…estimas adormecidas!

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Distance por StefaniaVS

Michele Obama, ao discursar para jovens carentes, em Brasília, disse: “Não importa quem você é e nem de onde você vem, o importante é sonhar e lutar para alcançar seus sonhos. Acreditar que tudo é possível”.

Ao se referir ao marido, o Presidente dos Estados Unidos, comentou: “Agora ele é inteligente, mas levou um caminho até aqui”.

Isso que é dito por Michele e dirigido aos jovens é uma fala verdadeira, pois ela brota do fundo da alma de alguém que construiu uma história, apesar das injustiças sofridas pelos fortes preconceitos que estigmatizam e fazem com que alguém se sinta menor frente à sociedade. Ela e o marido são pessoas de cor negra. Eles conseguiram superar a pobreza e, com muitos sacrifícios, ultrapassaram seus infortúnios e conquistaram os seus sonhos.

Esse fato me fez lembrar, num passado que ainda me é presente, um diálogo com o meu filho mais velho, que hoje exerce uma promissora carreira de médico psiquiatra. Um belo dia, almoçamos juntos. Ele acabara de entrar para a Medicina. Aquele jovem de dezoito anos tinha o dom de me arrancar dos meus atendimentos, do meu consultório, e quase sempre criava as condições para um diálogo, digamos, “incomodativo”. Naquele almoço, de repente, ele procurou meu olhar e olhou fundo nos meus olhos lançando-me a seguinte pergunta: “Pai, qual a receita para se chegar ao sucesso? Como você conseguiu? O que você fez, saindo de onde saiu e chegando onde chegou?”

Conversas sinceras são difíceis em todos os sentidos. O que dizer quando se trata de um diálogo aberto entre pai e filho? Trata-se de nos depararmos com um horror. A vida nos distancia de nós mesmos, e dos outros, até mesmo dos filhos, criando uma distância muitas vezes intransponível.

Ele se referia às desgraças vividas por mim no meu passado. O fato de eu ter me tornado isso que se chama “alguém” na vida o intrigava. Uma vida de poucos suportes para atravessar um mar revolto abocanhado por tamanhas tempestades! Como é possível? Ele ainda não tinha consciência de que os sofrimentos são as molas propulsoras para o sucesso. Daí a razão de sua pergunta e causa de sua perplexidade.

A resposta que brotou da minha boca, sem pensar o que falar, foi tão somente uma palavra: “persistência”. Depois de um longo silêncio entre nós, continuei falando igual a uma criança que balbucia suas primeiras palavras. Eu falava comigo mesmo: “Nada mais que isso, meu filho: persistência! Quando ainda jovem, eu olhei para trás e vi o retrato de uma família muito sofrida. A melancolia me perseguia e eu não tinha forças para aguentar o arrastão do passado. Mesmo sem saber o que desejava da vida eu sabia que era preciso reinventar um futuro para mim. Separei-me, mas sabendo que teria de lidar com o meu passado. A psicanálise me salvou!”

Qual é o caminho a ser percorrido para que se possa ser “alguém” na vida? É lógico que esse ser “alguém” é bastante relativo, mas quando você se torna “alguém”, as chances de você ser engolido pela boca do dragão são bem menores. Você precisa escolher um caminho, mesmo que espinhoso, e persistir no sentido de construir um lugar na sua vida. O quer dizer isso?

Muitas pessoas passam pela vida sem ao menos uma única vez se atrever a visitar a si mesmo. Medo, vergonha e arrogância são estimas adormecidas à espera de uma adoção. A estima é o que resta do bom encontro que você realiza com a história dos seus antecessores. A única saída para o melhor é você se reconhecer na sua estima.

A vida é uma trajetória de marcas que se inscrevem por numa sucessão de traumas que se engendram desde a sua pequena infância. O fundamental numa vida é que você tem uma história, mas é preciso se reconhecer nela. Você aprende assim, e só assim, a não ter vergonha do seu passado.

O desejo que lhe habita é o que faz de você alguém capaz de caminhar com a alma livre. Tudo vai depender da sua maneira de lidar com o seu desejo. Há desejos de mudanças. Todos têm essa possibilidade. Não se deve procurar atalhos, caminhos mais curtos, dar pouco de si. Afinal, sempre haverá um preço pelas conquistas. Você pode caminhar em várias direções, mas se não consegue desejar, única via que leva às luzes, você se torna um dependente. Aí não existe saída: o caminho será aquele que conduz à escuridão e nos torna um ser das trevas!

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Médico, Psiquiatra e Psicanalista. Especialização e Mestrado em Psiquiatria (UFRJ); Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Brasília, Rio de Janeiro e Vitória; Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP); Editor-chefe da Companhia de Freud Editora

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