Diversos funcionários da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro estavam profundamente preocupados nos últimos dias, com suas mentes em turbilhão, porque estava previsto que no dia 28/8 ocorreria no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, o tão aguardado julgamento virtual da Ação por Inconstitucionalidade contra a Lei Complementar – LC municipal que manteve, em nosso Município, para alguns servidores, a contagem de tempo para a incorporação. Isso ocorreu após a Emenda Constitucional nº 103/2019 ter determinado o fim do instituto de incorporação no serviço público de todas as esferas de governo em nosso país.
Informo, no entanto, que o Desembargador Relator da ação em questão proferiu, em 25/8, às 16:31 h, o seguinte “DESPACHO: Retire-se de pauta. Após, retornem à conclusão.”
Sendo assim, o julgamento virtual da ação em referência não ocorrerá mais em 28/8, como previamente planejado.
Consequentemente, será necessário aguardar que o Desembargador Relator solicite a reprogramação da inclusão dessa ação na pauta de julgamentos do Órgão Especial do TJRJ.
Vale ressaltar que em 21/7, recebemos o parecer do Ministério Público – MP relativo a essa ação e ele indicou que a LC em questão seja considerada inconstitucional.
O MP esclareceu que a Representação em questão merece atenção, considerando que a Lei Complementar nº 212, de 2019, ao permitir a incorporação aos servidores que ocupam cargo em comissão, emprego de confiança ou função gratificada, à época da promulgação da norma, bem como a revisão de valores já incorporados a este título, desrespeita os princípios da Administração Pública e viola os artigos 6°, 9°, §1° e 3°, 77, caput, incisos XV e XVI da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, além dos artigos 37, caput, e 40, parágrafo 2°, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n° 20/1998, da Constituição Federal.
O MP também afirmou que isso infringe o regime de incorporação de verbas de cargo em comissão ou cargos assemelhados e viola os princípios da Administração Pública.
O Art. 39, §9º, incluído no texto da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 103/2019, que não revoga a legislação impugnada, conforme o disposto no art. 4º, §9º, da mesma Emenda, não serve como parâmetro para a ação em análise, mas fortalece o propósito do legislador constitucional derivado e o posicionamento jurisprudencial já estabelecido que proíbe a incorporação de verbas transitórias ou vinculadas ao exercício de funções de confiança ou cargos em comissão à remuneração do cargo efetivo.
Finalmente, além das inconstitucionalidades materiais mencionadas acima, a LC também apresenta inconstitucionalidades formais.
Isso porque, com a chegada da Emenda Constitucional nº 95/2016, que instituiu o novo regime fiscal, a exigência da estimativa do impacto orçamentário e financeiro foi elevada ao status de norma constitucional.
Dessa forma, o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT determina:
“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.”
É interessante observar que um dos fundamentos do MP contra a LC que manteve a incorporação no Município foi exatamente o artigo 113 do ADCT.
Quem acompanha minhas críticas a vários Projetos de Lei – PLs dos Poderes Executivo e Legislativo sobre benefícios fiscais sancionados pelo Prefeito (veja, por exemplo, o caso da isenção de IPTU somente para clubes sociais portugueses) sabe muito bem que eu venho alertando que esses PLs não foram acompanhados PREVIAMENTE da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. E, assim sendo, seriam inconstitucionais.
Entretanto, apesar de violarem aquele artigo 113 de forma grave, aqueles PLs receberam pareceres de constitucionalidade da Comissão de Justiça e Redação; foram aprovados pelo Plenário da CMRJ; e receberam a aprovação do Prefeito…
Agora, com o adiamento do julgamento acima mencionado, cabe aos servidores municipais interessados aguardar a nova data do julgamento, esperar a decisão do Órgão Especial do TJRJ sobre a Representação por Inconstitucionalidade em questão e, se confirmada a inconstitucionalidade, compreender qual será a modulação dos efeitos dessa decisão.
As possibilidades de modulação são diversas:
1) Quem incorporou após a EC nº 103/2919 não receberá mais a incorporação, mas não será obrigado a devolver o que já recebeu até o momento da decisão, pois fez isso de boa-fé;
2) Quem incorporou antes da decisão judicial e depois da EC poderá continuar recebendo a incorporação;
3) Quem ainda não incorporou não poderá mais fazê-lo, já que não existe direito adquirido para algo inconstitucional;
4) Também existe a possibilidade de o TJRJ adotar a mesma interpretação da CMRJ para seus servidores, que permitiu que todos que tivessem direito à incorporação proporcional na data da EC pudessem usufruir dela com base nessa data ou, no caso da decisão judicial que será emitida, com base nessa decisão.
Ou seja, há várias opções de modulação.
É importante lembrar que há uma remota possibilidade de o TJRJ considerar a lei municipal constitucional. Se isso acontecer, as incorporações pelos servidores de acordo com a LC questionada podem continuar a ser realizadas.
Vale recordar que minha recomendação na época foi para que as pessoas incorporassem proporcionalmente antes da EC e fossem novamente nomeadas na data da lei municipal, pois já garantiriam a proporcionalidade e poderiam eventualmente se beneficiar mais com a lei municipal, caso esta fosse considerada constitucional.
Por fim, informo que, devido ao grande número de professores na Secretaria Municipal de Educação que estão pedindo ou pensando em solicitar a incorporação proporcional, tivemos o protocolo, em 24/08/2023, de uma petição do SINDICATO ESTADUAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – SEPE/RJ. Eles solicitaram:
“i) Sua inclusão no processo, no estágio em que se encontra, como amicus curiae; (ii) O não recebimento da ação e a extinção do processo sem julgamento de mérito, seja porque o Autor tenta exercer o controle de constitucionalidade concentrado a partir da Constituição Federal, portanto, a partir de uma norma que esta Corte não pode alcançar, seja porque a norma contestada é anterior à promulgação da suposta norma constitucional violada, situação não compatível com o procedimento processual da ADI; (iii) No mérito, o não atendimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 212, de 08 de outubro de 2019, já que o acordo local – operado em conjunto pelo executivo e pelo legislativo – que expande os direitos além do limite mínimo previsto na Constituição Federal não viola a organização constitucional, mas sim expressa a autonomia federativa do ente público; (iv) Por último, se a inconstitucionalidade das regras questionadas for declarada, que o efeito atribuído à decisão seja ex nunc, mantendo os servidores que, até a data da decisão, cumpriram os requisitos legais para o exercício dos direitos adquiridos.”
Além disso, informo que, em 25/8, recebemos um novo pedido de inclusão de um novo Amicus Curiae no processo.
Trata-se da ASSOCIAÇÃO SOLIDÁRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DA PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – ASSOLIDÁRIA.
Em seu pedido, eles solicitam essencialmente o mesmo que o SEPE solicitou, conforme mencionei anteriormente:
“Assim, nos termos do artigo 103, § 3º da Constituição Federal, a ASSOCIAÇÃO SOLIDÁRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DA PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – ASSOLIDÁRIA solicita sua inclusão como amicus curiae no processo e, finalmente, a aceitação das preliminares com a extinção do processo sem resolução de mérito. No mérito, a improcedência do pedido com o reconhecimento da constitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 212, de 08 de outubro de 2019, e subsidiariamente, se considerada inconstitucional, que os efeitos da decisão sejam modulados com o atribuição do efeito ex nunc, aceitando esta manifestação como MEMORIAIS ao julgamento virtual.”
Antônio Sá: Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex- Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro Bacharel em Direito e Economia.