Pela vontade de 115.023 eleitores(as) do Rio de Janeiro, retornei a Brasília para exercer mandato de deputado federal.
Quando falamos Brasília, é preciso identificar: uma é a Brasília do povo, das gentes (e aí há diferenças entre quem vive no Plano Piloto, mais bem cuidado, e no entorno, com tantas precariedades). Outra é a dos Poderes (Legislativo, Judiciário, Executivo) – dos palácios, da Esplanada.
No Congresso, que conheço melhor, persiste a distância entre o querer sentido da população e os discursos e projetos de muitas Excelências. Deu para notar isso nessa primeira semana de sessões de votação na Câmara dos Deputados.
Nesse meu regresso, percebi que o tom das falas está muito mais agressivo do que era até 2018, quando encerrei o mandato anterior. Hoje, há uma extrema direita armamentista e golpista bem barulhenta. As ”narrativas” falsas, as fakes news e a irracionalidade sobem com frequência à tribuna.
”O passado não conhece o seu lugar: ele teima em aparecer no presente”, disse o poeta Mário Quintana (1906-1994). A falsidade e a omissão seguem em alta na capital da República.
É o caso, por exemplo, de uma das principais responsáveis pela tragédia Yanomami, a senadora da República Damares Alves (o PSOL representou contra ela no Conselho de Ética da Casa). A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), no ano passado, recebeu 36 alertas sobre a situação crítica na terra indígena e nada fez.
Já o governador afastado do DF, Ibaneis Rocha, escreveu ao presidente do Senado Rodrigo Pacheco, e à presidente do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, dizendo que tinha colocado “todas as forças de segurança nas ruas” no dia da Intentona Golpista. Por ”todas as forças” entenda-se 311 policiais (sendo 179 recém-formados). Disse ainda que havia o setor de Inteligência ”informando” que estava tudo sob controle, “situação tranquila”… Dessa subestimação da força do arreganho golpista ao estranho pedido de ajuda do Exército – felizmente recusado por Lula – foi um pulo. Incompetência ou cumplicidade, Ibaneis?
Quando subi à tribuna para defender minha candidatura à presidência da Câmara, fui vaiado por um pequeno grupo de parlamentares quando denunciei que nenhum dos meus adversários tinha mencionado as depredações e os roubos do 8 de janeiro. Arthur Lira, por exemplo, só o fez depois de eleito. Certamente não queriam se indispor com os extremistas bolsonaristas truculentos e perder uns votinhos.
Ficou claro que, no Parlamento, há quem defenda sua destruição e seu fechamento! É patética a escalada da ”antipolítica”, que é a política neofascista.
O horror e a mortandade causada pelos terremotos recentes na Turquia e na Síria ficaram esquecidos, como se não nos afetasse e não precisássemos fazer parte da urgente solidariedade internacional. Foram raríssimas as menções, na tribuna, à tragédia que já matou mais de 22 mil pessoas.
O fato mais relevante da semana não veio dos parlamentares: o Sindicato dos Servidores do Legislativo (Sindlegis) e representantes de outras categorias do funcionalismo público promoveram, no Salão Negro do Congresso, um belíssimo ato em defesa da Democracia, para lembrar (e repudiar) os ataques de 8 de janeiro, um mês após a sua ocorrência.
Poucos deputados e senadores compareceram, mas a exigência de apuração, processo, condenação e prisão dos criminosos, civis ou militares, ecoou no Salão Negro.
No caminho inverso dos golpistas, os manifestantes democráticos foram até o gramado em frente à Praça dos Três Poderes e estenderam uma enorme faixa que pedia um Brasil civilizado e justo – e uma República cidadã. Já passou da hora!
Chico Alencar é professor de História, escritor e deputado federal (PSOL/RJ)