Todo mundo passou, ou vai passar, por alguma situação em que a chave do rumo da sua própria trajetória vira. Sem aviso prévio, sem hora nem data marcada, a vida simplesmente vai lá e muda o seu curso pra sempre. Seja esse momento bom ou ruim, o que ela parece esperar da gente é coragem. E há exatos 21 anos a chave virou para 176 famílias às 3h da manhã de um domingo de Carnaval. Foi na madrugada de 22 de fevereiro de 1998 que parte do prédio Palace II desabou no Rio de Janeiro, deixando oito mortos e mais de 170 famílias desabrigadas.
O documentário ‘Palace II – Três quartos com vista para o Mar’ entra em circuito nos cinemas brasileiros dia 18 de julho e oferece uma narrativa visceral sobre o acontecimento que mudou o curso da vida de centenas de pessoas que basicamente só desejavam adquirir um imóvel e realizar o sonho da casa própria. A julgar pela trilha sonora digna de filmes de terror e suspense, dá para sentir um pouco do que veremos nos próximos 80 minutos.
E é contando a história desde o início que o documentário consegue levar o espectador a observar todas as nuances do que um prédio desabado pode fazer na vida de alguém. Para além dos acontecimentos fatais e perdas materiais, o que resta pra quem fica? O filme nos leva a perceber, da forma mais cruel possível, a dor de uma tragédia que não terminou ali, pelo contrário, já se arrasta há 21 anos na justiça. Mas não foi o tema impunidade que faz de Palace II um retrato tão impactante da nossa realidade, embora ela gere raiva, certamente, mas impunidade a gente vê todos os dias nos jornais. Até aí nada de novo.
O que nos leva a sair com o coração na mão da sala escura de cinema e atravessar a rua refletindo com uma sensação amarga no peito é ter visto tantas vidas destroçadas pela dor e desespero. Desde o momento de felicidade e realização da compra do imóvel até a completa exaustão nos dias atuais. Foram perdidos ali muito mais do que aparelhos domésticos. Foram dissipados pela poeira os sonhos e com eles a esperança dessas pessoas. Algo muito bem retratado na cena em que os próprios moradores montam um acampamento em frente aos escombros para tentar retirar de lá algo que ainda sirva para a posteridade. Na cabeça de quem está assistindo o pensamento de como o ser humano pode apegar-se a coisas tão banais para compensar a dor da perda. E é impossível julgar desse outro lado.
O filme de Rafael Machado se preocupa com os detalhes. Note que todos os personagens vítimas da tragédia, aparecem em cenários que nos leva a pensar serem suas respectivas casas atuais. E são todas muito bonitas. Para quem não acompanhou o desenrolar da história, quase chega a acreditar que estão todos muito bem de vida. Porém, ao longo do filme, chegamos a uma conclusão: não há ressarcimento ou dinheiro que apague as memórias doídas da mente e do coração.
E ainda que a gente busque ser o menos emocionado possível dentro de uma resenha, é difícil não absorver um pouco do peso de cada um dos personagens, principalmente da médica Bárbara de Alencar Leão Martins que perdeu a filha Luísa de 12 anos no desabamento e parece consumida pela dor até hoje.
Após ser apresentado no Festival do Rio, ‘Palace II – Três quartos de frente para o mar’ terá, enfim, a visibilidade que merece. E as vítimas poderão, com sorte, mostrarem sua dor ao mundo.
Ficha Técnica:
Direção: Rafael Machado
Produção: Gabriel Correa e Castro
Direção de Produção: Elisa Petry
Coprodução: Urca Filmes, Globo Filmes, GloboNews
Roteiro: Paulo Fontenelle
Direção de Fotografia: Raul Tamayo
Montagem: Bruno Miod
Distribuição: Pagu Pictures