Demolição do Solar do Visconde na rua dos Inválidos continua, apesar de embargo

Apenas o presidente Bolsonaro poderia autorizar a demolição do Palacete São Lourenço, segundo o Ministério Público Federal, que exige multa diária de 100 mil reais por dia caso o desmonte ilegal continue. O Palacete do Século XVIII teria sido destombado de forma irregular, e já teria sido até vendido.

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Mesmo após o embargo da obra, o repúdio de todo o meio cultural, e ação do Ministério Público Federal determinando multa DIÁRIA de 100.000 reais, a demolição segue, como se nada tivesse acontecido.

Grande repercussão teve a matéria publicada pelo DIÁRIO denunciando o inexplicável destombamento de um dos mais importantes palacetes coloniais remanescentes no Rio, a antiga residência do Visconde de São Lourenço, na esquina da rua do Riachuelo com a rua dos Inválidos. Datando do século XVIII, o imóvel então tombado pelo IPHAN sofreu um suspeito incêndio, noticiado nos jornais da época, e acabou virando irregularmente um estacionamento. Sua fachada continua de pé em grande parte do terreno de quase 1.210m2. Ao menos, até o momento em que esta reportagem foi escrita.

Com a matéria, foram diversos os atos de repúdio à destruição do bem cultural. A prefeitura, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Inovação (SMDEIS), embargou a obra de demolição que está sendo realizada neste momento no local pelo seu novo proprietário. O imóvel foi vendido durante estranho processo administrativo no IPHAN federal que destombou o prédio, embora continue integrando a APAC da Cruz Vermelha, sendo ‘preservado’ pelo Instituto do Patrimônio municipal, o IRPH. De toda forma, nenhuma obra de fachada ou demolição pode ser executada sem licença, e o proprietário do imóvel parece ter ignorado as notificações de embargo da SMDEIS.

O Ministério Público Federal entrou com um processo tendo como réus o próprio IPHAN e Marcos Henrique Domingos Fortes, responsável pela demolição ilegal, pedindo à 28a. Vara Federal que o desmonte, noticiado no DIÁRIO e que até a publicação desta matéria ainda estava em curso, pare imediatamente. O Ministério Público pede uma multa diária de cem mil reais por dia caso os trabalhos não cessem imediatamente, além de um embargo judicial e da interdição total do local, que funciona como uma espécie de estacionamento, apelidado de “farelo”. O MP explica que apenas o Presidente da República Jair Bolsonaro teria a autoridade para cancelar o tombamento de um bem tombado federal, segundo artigo do Decreto 3866/41, que regula a matéria. Não foi Bolsonaro que assinou a ordem, e sim Larissa Peixoto, que preside o órgão (abaixo) e talvez devesse saber o que regula a legislação que rege a autarquia por ela presidida.

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Decisão da Presidente do IPHAN, irregular perante o Decreto que estabelece que apenas o Presidente da República pode destombar o imóvel. A decisão foi embasada no laudo sobre o Solar escrito por um especialista em armas históricas, que colocou apenas uma foto do imóvel como nestá hoje, justamente no único ângulo em que não se consegue ver nenhum pedaço da fachada ainda existente no local.

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O procurador federal Sergio Gardenghi Suiama disse que o laudo desconexo que embasou a decisão irregular do IPHAN “causa absoluto espanto” e completou: “ora, se não houvesse bem a ser restaurado, como poderia o IPHAN intimar os responsáveis a promover obras emergenciais?“. Para ele, há “uma gravíssima açanã do Instituto que deveria promover a tutela do patrimônio histórico: para evitar a condenação à restauração, autorizou, ele próprio, a destruição, através do destombamento. E mais: fê-lo ciente de que o prédio histórico estava sub judice, tendo peticionado ainda em 24 de dezembro (…), um mês antes de proferir o despacho que retirou a proteção do bem anteriormente tombado“. A situação deixou todo o meio da arquitetura e do patrimônio histórico em polvorosa. José Luiz Alqueres, do Instituto Histórico e Geográfico, foi terminante: “A Prefeitura tem que agir já“, disse.

O programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU-UFF) se pronunciou com uma contundente nota de repúdio ao destombamento do importante bem cultural. Para a UFF, o imóvel “tem inestimável valor para a cultura do construir no Brasil, e apesar de se encontrar em ruínas representa um importante testemunho da história da presença da corte portuguesa no Rio“. E questiona até mesmo a lógica da decisão, considerada sem pé nem cabeça por 9 entre 10 especialistas: “Como pode haver “ausência de materialidade”em algo que terá de ser demolido?”. Para a instituição, “esse absurdo de imensas proporções ameaça não só o campo da arquitetura e do urbanismo, mas também a história, nossa memórias a nossa identidade como nação”.

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O histórico Palacete São Lourenço, construção do século XVIII que está sendo destruída sem dó nem piedade.

Até mesmo no mercado imobiliário vozes se voltam à defesa do palacete. Cláudio André de Castro, diretor da tradicional Sergio Castro Imóveis, responsável pela comercialização de imóveis que acabaram sendo restaurados, como o Largo do Boticário, o Hotel Santa Teresa e o Teatro Riachuelo defende o restauro do Palacete: “Quem compra um bem tombado, já sabe o que está comprando. Não tem que mudar as regras do jogo. E, para mais além, o investidor imobiliário ganha mais a longo prazo quando a cidade em torno do que investiu ganha ambiência, beleza, história e a riqueza que advém do turismo e mesmo de uma melhor formação cultural do cidadão”. Para ele, o Palacete tem “valor histórico inestimável e pode ter valor econômico, ao ser restaurado, vide o exemplo do belíssimo Palácio do Núncio, na rua Buenos Aires, recentemente restaurado pelo Grupo Scenarium, que alugou-o a um banco, que é um imóvel da mesma época“. Castro lembrou também as recentes restaurações da Pensão Pick, na Rua Joaquim Silva 97, do Armazém São Joaquim, em Santa Teresa, e da Caixa Italiana de Socorros, na Praça da República. “Todos imóveis alugados e gerando renda, após a restauração. É simplista e inexperiente quem pensa que não há possibilidade de retorno financeiro no investimento em imóveis tombados e preservados. Eles podem ter novos usos, privados e lucrativos“, finaliza, lembrando da recente locação do prédio-símbolo do Corredor Cultural Carioca, na Avenida Passos, à grande loja de artigos de festas Vivian Festas.

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4 COMENTÁRIOS

  1. Em um IPHAN aparelhado pela familícia, onde qualquer um ocupa cargo de direção, e num governo que tem desprezo pela arte, cultura, patrimônio histórico etc, não é nenhuma surpresa esse absurdo.
    Rastreiem o dinheiro envolvido e vão achar o motivo desse absurdo.

    • Procura ver quem é o Prefeito e a quem ele está ligado .. só ele pode estar envolvido ..pois é o único a ganhar com a venda do imóvel é ele e o proprietario que quer vender o local, sem tombamento !!!

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