É dia das mães, dia de alegria, dia de deixar a tristeza de lado. Você ama sua mãe e ela te ama. Isso é certo e seguro, mas, para além desse amor, há algo é mais sublime: o desejo de mãe!!!
Todos têm uma mãe. Ou deveriam ter. Ou tiveram. Mãe é aquela que cuida, podendo ou não ter dado à luz! Vamos esquecer as novas tecnologias de fazer filhos, pois já quase se pode dizer que a chocadeira existe. Alguém vai assumir a maternidade, o lugar de mãe, como algo que funciona como tal. Ela vai cuidar, e não importa se é a mãe biológica, ou se foi uma adoção. Um casal gay, mesmo de homens, pode ter filhos, e um dos pares pode funcionar como mãe. Acolher, cuidar, educar. Alguém vai dar algo de si, a partir de seu feminino, no sentido de se fazer autorizar como mãe.
O importante é o desejo de ser mãe. Isso é fundamental, que haja desejo de acolhimento, e é isso o que funda uma verdadeira adoção. Um filho, de pais biológico ou não, necessita ser adotado.
O desejo de mãe deve portar a capacidade fazer nascer vínculos, de mobilizar vínculos afetivos, de suscitar o erotismo, de causar curiosidade, de provocar vida numa criança. Que desde cedo compareça nos filhos uma lei do desejo. O desejo de ser mãe se deixa barrar pela lei do pai. Isso provoca alegria numa criança.
Numa família tradicional, habitual, é esperado que nos bastidores de uma mãe, exista uma mulher. Isso salva a criança de alguns sofrimentos. Uma mãe alimentada de desejos permite que seus rebentos se descolem, que muito cedo se desgarrem, que caminhem na vida, que alcem seus próprios vôos. Que estes filhos venham construir, dentro de si, o sentido de uma responsabilidade pela sua própria vida. Filhos do desejo, filhos desejantes!
O desejo da mãe é também o desejo de uma mulher. Ele carrega o eterno fogo do desejo, que não é outro senão, de desejar e ser desejado, que deseja e que se sinta desejada pelo parceiro – aqui, não importa a idade cronológica. É o que devemos respeitar, o desejo de mãe, não importa quem ocupe essa função, o que conta que esse desejo de vida vigore, que possa funcionar como uma verdade.
A palavra de uma mãe não é sem consequências, ela esburaca e marca a essência mesma de um filho ou de uma filha, determinando uma maneira de ser particular de cada um.
O dia das mães é dia de acerto de contas. Mães e filhos se questionam, cada um à sua maneira, fazendo um balanço afetivo. É o dia de perdoar e de ser perdoado: excessos, faltas, deslizes. Nesse dia, o amor de mãe é colocado como inocente. Não se deve duvidar do amor de mãe. Alguns filhos não entendem que uma boa mãe deve saber dosar seu amor com pequenas porções de ódio. Isso é saudável para a educação dos filhos. Uma boa mãe sabe o que faz e, por isso mesmo, não sentimos necessidade de questionar seu amor. É como se a mãe ocupasse o lugar de um amor eterno. Estamos sempre certos e seguros em relação a seu amor, seu perdão e, por sua compreensão.
Você tem sido uma boa filha? É lógico que uma filha tem sentimentos malucos em relação à sua mãe, ora, é uma paixão enlouquecedora, um amor infindo, ora, um ódio terrível, vontade de pegá-la pelo pescoço e esgana-la. Por mais que a filha diga que quer ser diferente da sua mãe, “quero ser tudo, menos igual à minha mãe, aquela mulher passiva, que sempre fazia a vontade do meu pai”, mas quando ela olha seu reflexo, no espelho da sua alma, lá estão as duas juntas, iguais, repetindo coisas que abominava em sua mãe.
Você tem sido um bom filho? Um eterno amante, viciado na sua mãe, não consegue se desligar dela. Você a acusa de controlá-lo, mas, por dentro, carrega aquele sorriso maroto, de que é o queridinho da mamãe. Suas queixas não colam, pois quando você menos espera, escolhe uma parceira a partir dos traços da senhora de seus dias. Medimos a importância de uma mãe quando ela vem faltar. Quando uma criança perde sua mãe muito cedo produz-se um buraco em sua vida. A criança toma para si esta falta e sente-se culpada pela perda. Quase sempre ela não se separa, carrega esta consigo, identificando-se com ela, a partir de alguns traços desta mãe, para o resto da sua vida.
Perdi minha mãe com cinco anos de idade. Não tive uma mãe substituta. Vivi uma vida de ódio pelo abandono dessa mãe. Um adulto pode saber que a sua mãe faleceu de uma doença cardíaca, por exemplo. Mas o que importa, é a criança que carreguei dentro de mim por muitos anos. Ali, na escuridão de um abandono, eu era uma criança triste, vivia tropeçando no luto, lutando para não realizá-lo. Eu gozava na dor de uma solidão, lutando para não me separar dela, não queria saber dessa perda. O ódio é uma das maneiras de não se separar do outro. A vida, a rua, os disparates, a loucura, foi uma escola para mim.
É isso, eu só poderia me tornar psicanalista. Fui tratar minha loucura, depois de vinte e oito anos de tratamento analítico, pude dizer já podia perdoar o abandono da minha mãe: disse para mim mesmo, deitado no divã do analista: “eu te perdôo”. É lógico, ali não se sabe quem perdoa quem.
Aprendi algo importante nessa trajetória. Se eu não pude ter minha mãe, essa coisa maravilhosa que todas as crianças têm, o que fazer com isso? A perda prematura de uma mãe – e, também, de um pai -, deixa cicatrizes incuráveis! Não sem um certo sacrifício, percorri estradas nunca antes navegadas, à procura do meu desejo. Com dificuldades, pude construir uma relação amorosa, e dar uma boa mãe para os meus filhos. Esta foi a maneira que encontrei de testemunhar minha gratidão para com a vida que me deu vida. A única coisa que vale na vida é essa possibilidade que temos de retificar, sempre para melhor, as coisas que recebemos de nossos pais. A bênçao, minha mãe querida do coração!