Texto de Cesar Maia, vereador e ex-prefeito do Rio
Publicado originalmente no Ex-Blog do Cesar Maia.
Supondo que o vetor orientador da criminalidade é aquele que explica a maior rentabilidade entre todas as modalidades, há que se perguntar que vetor é este e o que pode ter afetado a lucratividade deste vetor. É claro que não há um só vetor, mesmo que o principal se destaque, até porque a lucratividade é agregada, ou seja, soma diversas modalidades.
Mas quando a principal modalidade é afetada, a busca de compensações em outras modalidades –especialmente quando estas não são concentradas- gera um espalhamento e exponencia a sensação de insegurança.
No final de 1994 e início de 1995, a perda de controle da segurança pública no Rio de Janeiro sobre a criminalidade levou a uma intervenção do Exército com ocupação contínua de várias comunidades. O sufoco dado no tráfico de drogas fez o crime “vir para o asfalto” e a criminalidade de rua –assaltos de todos os tipos- cresceu vertiginosamente.
A repressão de contato feita pelo exército levou a uma autocrítica por duas razões: a) o exército é treinado para ocupar o território inimigo e para liquidar a força oponente, o que não é caso de comunidades cujo território é municipal e a imensa maioria dos moradores quer paz e torcia pela sucesso do exército. b) a repressão de contato aumenta em muito o risco de contaminar os que reprimem, como mostra a experiência em outros países, como o México.
O Exército saiu e a alternativa foi trocar o secretário de segurança e iniciar um ciclo altamente repressivo por parte das forças policiais, com significativo aumento da mortalidade dos delinquentes, acuando o tráfico de drogas e a criminalidade. Com isso, ocorreu um refluxo em relação aos chamados crimes de rua. E o tráfico de drogas voltou a liderar as modalidades e retornar às comunidades que serviam de base a seu mercado.
Agora –outra vez- numa curva que cresce e depois exponencia, a partir de fins de 2015, há um descontrole na segurança pública e um aumento da violência e da criminalidade. O secretário de segurança, como se pudesse ter previsto, programa sua saída depois dos JJOO e de um ciclo de exaltação de ações de segurança pública de uma nota só, com as chamadas UPPs.
E mais uma vez o Exército é chamado a entrar nesse processo, reprimindo e inibindo a criminalidade fora de controle. Mas a experiência de 1994/1995 levou a que o exército não repetisse –agora- o erro de 1994/1995, quando ocupou comunidades numa repressão de proximidade, como se fosse polícia, sem o ser.
E volta a pergunta inicial: o que mudou no perfil da criminalidade para ter deflagrado esse novo processo de descontrole e espalhamento?
A hipótese com que alguns especialistas trabalham é que o vetor principal –ou orientador- da criminalidade no Rio –o tráfico de drogas e em especial de cocaína- foi afetado e debilitou-se, seja por razões de demanda, seja por razões de oferta.
De DEMANDA em função da crise econômica, reduzindo o poder de compra dos consumidores e dos repassadores diretos. E empurrando a maior taxa de desemprego dos jovens a buscar alternativas. De OFERTA pela maior efetividade da repressão ao tráfico de drogas nas fronteiras e nos corredores, até o mercado distribuidor –o narcovarejo.
Isso produz três efeitos. Primeiro, o acirramento e radicalização pelo controle dos pontos mais lucrativos do narcovarejo, desequilibrando áreas como Rocinha, Maré, Alemão, Jacarezinho, Rolas…, entre outras. E desintegrando as UPPs. Segundo, a busca de novas modalidades compensatórias, como o caso do roubo de cargas. Terceiro, desconectando as pontas do varejo, da estrutura das “bocas de fumo”, lançando os “aviões, olheiros e fogueteiros” no crime de rua, inclusive com armas brancas.
Se estas hipóteses são efetivas, o problema é similar ao de 1994/1995, só que agora em muito maior dimensão, em função dos fatos narrados nos dois parágrafos anteriores. Se é fato que a repressão no atacado tem produzido melhores resultados, esta é uma boa notícia. Mas sua articulação com a estrutura dos crimes deveria ter levado as polícias a se organizarem para enfrentar as novas situações que vieram como desdobramento.
E –sendo assim- há que redesenhar o perfil da segurança pública, de forma a enfrentar as novas situações criadas de fora para dentro. Ou seja, se a razão de origem desse novo quadro não é o fracasso da polícia, o fato é que a partir do novo desenho do crime e da falta de antecipação, compreensão e agilidade para enfrentar este novo momento, a responsabilidade passa a ser alocada à polícia.
E o Exército e as forças federais darão uma enorme contribuição conhecendo bem este novo momento, estes novos perfis conjunturais, e atuando de forma complementar e interativa com as polícias, inibindo os poros que foram abertos pelas circunstâncias. Por isso, não é figura de retórica quando o secretário de segurança afirma que a polícia está sangrando e a sociedade está sangrando, figura que ajuda a entender que esses sangramentos não serão contidos por simples bandagens.
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