No dia 25 de maio é celebrado o Dia Nacional da Adoção, mas na verdade, infelizmente, não temos muitos motivos para comemorações.
Isso porque no Brasil, esse processo é ainda extremamente moroso e cheio de entraves e burocracias que resultam em milhares de crianças que chegarão a idade adulta sem nunca terem pertencido a uma família e homens e mulheres que não terão a experiência de poderem se tornar pais, um dia.
Falta de clareza sobre o processo de adoção, romantizações que maqueiam a realidade dos fatos e preconceitos generalizados regem o imaginário das pessoas quando tocamos nesse tema.
E para escrever melhor sobre ele, convidei a Dentista Camila Leal para conversar e dar seu depoimento, assim poderemos entender a adoção sob a ótica de uma mulher que busca adotar uma criança para ser seu ou sua filha, vamos a ele:
” Em agosto de 2019 eu e meu marido decidimos que já era a hora de adotar uma criança, essa decisão fazia parte do nosso planejamento familiar, independente de termos ou não filhos biológicos. Procuramos informações na 1ª VIJI (Vara da Infância Juventude e Idoso) aqui no Rio de janeiro e fomos orientados que a reunião mensal havia acontecido no dia anterior, o primeiro balde de água frio, pois teríamos que esperar por mais um mês simplesmente para obter as informações iniciais.
Retornamos em setembro e assistimos a reunião geral, recebemos endereços com a orientação de que teríamos que participar de quatro reuniões obrigatórias, chamadas de pré-natal, que, assim como a reunião geral, aconteciam mensalmente, voltamos para casa e na primeira tentativa de iniciar nosso pré-natal, descobrimos que só haveria uma agenda livre apos dois meses, ou seja, somente no fim do ano, em dezembro. Mas, como diz o ditado, quem espera sempre alcança, fizemos a nossa reserva.
Ansiedade a mil por hora, havia chegado a nossa vez. O nosso primeiro pré-natal foi empolgante, agora seria questão de tempo até passarmos por todos os próximos que já tinham data para acontecer – fevereiro, março e abril.
Quando chegou março de 2020, faltando muito pouco para o fim das nossas reuniões, veio a pandemia do COVID-19. O mundo desaba, tudo fecha pela necessidade de isolamento social, mas mesmo diante de um quadro de tanta insegurança e incertezas, conseguimos finalizar nossas reuniões obrigatórias, de forma remota.
Em agosto, completando um ano da nossa primeira visita na Vara da Infância, conseguimos reunir todos os documentos necessários e demos entrada em nosso processo de habilitação. Foram diversos documentos requeridos, porém, dentre eles, um nos chamou mais a atenção, era sobre a ficha de perfil da criança a ser adotada, nela devemos “escolher” o tipo de perfil que desejamos. Os itens dessa lista são inúmeros, raça, idade, doenças mentais, físicas e intelectuais… Enfim, mas o grande problema disso tudo, é que a resposta é simplesmente sim ou não, sem argumentações, sem espaço para ponderações, uma ficha fria, técnica como se uma vida humana fosse baseada e coubesse simplesmente num sim ou em um não e essa resposta determinaria o descarte ou a escolha desse indivíduo.
Porém, não somos nós que definimos esse processo e não há espaço para questionamentos, se queremos adotar, esse é o caminho a ser cumprido, simples assim. Fichas devidamente preenchidas, vamos para as entrevistas técnicas, a Vara da Infância autoriza que elas aconteçam remotamente, mas as assistentes sociais e psicólogos não garantem a avaliação técnica do juiz, o que transmite uma grande insegurança institucional. Apesar de todos os percalços, em novembro vencemos novamente essa outra etapa e finalmente sai nossa habilitação.
Vocês devem estar pensando agora: -que maravilha, quando chega a criança? Mas não é bem assim que acontece, após aprofundarmos os estudos e ainda participando de diversos grupos de pré-natais, pudemos entender melhor o funcionamento de todo o processo de adoção e de como ele é falho e pouco eficiente.
Existe uma espécie de perfil campeão de procura, o que corresponde a crianças de 0 à 5 anos de idade, e devido a isso, é feita uma grande pressão aos grupos de apoio para que os pretendentes aceitem crianças de outras faixas etárias, o que é bastante compreensível em nosso entendimento, já que isso ajudaria com que crianças mais velhas possam também serem adotadas. Chegamos a escutar informalmente em alguma reunião, que o nosso futuro filho poderia demorar uns 7 anos para chegar, o que nos deu um grande aperto no peito e uma sensação imensa de impotência, nos perguntávamos, por que os abrigos estão tão cheios se existem tantas pessoas na fila de adoção? Por que essa demanda reprimida não é resolvida para a felicidade de ambos?
Segundo o Jornal O Globo, No Brasil em 2019, 48.025 crianças e adolescentes viviam em abrigos. Destas, apenas 4.992 estão aptas para a adoção — o que significa que estão “desligados” judicialmente de seus pais biológicos. O Processo de destituição familiar que deveria durar no máximo 120 dias, perduram por anos e essas crianças ficam em uma espécie de limbo, simplesmente esperando por uma solução que dê um lar à elas.
Durante esse período, pude ver casos de crianças que já estavam há 6 anos com os pais adotivos, terem que ser “devolvidas” ao poder familiar, simplesmente porque o direito familiar no Brasil tende mais para o lado biológico do que para o afetivo.
Em nossa jornada, me vi face a face com a morosidade do sistema, e que apesar da proteção e do bem estar da criança serem direitos constitucionais, muitas vezes é somente a burocracia que prevalece e concluo com a seguinte indagação: ‘’Os sete anos que meu filho pode demorar para chegar, acontece pelo perfil escolhido por nós ou pela lentidão burocrática de nosso sistema judicial? Um problema que além de nos afastar cada vez mais do sonho de termos completa a nossa família, resulta em milhares de crianças que são criadas em abrigos e que nunca terão a chance de serem escolhidas para viver em um lar de verdade.
Pedro do Livro – Professor, mestre em educação e cultura pela UERJ, gestor público, praticante da Disciplina Positiva e Comunicação Não Violenta, colunista de Podcast da Rádio Escola FM e padrasto da Angelina.
Camila Leal é Dentista, sócia da M2 Sports e uma das milhares de mulheres que aguardam uma criança na fila de adoção.