A escolha racional p.3
Como último aspecto da trilogia – Escolha Racional – vamos conversar como a proposta dos candidatos Lula e Bolsonaro, se encaixam no cenário global. E das barreiras e oportunidades que se apresentam, conforme o perfil ideológico e das alianças de cada candidato. Observando que não há nenhuma tentativa de convencimento de que a proposta “A” é melhor do que a “B”, ou vice-versa. Apenas explicitar o que está em jogo, para que o leitor do Diário do Rio, com sua sabedoria e maturidade possa exercer o voto consciente.
No cenário interno temos um novo congresso eleito que foi fortemente influenciado pelos apoiadores de Bolsonaro. E principalmente com uma renovação do senado que dá maioria capaz de enquadrar os ministros do STF. O ativismo judicial que se apresentou nos anos recentes, principalmente por conta da falta de freios institucionais em função da última legislatura do senado ter sido omissa, pode ser alterada de modo a se inibir os acessos de um poder sobre outros ou de abusos de alguns de seus membros que até então agiam sem pudor, conforme a visão de alguns juristas experientes. Equilibrado o jogo, em caso de vitória de Bolsonaro, é possível prever uma maior harmonia institucional que permita um diálogo mais promissor. A narrativa de que o atual presidente conspira contra a democracia vai se dissipando e um segundo mandato deve promover uma maior responsabilidade da mídia tradicional ao perceber que as metralhadoras alopradas do consórcio de imprensa não enfraqueceram o presidente.
Caso Lula seja eleito, e dada sua capacidade de articulação e o nível da elite política, não é difícil de prever que rapidamente congresso e executivo se alinhem. Será importante que a bancada seja altiva e capaz de ser barreira para alguma aventura bolivariana de alteração do normativo constitucional. Em outras ocasiões o PT já tentou implantar os comitês sociais, sistemas de controle de comunicação, censura e ministério da “verdade”, como nas distopias de George Orwell, mas presente em ditaturas latino-americanas. É fundamental que não se repitam erros anteriores, como o mensalão com mecanismos não republicanos de compra de apoio, seja pelo loteamento da máquina pública com os partidos ou de pagamento de propinas como já foi demonstrado ser prática dos governos anteriores.
Acredito que os dois candidatos contarão com um congresso cooperativo no início do mandato, quando devem ser propostas as reformas mais importantes já sugeridas, como a reforma fiscal, administrativa e ajustes do sistema político. É bom lembrar que o próximo presidente terá oportunidade de indicar novos ministros ao Supremo, e temos visto como é perigoso quando as más escolhas alçam à mais alta corte, pessoas sem a qualidade humana necessária. Temos visto alguns ministros que se submetem ao compromisso partidário e ideológico ou ao jogo mesquinho da politicagem. E as vezes o fazem, contradizendo suas próprias posições anteriormente manifestas ou em oposição ao texto constitucional e ao regramento jurídico. Em linhas gerais, qualquer que venha a ser o eleito, esperamos ter um mecanismo de acomodação das forças políticas, seja por conta da maturidade democrática ou mesmo pela flexibilidade dos atores políticos e econômicos.
No cenário internacional é que surgem as melhores oportunidades. Com a guerra da Ucrânia, as questões energéticas da Europa e tensão entre os grandes blocos do Norte, o Brasil pode se consolidar ainda mais como o grande fornecedor global do agro, commodities minerais e puxar para si o protagonismo do mercado de carbono. A liderança da agenda ambiental em harmonia com a produção agrícola e da captação de recursos da economia verde. Para tanto é fundamental desmontar as narrativas que surgem a partir da própria imprensa local, que precisa abandonar o “quanto pior, melhor” e de que somos os vilões do desmatamento. Esse jogo a equipe do PT soube fazer muito melhor do que a de Bolsonaro, já que em alguns anos bateram o recorde no desmatamento, mas posavam como os “caras”. Portanto em primeiro lugar uma comunicação segura sobre nossa soberania, divulgação dos sucessos na gestão dos recursos naturais e ser frontalmente contra qualquer interferência externa sobre nosso território, que é um ponto firme do programa de Bolsonaro. Nesse aspecto há preocupantes declarações de Lula, de que poderia dar a gestão da região amazônica ou de outras áreas de interesse às entidades internacionais através da ONU, por exemplo. Um segundo ponto é a entrada do Brasil para a OCDE. Esse é o caminho defendido pelo governo liberal, para nos tornar parceiro internacional das maiores economias em acordos inclusivos. Fortalecer e retomar o Mercosul é importante, e sempre foi uma agenda do PT, mas deve ser um esforço com visão crítica e não ideológica. A política externa conduzida pelo falecido Marco Aurélio Garcia foi um atraso para país. Na busca da construção do socialismo latino-americano via iniciativas de negócio, perdemos o foco de nos fortalecer globalmente. Lula foi um dos fundadores do Foro de São Paulo e trabalhou arduamente para difundir os ideais da revolução cubana no continente. E passados quase 70 anos, vemos que nenhuma das nações irmãs que abraçaram esse projeto, tiveram qualquer progresso real para suas populações, e inclusive há fuga de pessoas destes países e não o movimento oposto. E não obstante a propaganda e a ilusão, principalmente entre os mais jovens e sem visão crítica, é de que o modelo funciona.
Um ponto importante é o da estabilidade jurídico institucional, para atração de investimentos, especialmente com a continuidade do programa de concessões e privatizações, do atual presidente. Seria muito ruim que um novo governo petista, viesse a regredir neste setor. Com a retomada da economia mundial no pós-pandemia, os países europeus e da América do Norte, em especial do Reino Unido, estão adotando investimentos em projetos de infraestrutura sustentáveis e limpos. Há uma previsão de mais de 4 trilhões de reais em potencial de projetos e obras para os próximos anos. É uma oportunidade que não pode ser perdida por conta de um eventual governo marxista-xiita, (que é o caso da visão dos conselheiros mais próximos de Lula). Há o potencial de investimentos nos setores de energia (geração, transmissão e distribuição e refinarias de biocombustíveis), iluminação pública, saneamento, gestão de resíduos sólidos, telecomunicações, transporte urbano, portos, hidrovias e ferrovias. Só os projetos de geração de energia de baixo carbono envolveriam R$ 1 trilhão, enquanto para o transporte urbano limpo seriam necessários R$ 475 bilhões. Se as diretrizes previstas no estudo fossem seguidas, os oito setores poderiam gerar mais de 2 milhões de empregos diretos ao longo de duas décadas. (Dados Carbon Trust e BGEP/Udop)
Para concluir, podemos esperar, que qualquer que seja a escolha dos eleitores, o congresso e as forças políticas devem se alinhar em apoio às propostas que levem o país ao progresso. Acreditamos que há freios institucionais capazes de evitar aventuras antidemocráticas, que inclusive já foram ativados em períodos recentes, do impeachment de Dilma e do respeito ao jogo, nas quatro linhas do campo democrático, mesmo com o juiz apitando fora da regra. Não há um risco real e eminente de um desgoverno que exceda para extremos à esquerda ou direita. E globalmente um momento favorável para o Brasil se consolidar como uma liderança competitiva. É preciso baixar o tom e unir os esforços da classe política, empresários, líderes sociais em prol de um projeto de Brasil. Isso exige entendimento em alto nível.