Ediel Ribeiro: João Saldanha, uma fera

Coluna de Ediel Ribeiro sobre o icônico João Saldanha, grande nome da história do futebol e jornalismo brasileiro

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João Saldanha, grande nome da história do futebol e jornalismo brasileiro - Foto: Reprodução

João Saldanha era um dos meus ídolos no jornalismo. Era fã do ”João Sem Medo”. O gaúcho João Alves Jobim Saldanha foi um dos melhores jornalistas brasileiros. Audacioso, crítico e de personalidade forte, não levava desaforo pra casa. Além de jornalista, escritor e técnico de futebol, era, sobretudo, um excelente contador de histórias. Se verdade ou não, era apenas um detalhe.

Tinha uma certa fama de mentiroso porque dizia que sabia de tudo. E sabia mesmo. Nelson Rodrigues dizia: ”Os fatos divergem das versões do Saldanha? Pior para os fatos, porque as versões dele são sempre melhores.”

Escrevendo, foi, por excelência, o anti-Nelson Rodrigues. Saldanha escrevia como falava, num tom coloquial, ao contrário do estilo imódico e ostentoso de Nelson. João Saldanha chegou ao Rio de Janeiro em 1931, aos 14 anos, depois que seus pais, aliados de Getúlio Vargas, ganharam um cartório na cidade. O menino João Saldanha logo se apaixonou pelo Rio de Janeiro. Pelas praias, pelo Pão de Açúcar, pelo futebol e, principalmente, pelo Botafogo, que acabara de se tornar campeão carioca.

Era militante de esquerda. Figura emblemática, polêmico e combativo. Lutou na clandestinidade contra a censura. Fazia parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Fichado no DOPS desde 1974, foi contra a censura e a ditadura militar.

Saldanha tentou a carreira de jogador de futebol, mas sua passagem pelos campos foi breve. Um choque com Perácio – ex-jogador do Flamengo, em 1941 – encerrou sua breve carreira nos gramados, aos 24 anos. Começou no jornalismo como comentarista da Rádio Guanabara, convidado por Rui Viotti, irmão de sua esposa. A partir daí, passou por Rádio Nacional, Globo, Tupi e JB. Assinou colunas nos jornais O Globo, Última Hora, Jornal do Brasil e revista Placar.

Seu estilo irreverente e popular com bordões e frases como ”Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária seria campeão”, ou ”Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado”, logo fizeram de João Saldanha um nome de peso no jornalismo nacional.

No fim da década de 60, a seleção brasileira era muito criticada. Bicampeã mundial (1958/62), não repetia as boas atuações das copas anteriores. Em 1966, foi eliminada pela seleção portuguesa. Foi então que os diretores da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) tentaram uma última cartada: convidaram João Saldanha, até então crítico ferrenho do escrete brasileiro, para comandar a seleção.

O pensamento da CBD era simples: ”Que jornalista vai criticar um colega de trabalho?” João Saldanha aceitou. Já tinha uma experiência vitoriosa, dirigindo o Botafogo no fim da década de 50. Logo em sua primeira entrevista coletiva Saldanha apresentou os 11 jogadores titulares e os 11 reservas. Eram as ”Feras de Saldanha”.

De 04 de fevereiro de 1969 a 17 março de 1970, João Saldanha dirigiu a seleção brasileira de futebol. Apesar de classificá-la, com folga, para a Copa do Mundo de 1970, João se perdeu no meio do caminho. Seu temperamento e, principalmente, seu desequilíbrio, levaram-no a encurtar sua história na Amarelinha.

Crítico da ditadura militar que governava o país. A mesma ditadura militar que queria usar a seleção brasileira como propaganda do regime, Saldanha não engolia a imposição da escalação de Dario, centroavante do Atlético Mineiro, pelo presidente Médici. ”Ele escala o ministério dele e eu convoco a Seleção”, disse.

Era o fim de João Saldanha como técnico de futebol. O futebol perdeu um grande técnico, mas o jornalismo ganhou um excelente jornalista. Saldanha morreu no dia 12 de julho de 1990, em Roma, na Itália, enquanto cobria a Copa do Mundo.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"

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