Quarta-feira de cinzas. Todos viemos do pó e ao pó voltaremos. Dizia o astrônomo pop Carl Sagan que somos resíduo do pó das estrelas, e recentes pesquisas demonstram estar correto, que os átomos que compõe a terra e nosso sistema solar são resultados de expansão inicial do universo nas estrelas primordiais e das nebulosas gasosas, da fusão nuclear intensa que gerou os metais mais pesados. É como diz a igreja que propõe que toda matéria é como as cinzas, que celebramos no primeiro dia do tempo de quaresma, 02 de março.
Em Recife há um frevo conhecido: “Oh quarta feira ingrata, chega tão depressa, pra contrariar”. A quarta-feira de cinzas, não vem para acabar com a alegria do carnaval, mas sim abrir um caminho de travessia para uma alegria muito maior.
O tempo do carnaval, “a festa da carne”, propõe a celebração da vida, das cores e música. Deveria ser assim com danças, boa comida e bebida e celebrações, 0 um festival de humanidades. Infelizmente os excessos e hedonismo do mundo acabam por desvirtuar. O que era para ser bom, pode no limite da esbórnia virar algo boçal de violência, bebedeiras e drogas, que afastam as pessoas da realidade. Podem acontecer abusos, perda de consciência e a degradação do indivíduo.
Esses excessos são tristes, pois sabemos que a longo prazo não conduzem a pessoa para um patamar de mais felicidade; ao contrário, estudos demonstram que as pessoas com vida desregrada tendem a depressão, afastamento social e limitação econômica. Objetivo aqui não é de condenar o carnaval, ao contrário, é uma festa que pode ser sadia e vivida com juízo. Como tempo de alegria, de reunião de amigos para brindar a vida, as liberdades, saúde e vitórias. Deve ser uma festa de cores múltiplas, para então chegada a quarta feira, marcarmos o contraponto do tom cinza.
Antes o tempo do “carne vale” e das coisas do mundo material. Depois, o tempo de quaresma que se inicia por quarenta dias e que vai culminar na Pascoa. É um tempo que os cristãos celebram duas dimensões: a) cultivo da vida espiritual e b) a caminhada comunitária.
Não é um tempo apenas dos cristãos, mas especialmente nesses tempos de pandemia e dos conflitos entre nações, é um tempo para todos os povos se incluírem nesse convite de Paz. Pascoa é um chamado a todo povo, para avançar nessa quaresma buscando a verdadeira alegria, como diz Francisco: “alegria não é viver de risada em risada, num mundo de piadas e divertimentos. A verdadeira alegria é ter o sentido da vida em servir”. Então é bom viver o tempo das cores, que termina na quarta-feira de cinzas, para então iniciar essa trilha do conhecimento interior. Aproveitar o tempo do recolhimento e cuidar dos valores que nos tornam mais humanos, da contemplação da força do Divino que se manifesta na vida. É um tempo de oração e penitência, que basicamente são imposições de limites nos desejos e vontades. São exercícios de disciplina que nos fortalecem nos impulsos, como o jejum ou a privação de algo que nos escraviza. O tempo da quaresma é o cultivo do recolhimento, mas se consuma no segundo aspecto que é da caridade.
A caridade que basicamente é cuidar das pessoas, especialmente dos que necessitam de apoio material e de nosso tempo.
A quarta-feira de cinzas, nos mostra que somos poeira de estrelas, mas com um brilho divino no coração. Somos todos da mesma cor. Não há divisões entre brancos e pretos, entre vermelhos, marrons e amarelos. Não somos diferentes se nascemos homens ou mulheres, se somos jovens ou velhos, ou por nossa etnia e cultura. Todos voltaremos às cinzas.
Portanto é tempo de humildade, de nos reconhecermos iguais e trabalharmos por um mundo de Paz. Que possamos aproveitar a beleza das quaresmeiras que são as belas árvores roxas que brotam em flor, na paisagem do Brasil. E nos lembrar que as cores e flores, tudo passa, tudo volta ao cinza, mas na pascoa ressurgem na luz do Redentor.