Antônio Sá: Prefeitura do Rio – bondade com os banqueiros e perversidade com os funcionários 

O colunista do DIÁRIO DO RIO comenta sobre a aprovação de um Projeto de Lei que afetará funcionários municipais

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Câmara Municipal do Rio de Janeiro - Foto: Divulgação

No dia 31 de agosto, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro – CMRJ aprovou, em votação simbólica (“os senhores vereadores que aprovam permaneçam como estão.”), em primeira discussão, o Projeto de Lei – PL nº 2085/2023, de autoria do senhor Prefeito, que aumenta o limite da margem consignável dos servidores públicos ativos, aposentados, pensionistas e empregados públicos de 55% para 60% (!!!!!!!) da remuneração bruta mensal.

Essa votação teve o pedido de registro de cinco abstenções. Foram as da Vereadora Luciana Boiteux, da Vereadora Monica Cunha, da Vereadora Monica Benicio, do Vereador Dr. Marcos Paulo e do Vereador William Siri. Mas não teve o pedido de registro de nenhum voto contrário.

Essa aprovação em primeira discussão e a já certa aprovação desse PL em segunda e última discussão nos próximos dias já é algo esperado, pois a base de apoio do  Prefeito na CMRJ é grande. 

Basta acompanhar o Diário Oficial do Município, para ver que o senhor Prefeito tem utilizado a estrutura da Prefeitura, até criando novas Secretarias por Decreto e não por Lei, para montar sua base de apoio político.

Vale ressaltar que, ao contrário do que ocorre no governo Federal, que também cria novos Ministérios, por Medida Provisória/PL e não por Decreto, diga-se de passagem, as mudanças de estrutura no nosso Município, não visam principalmente à busca de governabilidade, tendo em vista o sistema de presidencialismo de coalizão existente em nosso país.

Pelo que se lê nas análises políticas, as mudanças de estrutura por decretos na Prefeitura visam mais a conseguir apoios políticos/partidários para a reeleição do Prefeito e, dois anos depois, para sua eleição para governador. Ele só pensa naquilo..

É bom lembrar que a criação e a extinção de Secretarias por Decretos do senhor Prefeito, seja por motivos técnicos ou políticos, seria, salvo melhor juízo, inconstitucional, como já comentei em três artigos publicados neste Diário do Rio. Eles são os seguintes: https://diariodorio.com/antonio-sa-ministerio-publico-dois-pesos-e-duas-medidas/ , https://diariodorio.com/antonio-sa-ue-na-prefeitura-do-rio-de-janeiro-pode/ e https://diariodorio.com/antonio-sa-resposta-do-tjrj-ao-questionamento-ue-na-prefeitura-do-rio-de-janeiro-pode/ .

Mas, voltando ao aumento da margem consignável dos servidores, informo que, na justificativa do PL em apreço, o  senhor Prefeito apresenta o único e singelo argumento de que o objetivo do PL é possibilitar aos servidores públicos a contratação de empréstimos com maiores valores e menores taxas de juros. Fala sério. 

Isso é inacreditável, pois, o senhor Prefeito, perversamente, prefere estimular o superendividamento dos servidores (os bancos agradecem) em vez de conceder uma revisão salarial com índices corretos de inflação.

Lembro que a revisão salarial dos servidores concedida pelo senhor Prefeito em dezembro do ano passado foi realizada utilizando-se o ridículo, irrisório e desrespeitoso índice de  5,25 %, quando o índice correto a ser aplicado deveria ter sido de de 25,74 %, que correspondia ao índice de inflação de fevereiro de 2019 a novembro de 2022, segundo o IPCA (IBGE). 

Ou seja, a proposta do senhor Prefeito para a “valorização” dos servidores é arrocho salarial conjugado com superendividamento destes. Sobre a não valorização na prática dos servidores da Prefeitura, leia neste Diário do Rio o seguinte artigo https://diariodorio.com/antonio-sa-epa-epa-epa-nao-e-bem-assim-senhor-prefeito/amp/

A Lei Federal nº 14.181/2021 conceitua o superendividamento como impossibilidade manifesta do consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.

Temos visto diversos funcionários municipais já nessa situação de superendividamento, em razão de grande comprometimento de suas rendas com empréstimos bancários, impedindo que sejam atendidas as suas necessidades básicas. 

Conforme o levantamento feito pelo Serasa, em 2023 o número de superendividados bateu os recordes. Só em janeiro, o país registrou 70 milhões de pessoas endividadas, o que preocupa especialistas, pois configura um retrocesso em relação aos últimos 5 anos.

 Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer. em junho deste ano, atingiu 78,5 % das famílias no país e as que se consideram muito endividadas são 18,5 % desse total. 

Por muitas vezes, os servidores públicos, sem revisão salarial correta, como a praticada pelo Prefeito, têm suas remunerações corroídas pela inflação e, assim, como grande parte da população, veem-se em situações de extrema dificuldade financeira e, por tal razão, acabam contraindo empréstimos facilitados junto as instituições financeiras, que comprometem parte de seu rendimento mensal.

Assim sendo, eles acabam contraindo inúmeras dívidas junto às instituições financeiras tendo grande parte de suas remunerações retidas “já antes de cair em sua conta” e, para garantir sua subsistência e de sua família, o servidor força-se a contrair novos empréstimos para tapar os buracos que vão sendo criados pela falta de parte, ou em algumas vezes da integralidade, de seus vencimentos, causando, assim, o que denominamos de o “labirinto sem fim do superendividamento”.

Preocupada com o perigo para os servidores municipais que o PL em análise de autoria do Prefeito ocasionará,  a Defensoria Pública do Rio de Janeiro – DPRJ elaborou e encaminhou aos Vereadores a NOTA TÉCNICA COCIV/NUDECON nº  01/2023, apresentando diversos argumentos que desaconselham a aprovação daquele PL. No entanto, com a aprovação do PL em primeira discussão, fica parecendo que os vereadores jogaram na lata de lixo aquela Nota Técnica. 

Nela, a DPRJ nos informa o seguinte:

“É importante destacar ainda que o percentual do Município do Rio de Janeiro já é extremamente alto, sobretudo se comparado aos limites vigentes em âmbito Estadual e Federal. A título de exemplo, tem-se os seguintes limites, todos fixados por lei:

  1. Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS – Limite de 30 % para empréstimo consignado, 5 % para cartão de crédito consignado ou cartão consignado de benefício 

Total 35% – Lei nº 14.601/2023.

  1. Aposentados/Pensionistas do INSS – Limite de 35 % para empréstimos consignado, 5 % para cartão de crédito consignado e 5 % para cartão consignado de benefício 

Total 45 % – Lei nº 14.431/2022.

  1. Servidores Públicos Federais – Limite de 40 % para empréstimos consignado, 5 % para cartão de crédito consignado 

Total 45 % – Lei nº  14.509/2022.

  1.  Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ativos e inativos)-  Limite de 40 % para empréstimos consignado, 5 % para cartão de crédito consignado  

Total 45 % – Lei nº 9501/2021, prorrogada pela Lei nº 9766/2022.

  1. Servidores Públicos do Município do Rio de Janeiro (ativos e inativos) 

Limite de 55 % – Lei nº 7107/2021.

Verifica-se, portanto, que, se há necessidade de alteração da margem consignável dos servidores Municipais, a alteração deveria conduzir a sua diminuição e a busca pela preservação de verba necessária e suficiente para a subsistência das famílias. O limite atual já supera em 5 % (cinco por cento) a metade dos rendimentos mensais brutos, o que impede o acesso ao mínimo existencial por que, eventualmente, utilizem a totalidade da margem consignável.

Cumpre ainda apontar que recentemente (há pouco menos de 2 anos) o próprio Município promoveu o aumento considerável da sua margem consignada para 55 % através da Lei nº 7.107 de 04.11.2021, sem que isso surtisse o efeito de redução do grau de endividamento dos servidores. Não se mostra adequado, agora, nova elevação sem qualquer fundamento novo que o justifique, sob o risco de apenas agravarem-se os mesmos problemas.”

Vale destacar que a Lei municipal citada acima passou o  limite da margem consignável de 30 % para  55 % da renda bruta mensal. E essa maldade foi de iniciativa do atual Prefeito no início deste governo.

O senhor Prefeito sofisma ao dizer, na justificativa do PL, que, com ele, se conseguirá juros baixos para os consignados.

Ora, o valor dos juros mais  baixo não é fruto da bondade de dirigentes públicos ou, muito menos,  dos bancos. 

O valor dos juros depende de uma análise econômica. As taxas de juros podem variar de acordo com o perfil do tomador de crédito, sendo menos elevadas para pessoas com garantia de não perder o emprego e que tenham o valor juros já descontado em seus contracheques. Ou seja, os servidores públicos.

Daí, o interesse dos bancos nos consignados e no aumento das margem consignável dos funcionários. Interesse esse apoiado pelo senhor Prefeito no PL em tela.

Com esses empréstimos ganham também os governos que não fazem a revisão salarial correta da remuneração dos servidores, como é o caso da Prefeitura do Rio, pois os servidores acabam suprindo a perda inflacionária de suas remunerações contratando empréstimos, um atrás do outro, para sobreviverem. 

Daí, a motivação de nosso governo para o PL em comento

Por fim, reforçando os argumentos acima, para se entender a falácia do senhor Prefeito, na justificativa do PL, ao tratar do aumento do acesso ao crédito como um “benefício” concedido por ele aos servidores, recomendo ler os excertos abaixo do artigo  “O “CRÉDITO CONSIGNADO” E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS – Parecer n° 03/07-SAF, de autoria do competente Procurador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Sérgio Antônio Ferrari Filho, cuja íntegra pode ser consultada em https://www.academia.edu/37218392/O_Crédito_Consignado_e_seus_Aspectos_Jurídicos_2007_  :

“Quatro pontos merecem referência.

O primeiro deles está relacionado exatamente a esse questionamento sobre o caráter de “benefício. Em geral, o oferecimento do “crédito consignado é anunciado como algo benéfico, como um “favor” do Poder Público para o servidor. Trata-se de grave equívoco. 

Sob o ponto de vista das finanças pessoais, o crédito significa, a médio e longo prazo, um aumento progressivo da participação dos juros na despesa, com uma consequente diminuição do poder de compra do salário. Em geral, com o refinanciamento, essa situação se agrava, levando a uma significativa diminuição da renda pessoal líquida (após o desconto dos juros).

O segundo ponto é exatamente a repercussão econômica do primeiro: o crédito só traz benefícios para a atividade econômica quando utilizado para investimentos (atividades produtivas), ou aquisição de bens duráveis (que impulsionam, também, a atividade produtiva). O crédito para financiamento do consumo equivale a uma “poupança negativa”. 

Seus efeitos, a médio e longo prazo, são negativos, tanto para o servidor, individualmente considerado, quanto para a economia do País. 

Dada a dimensão que o “crédito consignado” tomou no Brasil, oportuno seria um estudo econométrico – não muito difícil – de quanto foi retirado do consumo e da poupança em favor do pagamento de juros.

O terceiro ponto é a repercussão social do primeiro, já noticiado aqui e ali pela Imprensa. É cada vez mais comum, especialmente entre idosos, a situação do chamado “superendividamento”, em que uma pessoa assume tantos compromissos de empréstimos que o valor das prestações supera a própria receita, levando a um estado de verdadeira insolvência pessoal. 

O aumento do número de pessoas em tal situação cria uma pressão sobre as famílias e os órgãos públicos (especialmente de saúde e previdência social), com consequências socialmente negativas.

Por fim, o quarto ponto é relativo exatamente à participação do Estado. Embora tais convênios sejam ditos gratuitos, geram despesas para o Poder Público, que mobiliza recursos humanos e materiais para a rotina de desconto das prestações e repasse do valor aos bancos. 

Essa rotina inclui modificações nos sistemas informatizados das folhas de pagamento, geração de documentos e lançamentos contábeis, mobilização de pessoal e, também, o controle de todas estas operações. 

A que título o Estado assume essa despesa ? Qual o interesse público perseguido nessas operações ? No fundo, a atividade de “consignação” do empréstimo, total ou quase totalmente custeada pelo Poder Público, substitui a atividade de “cobrança” do banco, que, nada gastando para cobrar, tem um significativo aumento na margem de lucro com a operação de empréstimo.”

Concluindo, percebemos que, com a aprovação nos próximos dias do PL nº 2085/2023, o senhor Prefeito e os senhores Vereadores estarão beneficiando os banqueiros e não os servidores públicos.

Antônio Sá

Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex- Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro Bacharel em Direito e Economia.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Sim, Fernanda, nem todos conhecem essa faceta perversa dos consignados.

    Sim, os bancos os adoram, pois não têm custos nesse serviço e têm uma clientela de quem podem pegar os juros e o principal direto no contracheque antes até de o servidor ter acesso a sua remuneração.

    Você está certa. O que valoriza o servidor é conceder revisão salarial correta e não estimular o superendividamento dele.

    Que bom saber que a matéria foi de seu agrado.

    Sempre a sua disposição.

    Um abraço. Antônio Sá

  2. Caramba, eu nunca tinha pensado por esse lado de que está é agradando aos bancos.
    Se buscar doador de campanha, deve achar um banqueiro. Tipo a doadora do Lula, que é a herdeira do Itaú.
    E realmente o salário deveria aumentar, e não a margem. É isso aí mesmo.
    Não sou servidora, mas concordo com essa reportagem, e faço questão de compartilhar.

  3. Mais um grande erro do prefeito. Os servidores não querem aumentar as suas dívidas. Todos eles desejam salários dignos. Para tanto, a Prefeitura tem que zerar a defasaflgem salarial pela não reposição das perdas pela inflação.

    • Perfeita observação, Nelson. Para valorizar o servidor, não existe outro caminho para o Prefeito que não o da reposição das perdas inflacionárias da remuneração dos funcionários públicos do município. O resto é discurso bonitinho dele para ele postar no Tik Tok. Um abraço. Antônio Sá

  4. Meu comentário, é dizer que o atual prefeito, não vale a comida que come e que nós funcionários, não temos o que fazer, e sim esperar uma ajuda divina!!!!!!.

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