Alberto Gallo: Desigualdade, fome e campanha da fraternidade, por que devemos estar atentos a estes temas?

Estudos do IBGE e da OCDE, demonstram um aumento da desigualdade no Brasil e no Mundo. Como consequência temos uma barreira ao desenvolvimento e o surgimento de um número expressivo de pessoas em condições de vulnerabilidade alimentar. Uma situação que requer atenção

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Foto: Reprodução Internet

Vivemos no Brasil uma situação preocupante no que diz respeito à desigualdade e à extrema pobreza que atinge uma faixa significativa da população.  A desigualdade social é a forma como a riqueza de uma sociedade e o acesso às oportunidades são distribuídos entre seus membros. A medida mais comum da desigualdade econômica é o índice de Gini, que varia de 0 a 1, sendo 0 a igualdade perfeita, e 1 a desigualdade máxima.

De acordo com dados do IBGE referentes ao ano de 2020, o índice Gini do Brasil foi de 0,543, ou seja, somos um país muito desigual e essa situação merece nossa atenção pelos reflexos futuros.  De acordo com dados do Relatório de Desigualdade Global de 2021, elaborado pela organização não-governamental Oxfam, a parcela mais rica de 1% da população brasileira detém cerca de 28% da riqueza do país.  Outro dado a ser observado é pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE: a pesquisa aponta que a desigualdade de renda no Brasil aumentou nos últimos anos, com a renda média dos mais ricos crescendo enquanto a renda dos mais pobres diminuiu. Essa situação do crescimento da desigualdade é muito perversa tanto para aqueles que estão em situação de insegurança social na faixa da extrema pobreza, como pelo impacto no desenvolvimento do pais a médio prazo.

A extrema pobreza é caracterizada pela situação de uma família com uma renda tão baixa, que é incapaz de suprir suas necessidades básicas, como alimentação, moradia e saúde, entre outras.  E pelos estudos recentes do IBGE, 2021, cerca de 10,3 milhões de pessoas viviam em situação de extrema pobreza no Brasil, o que representa cerca de 5% da população brasileira.  É fato que os reflexos da Covid e do terrorismo midiático e político, impactaram negativamente neste número, na medida em que se estendia o debate do “fique em casa, que a economia a gente vê depois”.  Outros números foram insistentemente difundidos, por má fé ou confusão dos atores públicos. Um ministro declarou que a 120 milhões de pessoas passam fome, a imprensa mainstream bombardeava manchetes de que eram 33 milhões enquanto que alguns bispos e religiosos, mal assessorados destacavam que 58% das famílias estava em situação de insegurança alimentar, algo acima de 140 milhões de pessoas e, portanto, irreal. Conceitualmente, na linguagem técnica, todos os números estão corretos, na medida em que atendem a metodologias de levantamento de dados; por exemplo, o estudo do IPEA, 2019, fala em 5%  da população, outros dados podem relatar até 15%.  A batalha dos números, foi usada como argumento eleitoral  e com viés ideológico para quem apoiava A ou B e muitas vezes faz parte dessas narrativas. Mas o número não é o mais importante, o que precisamos entender que é que a fome é problema urgente a ser atacado, e exige políticas imediatas e ações concretas da sociedade, para garantir o direito humano à alimentação.

E neste sentido, os cristãos católicos, no tempo da quaresma, (o período de preparação para a Páscoa), se propõe a refletir sobre as políticas e ações para combater a fome.  A Campanha da Fraternidade deste ano, se inspira no versículo de Mateus, 14.16, que diz “Dai-lhe vos mesmos de comer”. Essa passagem faz menção ao momento que uma multidão que seguia Jesus, teve fome, mas estavam num lugar deserto e não tinham como comprar alimentos. Então alguns na multidão ofereceram o que tinham, cinco pães e dois peixes e Jesus abençoou e distribuiu, alimentando toda a gente.  Essa passagem mostra além da compaixão de Jesus, também a força da solidariedade do povo.  E nesse olhar, é que os cristãos e todo o povo brasileiro deve se voltar com atenção para quem tem urgência do alimento. É preciso que a solidariedade se materialize em atitudes imediatas de partilha, daqueles que podem, especialmente dos que concentram a riqueza. Mas o combate à fome deve ir além das práticas de filantropia e de ações coletivas. Deve haver uma política pública além dos programas de distribuição de renda, tal qual o bolsa família e seus similares. 

O que podemos aprender com países como a Índia, com uma população estimada de 1 bilhão e 400 milhões de pessoas, quase sete vezes o Brasil e com uma área de aproximadamente um terço de nosso território?  É possível perceber que a capacidade produtiva de alimentos para consumo deve ser planejada, próximo aos centros de consumo e com incentivos para os alimentos que não necessitam de industrialização. É certo que nossa agricultura de grãos e produtos voltados para exportação tem alta competitividade e que a cada ano nossa safra vem superando e batendo recordes. Da mesma forma a pecuária e outros produtos voltados para o mercado externo. É preciso investir na qualificação também dos produtos da cesta básica e que possam ser produzidos próximos das populações onde será consumido. Não faz sentido o tomate ser produzido em São Paulo e ser transportado para o nordeste. Ou o arroz sair de Minas para Tocantins.  A complexidade do planejamento agrícola parece simples, mas ao estudarmos nosso território e a produção, é possível nos depararmos com certas incongruências. O planejamento da produção de alimentos, deve ser uma política pública territorial/setorial, de modo a criar incentivos, sejam fiscais ou através de financiamento, aos produtos necessários a uma cesta básica “otimizada e nutricional” para cada microrregião.  E a produção deve ser priorizada em cooperativas, ou produtores familiares, com acesso direto aos consumidores e mercados locais, tal qual sugerido pela Doutrina Social, modelo que se mostra aderente ao desenvolvimento das nações ao longo da história.  Esse formato, que funciona muito bem na Índia, deve ser adaptado ao Brasil considerando as condições e cultura de nosso povo.

A desigualdade é uma grande barreira ao desenvolvimento, na medida em que reduz oportunidades de qualificação e educação, e na formação dos jovens, o que resulta em mão de obra mal remunerada e baixa competitividade para indústria. Esse ciclo perverso aumenta a  pobreza. Um dos reflexos desta situação é instabilidade social, perda de confiança e degradação do sistema democrático.

É oportuno investirmos, como nação em práticas de inclusão e qualificação de pessoas, políticas de transferências de renda. Também o  combate à inflação, que atinge principalmente os mais pobres. O estado deve ser enxuto e eficiente, assim como administração pública. Os atores políticos, precisam demonstrar o recato público para com os recursos dos pagadores de impostos. Alguns autores propõe a taxação de impostos sobre os mais ricos como forma de transferir renda. Mas só um estado moralmente digno, pode mobilizar um esforço de transferência de renda, pois a história demonstra que alguns governantes usam dos recursos públicos para se alçarem no topo da pirâmide econômica, já que trabalham para sua própria riqueza.   No livro de George Orwell,  “A revolução dos bichos” há uma crítica aos políticos que se lançam em reforma pelos mais oprimidos da sociedade, mas que em pouco tempo se confundem com os opressores a quem pretendiam combater.

Finalmente, que possamos usar de nossa solidariedade em ações imediatas para aqueles que tem a urgência da fome. Estar atento ao desafio proposto para a reflexão desta quaresma de dar de comer, nós mesmos,  a quem necessita.

E que possamos usar de nossa competência como sociedade para desenvolver políticas públicas mais eficientes para produção de alimentos a custos acessíveis e principalmente para reduzirmos a desigualdade social. Nosso Brasil tem tudo para ser uma grande nação, mas só alcançaremos esse patamar com a integridade de políticas que visem o bem comum e não o bem dos amigos comuns.

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