na Constituição da República, quanto na Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
A Lei Complementar Municipal nº 193/2018, ao prever o pagamento de pensão especial mensal, de caráter vitalício, aos servidores aposentados e pensionistas, afronta o disposto no artigo 195 combinado com artigo 284, caput e §1º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e artigo 149, §1º, da Constituição da República, os quais, em conjunto, dispõem sobre o caráter contributivo a que deve estar sujeito o regime previdenciário do servidor público e sobre a necessidade de que a concessão de um benefício previdenciário seja acompanhada da prévia indicação da correspondente fonte de custeio.
Não bastasse, a criação da referida pensão especial pela lei impugnada igualmente constitui violação ao artigo 213, §1º, inciso I, da Constituição Estadual, o qual, alinhado com as diretrizes orçamentárias fixadas no artigo 169, caput e §1º, incisos I e II, da Constituição Federal, estabelece a vedação à criação ou aumento de despesas com ativos e inativos, sem a correspondente previsão de dotação orçamentária suficiente ao seu atendimento, bem como de previsão específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Ocorrência de vícios insanáveis de ordem material, que impõem a declaração da inconstitucionalidade do artigo 4º, caput e parágrafo único, artigo 5º, caput e parágrafo único, e artigo 7º da Lei Complementar nº 193/2018, do Município do Rio de Janeiro.
Não obstante, considerando que diversas aposentadorias e pensões foram concedidas, com respaldo em legislação que, até então, gozava de presunção de constitucionalidade, faz-se necessária a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, através da aplicação analógica do artigo 27 da Lei nº 9.868/1999, atribuindo-se eficácia ex nunc, em respeito ao princípio da segurança jurídica, por razões de interesse social, e no resguardo à legítima expectativa e à boa-fé do cidadão.”
Agora, a expectativa dos servidores recai sobre o andamento dos recursos da CMRJ e da PGM.
A decisão pode ser revista em instâncias superiores, e a modulação dos efeitos da inconstitucionalidade para o futuro (ex nunc) ainda pode ser uma realidade, resguardando os direitos dos servidores.
Para aqueles que não estão familiarizados com o processo ou desejam relembrar os detalhes, recomendo a leitura dos artigos anteriores publicados no Diário do Rio, que constam no penúltimo artigo sobre o tema, que pode ser acessado no seguinte link: Servidores municipais e a expectativa pelo julgamento da Lei de Incorporação no TJRJ – https://diariodorio.com/servidores-municipais-ainda-na-expectativa-pelo-resultado-do-julgamento-da-lei-de-incorporacao-no-tjrj/
A recente decisão do TJRJ, ao impor efeitos retroativos à declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 212/2019, trouxe um grande impacto aos servidores municipais. Contudo, a garantia de que os valores recebidos de boa-fé não precisarão ser devolvidos já foi um alívio, preservando parte dos direitos dos servidores.
Mas a mobilização continua.
Os precedentes sobre o tema do STF e do TJRJ indicam que a modulação dos efeitos pode ser aplicada ex nunc, o que seria a saída mais justa, preservando a segurança jurídica e a boa-fé dos servidores.
A expectativa agora é que, com os recursos devidamente protocolados, a decisão seja revisada e que os direitos dos servidores municipais sejam protegidos. A luta está longe de terminar, e a mobilização e pressão são fundamentais para garantir um desfecho mais justo.
Além dos recursos legais, a força da mobilização dos servidores será um fator determinante. A participação ativa nas discussões e o acompanhamento das ações das autoridades são formas de garantir que a luta pelos direitos dos servidores tenha um desfecho positivo.
Este é um momento crítico para os servidores municipais do Rio de Janeiro. A união de forças — entre a Câmara Municipal, a PGM e a pressão dos servidores — pode resultar na reversão de uma decisão que, no seu formato atual, causa danos severos aos servidores. A justiça, baseada em princípios de boa-fé e segurança jurídica, ainda pode ser alcançada.
A luta não acabou, e a justiça para os servidores do Rio de Janeiro ainda pode prevalecer com persistência, mobilização e os recursos certos sendo protocolados no tempo adequado.