Fiquei alguns dias pensando sobre o que exatamente escreveria para essa coluna. Não que tivesse dúvidas quanto ao tema que abordarei, mas fiquei refletindo: Qual seria a melhor maneira de tocar no assunto? Sendo bem franca com os leitores, acho que minha maior contribuição é relatar o que aconteceu comigo.
Sou carioca. Trabalho em uma empresa. Até pouco tempo atrás acompanhava a discussão sobre os direitos da mulher no mercado de trabalho ou a questão do assédio como uma mera espectadora. Como a maioria das mulheres, eu estava mais preocupada em dar conta da dupla ou tripla jornada, cuidando da casa, dos filhos, das tarefas profissionais, etc. Contudo, para virar protagonista dessa história que vou contar aqui, bastou uma fração de segundos.
Sempre acreditei que no local de trabalho estivesse em questão a sua capacidade de produzir em quantidade e com qualidade durante sua carga horária. Só que não! Descobri que em um ambiente de trabalho cabem muitas outras coisas, inclusive o assédio moral e sexual. E comigo não foi diferente. É triste imaginar que isso provavelmente acontece todos os dias com centenas de cariocas.
Já virou clichê a típica situação do chefe que comete esse ato abominável, muitas vezes de forma sutil e sorrateira contra sua subordinada. A maioria das mulheres que é assediada ainda se cala e não as culpo por isso. Atuam o medo, a vergonha ou simplesmente a reprodução de hábitos cristalizados em nossa sociedade, como o de culpar a mulher.
Particularmente, me encolhi, me envergonhei, porém, reagi. Gritei, esperneei, lutei e venci. Levei o caso à esfera máxima da empresa, a quem de fato poderia resolver a questão. E a justiça foi feita. Decidiram pela demissão do meu agora ex-chefe.
Não me senti vencedora, apenas defensora de um direito básico. Em uma situação como essa não existem vencedores ou perdedores, mas sim uma sensação de ter garantido meus direitos na sua plenitude. Acho até que poucas vezes na vida tive essa sensação. Acho que quando travamos lutas muito intensas os resultados tendem a nos trazer mudanças profundas.
Pensei então que poderia virar essa página. Seguir com a vida. Respirar aliviada. Mas me enganei mais uma vez!
Fui chamada por um superior e ouvi o seguinte dele: “Não fiquei satisfeito em ter que demitir a pessoa. Tentei todas as maneiras de evitar isso. A culpa pela demissão dele é toda sua”.
Meus ouvidos não acreditavam no que estavam escutando. A pessoa agredida está errada de ter se defendido? É isso que acontece com quem abre a boca e grita por seus direitos?
No fim das contas, fui punida por denunciar o caso e exigir providências. Fui trocada de setor, colocada em um horário de trabalho pior e não recebi nenhuma justificativa para tal mudança.
Ingenuamente acreditei que gritar e lutar por nossos direitos quando algo desse tipo acontece seria o suficiente, mas aprendi que, infelizmente, não é assim que funciona. É uma luta diária e uma vigilância constante.
Existe uma necessidade de mudança cultural mais profunda em nossa sociedade. Primeiro de respeito ao próximo independente de gênero, cor da pele ou credo. Já ouvimos essas frases dezenas de vezes, mas será que praticamos? Ou só pensamos nelas quando somos atingidos? As mudanças só ocorrem quando tornamos um determinado tema cada vez mais comum no debate em nossa sociedade. Para que as pessoas não só ouçam, mas também parem e prestem atenção no que está sendo dito.
Vivemos na Cidade Maravilhosa, patrimônio da humanidade. Uma cidade cosmopolita, moderna e supostamente liberal. Mas será que somos tão cosmopolitas e liberais assim? Em pleno século XXI precisamos de um metrô onde, por exemplo, há a necessidade de um carro exclusivo para que as mulheres não sejam assediadas. Fica claro que a mulher não é respeitada nem mesmo em seu direito mais básico, que é o de ir e vir.
Nós cariocas, que moramos, trabalhamos e fazemos essa cidade, temos nossa integridade física e moral assediadas diariamente. Somos as primeiras a sentir os retrocessos que nossa sociedade da Cidade Maravilhosa vem passando. A inversão de valores virou lugar comum.
Caros leitores, minha pretensão aqui não foi relatar mais um caso de assédio que, repito, acontecem a todo o momento. Quero aqui engrossar o coro e ser mais uma voz a gritar: Basta!
Maria (pseudônimo)