Todo ano, o carioca se depara com a Taxa de Incêndio (o tal Funesbom) e poucos sabem que o Rio de Janeiro é o único estado do Sudeste que cobra tal contribuição. A despesa que, já foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e recentemente pelo Tribunal de Justiça do Rio, não é mais paga por centenas de contribuintes que obtiveram vitórias na Justiça e os valores recebidos deles terão de ser restituídos pelo Governo do Estado: todos os cinco últimos anos, retroativos.
Mas, se parece que o caminho inteligente ainda é ignorar a taxa que os Ministros do Supremo já decidiram que é ilegal, vale notar que existe risco de os débitos da taxa serem inscritos na dívida ativa em nome dos devedores, segundo o consultor tributário e presidente da Fradema Consultores Tributários, Francisco Arrighi. “Há uma ação civil pública que estão recorrendo no STJ após uma derrota no Tribunal de Justiça do Rio, mas ainda não tem previsão do julgamento. Se for considerada inconstitucional, o contribuinte será restituído cinco anos de contribuição, enquanto o contribuinte que deve 10 anos, será totalmente perdoado. É injusto, mas quem hoje deixar de pagar, pode ser inscrito em dívida ativa”, explica Arrighi. Especialistas são quase unânimes em dizer que a única forma garantida enquanto o Estado do Rio não der o braço a torcer é entrar na justiça contra a cobrança.
O advogado João Pedro Figueira recomenda pagar a taxa e faz um alerta. “Enquanto Brasília não decidir sobre o assunto coletivamente, só tem efeito para quem entrou na Justiça. Mas, quem buscar este caminho, deve obter a isenção e poder parar de pagar após ser declarada inconstitucional, inclusive sendo pessoa física”, salienta.
Segundo corretores e administradores de imóveis, ainda é preciso comprovar que o Funesbom está pago na hora de vender o imóvel. ”Na hora da venda, ou prova que está pago ou abate do preço”, pontua Nelson Borges, corretor há mais de 20 anos, lembrando que para alugar o imóvel a exigência é incomum. “O STF já decidiu sobre o assunto, e segue tomando decisões semelhantes. Nós estamos orientando nossos clientes a ingressar em juízo e pedir a nulidade das cobranças futuras e o reembolso das taxas pagas nos últimos 5 anos. Um escritório de advocacia estará patrocinando as causas de nossos clientes”, disse ao DIÁRIO Wilton Alves, diretor do departamento de administração da tradicional imobiliária Sergio Castro Imóveis.
O próprio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já reconheceu a inconstitucionalidade para o Instituto de Medicina Nuclear e Endocrinologia, uma empresa da área de saúde que fica na cidade de Campos, no Norte Fluminense. Algo semelhante ocorreu com a Light, que se livrou da cobrança indevida em 2019. Embora obtida a vitória, a decisão foi dada a quem entrou na justiça, porém, pode servir para outros contribuintes obterem a isenção na Justiça em processos individuais. “A decisão levou em consideração que o Corpo de Bombeiros presta serviço de segurança pública, que é serviço geral e indivisível, portanto, não pode ser remunerado por taxas, que cabem somente a serviços divisíveis, que são aqueles que “podem ser gozados e mensurados individualmente, como a coleta de lixo domiciliar ou o serviço do Judiciário”, explica o advogado Carlos Alexandre de Azevedo Campos, ao jornal Terceira Via.
Qualquer advogado registrado na OAB pode procurar e acessar online os processos que já foram ganhos – eles são públicos – e utilizar os mesmos argumentos num processo novo, em nome de qualquer contribuinte, explicaram alguns especialistas, que creditam a baixa demanda de ações do tipo ao valor baixo das contribuições do tipo para imóveis residenciais.
De acordo com o advogado Guilherme Dall’Orto, que assessorou juridicamente a Indicação Legislativa aprovada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2021, para o fim da cobrança da taxa, é impróprio que, com o pretexto de prevenir eventual sinistro relativo a incêndio, o Estado crie um tributo sob o rótulo de taxa. “É razoável arrecadação, mas não deveria ser desta forma. Em São Paulo, já foi declarada inconstitucional. No Rio, infelizmente, o contribuinte tem que entrar em ação individual, pois há pouco movimento do Ministério Público e da Defensoria Pública”, explica.
O advogado imobiliário Claudio Padilha também confirma a alegação que fez a empresa campista obter o aval da Justiça para deixar de pagar. “Serviço de segurança pública de incêndio não é serviço de fundo específico e divisível, então, não pode ser cobrado mediante taxa.“, explica. Por isso vem sendo considerada ilegal pelos tribunais há anos, e também por isso os outros estados não cobrem este tributo. Mas o carioca em geral apóia os bombeiros, e talvez não questionasse sua legalidade caso a destinação prometida tivesse sido cumprida. Só que nem sempre é o caso.
Chamado de Funesbom, o Fundo Especial do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro é uma lei de 1982 e trata-se de um aporte financeiro, que tem a finalidade “aplicar recursos para a estruturação de mobiliário, serviços e programas de ensino de assistência médico-hospital e de assistência social da corporação, como também na prevenção de combates a incêndio”, sendo formado 77% pela taxa cobrada a imóveis residenciais e comerciais do Rio.
Porém, na época do Governo de Luiz Fernando Pezão, o Ministério Público, através do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação e aos Ilícitos contra a Ordem Tributária (GAESF), entrou em ação contra o Funesbom, pois, só em 2019, o fundo teria acumulado R$ 340 milhões, o que ultrapassaria o orçamento na Lei Orçamentária Anual para a taxa (R$ 318 mi) e não teria sido aplicado no combate de incêndio e nem beneficiado os bombeiros do estado. O mesmo ocorreu em diversos outros exercícios.
Segundo o GAESF/MP-RJ, na época, “houve vontade específica de não utilizar os recursos de que a corporação precisava, o que resultou neste acúmulo ilegal e ilegítimo de recursos financeiros, durante anos”. Segundo o Ministério Público, a não aplicação da taxa de incêndio no Corpo de Bombeiros de 2014 a 2019 provocou graves impactos aos serviços de saúde da corporação, apesar de o Funesbom, no período citado, contar sempre com recursos mais do que suficientes para manter, aparelhar e até mesmo ampliar o serviço de atendimento e assistência dos bombeiros. Como exemplos dos cortes feitos sem necessidade foram citados os programas de reequipamento do CBMERJ (só executado em 39,25% do previsto em 2014); aquisição de aparelho de ultrassonografia e prevenção ao câncer de pele nos GMAR (não executados em 2015); equipamentos para o Hospital do CBMERJ (também com grau 0% de execução em 2015 e 2016); e ampliação da frota (apenas 23,35%, em 2017). Tudo isso quando havia dinheiro de sobra, se a Taxa de Incêndio fosse usada para a finalidade que – apesar de inconstitucional segundo decisões posteriores – era destinada.
Rio tenta defender legalidade da taxa de incêndio no Supremo Tribunal Federal mas não explica porque o dinheiro não chegava nos Bombeiros
O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar a constitucionalidade da taxa de incêndio cobrada no Rio de Janeiro e em outros estados. A decisão será crucial para o futuro do tributo, que o governo diz ser vital para o funcionamento do Corpo de Bombeiros, embora a gestão Pezão tenha sido pega pelo GAESF com a boca na botija, usando o dinheiro pra outras coisas. Durante anos, a grana sequer chegou aos bombeiros, segundo o MP. Nesta semana, porém, o deputado federal Júlio Lopes (PP) e o secretário de Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros, Tarciso Salles, estiveram reunidos com o ministro Gilmar Mendes para reforçar a suposta importância da manutenção da taxa, sem todavia explicar porque em 2019 e em outros exercícios – por exemplo – os 340 milhões não caíram na conta dos Bombeiros.
De acordo com Júlio Lopes, o Rio de Janeiro possui uma das unidades mais qualificadas do país, frequentemente requisitada para atuar em grandes operações de resgate, tanto no Brasil quanto no exterior.
“É preciso entender que a taxa de incêndio paga pela população é de máxima importância. Ela é revertida exclusivamente para o aperfeiçoamento da corporação e de seus integrantes. Os moradores do Rio recebem de volta o investimento, em novos e eficientes equipamentos e no treinamento de seus combatentes”, afirmou o deputado, mantendo o silêncio sobre o porquê do dinheiro ter ficado perdido no Caixa do Estado sem uso pelos Bombeiros no recente episódio descoberto pelo MP.