Na última semana, o DIÁRIO DO RIO publicou sobre a contaminação ainda existente no terreno do Gasômetro do Rio de Janeiro, onde o Flamengo deseja construir um estádio de futebol. Especialistas no tema, consultados pela reportagem, analisam quais as consequências dessa contaminação.
De acordo com Felipe Caixeta, cineasta e jornalista com muitos anos de cobertura de meio ambiente e que fez uma série de reportagens no local, “a contaminação do solo vai impactar os trabalhadores da obra, diretamente. Quem for lá fazer terraplanagem e virar massa vai adoecer. Aquele terreno também é afetado pelas plumas de contaminação da refinaria de Manguinhos. Está tudo contaminado. As plumas drenam para a Baia de Guanabara. Pops, benzeno, tolueno, tem tudo isso lá. Se cavar um poço nessa região vai jorrar óleo. Vai subir poeira tóxica, afetar os bairros do entorno. Muita insegurança”
Ainda segundo Caixeta: “A cidade não discute que o local é contaminado, mas várias áreas hoje residenciais já foram lixões ou eram sítios contaminados por operações fabris desastrosas para o meio ambiente. Eles licenciam e botam o povo para morar em cima pagando“.
Roberto Bastos Rocha, arquiteto, conselheiro do Conselho Municipal de Meio Ambiente, frisa que “a importância do diagnóstico atualizado da área – para que o órgão ambiental possa definir os níveis de descontaminação desejados – e, a partir deste, as melhores técnicas, prazos e custos são dimensionados num plano detalhado de descontaminação in situ e/ou ex situ. Todas essas informações e ações integrarão, como condicionantes, o processo de licenciamento ambiental de qualquer empreendimento a ser erigido no local, garantindo a segurança e saúde, dos futuros usuários, daqueles que venham a trabalhar na sua construção, da vizinhança e da flora e fauna regionais. Isso requer tempo e investimentos, mas, nesse caso, vale o ditado popular: cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém“.
Detalhando o problema, Roberto comentou que “o solo e a água subterrânea são vias de propagação de contaminantes para outros bens importantes – especialmente a população do entorno imediato – além da flora e fauna regional. No caso do terreno do antigo Gasômetro do Rio, temos a proximidade com o Canal do Mangue (cerca de 40 m) e com baía de Guanabara (menos de 200 m), corpo hídrico relevante e com rica fauna, com destaque para o boto-cinza, um dos símbolos estampados no brasão da cidade. O nível (e o custo) de uma descontaminação, grosso modo, possui correlação direta com o tipo e volume dos contaminantes, o meio no qual se encontram (na água subterrânea e/ou no solo), sua profundidade, o uso futuro do sítio contaminado, os bens a proteger do entorno, as técnicas a utilizar e o tempo previsto para a descontaminação. Usos residenciais ou de trabalho permanentes implicam, por óbvio, em maiores níveis de descontaminação. Produtos químicos existentes no subsolo podem emanar gases por longo período, exigindo isolamento de áreas e/ou seu encapsulamento ou ainda a construção de barreiras de periferia. Em alguns casos, dependendo do tamanho do sítio, centenas de milhares de m3 de solo podem ter que ser removidos e encaminhados para aterros controlados. Instalações de estruturas em subsolo, especialmente cisternas, devem ser bem estudadas. O monitoramento, em muitas situações, há de ser permanente“.
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Professor do departamento de engenharia sanitária e do meio ambiente da Faculdade de Engenharia Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Carlos Augusto Arentz Pereira explica que “com o advento da produção de petróleo na bacia de Campos, a partir dos anos 1980 o gás natural substituiu totalmente esse gás manufaturado, motivo pelo qual grande parte das instalações existentes na área em questão perderam a sua razão operacional. O carvão mineral apresenta uma série de contaminantes como arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo entre outros e a nafta é uma mistura complexa e diversificada de hidrocarbonetos derivados do petróleo. Há de se considerar que neste local foi executada uma operação industrial por mais de 100 anos, sendo quase inevitável que tenha havido a concentração de diversas espécies químicas no solo dessa instalação. Estudos realizados pelo INEA desde o final do século XX apontam para a presença de uma série de contaminantes oriundos do uso dessas matérias-primas e dos processos industriais realizados no local, em valores acima do aceitável de acordo com as normas brasileiras e internacionais. Este aspecto não torna o terreno não utilizável, porém obriga que seja feita uma descontaminação do mesmo, para que possa ser destinado a outra utilização, dentro dos parâmetros requeridos quanto à saúde e meio ambiente“.
Arentz finaliza dizendo: “As normas brasileiras e internacionais estabelecem parâmetros máximos para a presença de alguns tipos de contaminantes, que caso estejam acima destes valores podem provocar danos ao ambiente e à saúde da população exposta, mas que devem ser resgatados por um trabalho de descontaminação. Executada essa descontaminação os riscos para quem trabalha ou irá frequentar o espaço se situarão dentro dos parâmetros aceitáveis. Potencialmente essa contaminação pode ter afetado um extrato do terreno até uma certa profundidade, sendo desaconselhável o desenvolvimento de atividades humanas que façam contato direto com o mesmo ou até plantio de maneira geral. Há de ser investigada também a potencial contaminação de águas subterrâneas, o que também implica num processo de monitoramento por algum tempo. Como se trata de uma obra que potencialmente irá criar um espaço urbano com fundações e possivelmente impermeabilizado, pela utilização de concreto, e não sendo área de habitação, os riscos tenderão a ser reduzidos. Mas é fundamental, em qualquer hipótese, ser feito um levantamento detalhado da condição atual de contaminação, e determinação de um processo de descomissionamento e limpeza desta área que foi previamente por muitos anos, dedicada a operações industriais”.