Degradação da Mata Atlântica pela agricultura chega a 93% em áreas do Norte e Noroeste do estado do Rio

A análise revelou que a Mata Atlântica traz um histórico de degradação em toda a área estudada, com a cobertura florestal reduzida para 13,16% da área original até 1985. Região sofre com períodos de secas e fortes chuvas

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FOTO: CARINA RUFINO / EMBRAPA

Um estudo da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), publicado na segunda (22/04) na revista científica “Ambiente & Sociedade”, mostra que a perda da cobertura vegetal na Mata Atlântica no norte e noroeste do estado do Rio de Janeiro (RJ), ao longo de 35 anos, criou áreas isoladas de floresta que põem em risco a biodiversidade local. A área mais degradada teve uma redução de 93% de sua cobertura original até 1985, afetada, principalmente, pela agricultura e a pastagem.

A pesquisa examinou dados sobre a vegetação original e as transformações ocorridas entre 1985 e 2020 nas regiões norte e noroeste da Mata Atlântica fluminense. Os pesquisadores identificaram diferentes tipos de formações florestais da região, a partir de categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e analisaram as tendências de ganho e perda de cobertura florestal e suas possíveis causas ao longo do tempo.

A análise revelou que a Mata Atlântica traz um histórico de degradação em toda a área estudada, com a cobertura florestal reduzida para 13,16% da área original até 1985. Um dos principais impactos dessa diminuição é a fragmentação da floresta, ou seja, a sua divisão em pequenas áreas verdes isoladas, segundo explica Patrícia Marques, pesquisadora da UENF.

“Em uma floresta fragmentada, muitos animais ficam impossibilitados de transitar por áreas abertas. Até mesmo a dispersão de plantas é afetada, pois muitas delas dependem de animais para levar suas sementes para outras áreas”, observa. A pesquisadora ressalta, ainda, que a fragmentação pode causar alterações climáticas e eventos de extinção local, especialmente para espécies com distribuição restrita.

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Embora a perda de vegetação afete toda a área estudada, o trabalho sugere que ela não é uniforme. A Floresta Estacional Semidecidual de Baixada foi a região mais afetada pelas mudanças no uso da terra, com redução de 93% de sua cobertura vegetal até 1985 e mantendo apenas 3% de sua vegetação original em 2020. Segundo o artigo, esse tipo de formação é dominado por áreas de regeneração efêmera – onde o processo de renovação natural começa, mas é interrompido por ciclos subsequentes de desmatamento.

A fisionomia florestal Floresta Ombrófila Densa Alto Montana foi a menos afetada pelas mudanças até 2020, com 88% de sua cobertura original remanescente. No entanto, Marques alerta que esse cenário pode estar prestes a mudar. “Mais recentemente, a perda de floresta nestas áreas está se intensificando devido ao crescimento urbano”. Ela também destaca que a ocupação irregular de encostas e topos de morros na região, associada aos deslizamentos de terra provocados pelas fortes chuvas, tem colaborado para perdas de vegetação, além de bens materiais e vidas humanas.

Segundo dados oficiais, o Rio de Janeiro é um dos estados com maior cobertura percentual relativa de Mata Atlântica. Os remanescentes da floresta cobriam 29,9% do seu território em 2018. Atualmente, menos de 8% da vegetação do noroeste e norte do estado está em áreas incluídas em alguma categoria de proteção prevista pela legislação. No entanto, mesmo nesses locais, o estudo identificou uma perda de 16% da vegetação em 35 anos.

De acordo com o artigo, é crucial estabelecer políticas públicas para proteger a vegetação que resta e recuperar a que foi perdida. “Isso envolve proteger os remanescentes de floresta primária por meio de unidades de conservação, incentivar a regeneração em áreas de floresta secundária e promover a restauração de áreas degradadas”, conclui Marques.

Região vem sofrendo com secas e fortes chuvas

Seca da Lagoa do Campelo no ano de 2015 Foto Cesar Ferreira 1 696x462 1 Degradação da Mata Atlântica pela agricultura chega a 93% em áreas do Norte e Noroeste do estado do Rio
Seca da Lagoa do Campelo no ano de 2015 – Foto César Ferreira

Nos últimos anos, as regiões Norte e Noroeste do estado vêm sendo castigadas por fortes secas. Especialistas pontuam que a área pode até se tornar semiárida devido à falta de chuvas. No entanto, as consequências da crise climática no Rio de Janeiro, mostradas nesta série de matérias sobre crise climática feita pelo DIÁRIO DO RIO, são tão intensas que, em determinados períodos, esta parte do território fluminense sofre com fortes chuvas e os estragos que ficam.

As mudanças climáticas ocorridas nas Regiões Norte e Noroeste do estado do Rio de Janeiro vêm impondo índices de aridez cada vez mais altos e de precipitação de chuvas cada vez mais baixos, ameaçando colheitas inteiras e obrigando os pecuaristas a vender seus bois,  ainda magros, para outros estados do país. Só para se ter uma ideia, a estiagem de 2017 gerou um prejuízo de R$ 70 milhões para municípios das regiões e a perda de 20 mil cabeças de gado, além de um grave comprometimento de fornecimento de água para a população local. No rio Paraíba do Sul, o nível da água, por longos períodos, cai para 4,40 metros, bem abaixo da cota mínima, de 5,20.

Estas alterações climáticas não são recentes. Estudos de especialistas no tema mostram que o Norte e Noroeste Fluminense vêm ficando cada vez mais quentes e secos ano após ano, com base em séries históricas de oito décadas. Um desses pesquisadores é José Carlos Mendonça, doutor em Produção Vegetal da Uenf. Ele faz uma alerta para produtores rurais, ambientalistas e moradores: o clima dessa grande faixa no cimo do estado do Rio mudará de subúmido seco para semiárido em dez a 15 anos, caso não sejam adotadas políticas públicas que impactem na forma de uso do solo e em outras ações sustentáveis. Na prática, muitos meses nessas cidades já são registrados como semiárido e, em alguns casos, as próprias médias de anos inteiros. Segundo dados da Coordenadoria de Defesa Civil de Campos, por exemplo, choveu no município 778,2 mm em 2016 e 774 mm em 2017, abaixo dos 800 mm estabelecidos como limite para se enquadrar como semiárido.

“Isso tudo é resultado, em grande parte, das mudanças do uso do solo e o aumento da emissão de gases, que estão alterando os grandes reguladores do clima. Como começamos a reverter isso? Numa escala maior, estão as ações que precisam ser tomadas pelos nossos políticos; num nível local, são necessárias iniciativas como recuperação de nascentes, reflorestamento de áreas devastadas etc”, defende o professor.

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