O setor de energia no Brasil passa por sua maior crise desde o governo FHC. A ameaça de racionamento e apagões se faz presente muito por conta dos piores níveis em décadas dos reservatórios das hidrelétricas, a principal fonte de energia hoje no Brasil. Neste mesmo momento, o Brasil também passa por uma transformação legislativa na área de energia, onde tramitam no Congresso Nacional, por exemplo, a MP da Capitalização da Eletrobrás e o PL 414/2021, que trata da modernização do setor elétrico no Brasil, além do recém aprovado Novo Marco Legal do Gás.
A estiagem é a pior em 91 anos. A falta de chuva, causada por fenômenos diversos, diminui a vazão dos rios e por consequência o nível dos reservatórios. Os principais estão em seu menor nível em 22 anos. A crise hídrica configura um cenário crítico para o Brasil, agravado pela nossa dependência das hidrelétricas. Sem poder gerar a energia suficiente a partir dessa fonte, precisamos lançar mão de outras, mais caras, como as térmicas, impactando a conta de luz para o consumidor.
Nossa matriz energética possui 63% de concentração na energia hidrelétrica. A base hídrica sobre a qual construímos nossa matriz teve sua importância no passado porque era uma energia barata. No entanto, seu potencial se torna cada vez menor pelas crises já citadas e pela distância aos centros de consumo, o que agrava as perdas técnicas ao longo dos trajetos. Este cenário traz a necessidade de outras fontes de energia para a rede e de um novo modelo de consumo. O custo de cada uma das diferentes fontes varia ao longo do dia e o modelo atual não permite às distribuidoras e aos consumidores adotarem estratégias próprias para comprar, por exemplo, energia fotovoltaica para abastecer durante o dia e energia térmica para a noite, fazendo com que o custo da eletricidade não possa ser otimizado.
Neste contexto, o PL 414/21 pode contribuir, pois propõe modernizar o setor, migrando para o mercado livre de energia elétrica acessível a todos os perfis de consumidores. O objetivo é diversificar e descentralizar nossa matriz energética, trazendo benefícios ao consumidor final, com maior estabilidade do sistema e poder de escolha entre fontes mais limpas ou mais baratas.
Um levantamento da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (ABRACEEL) com 56 países indica que 62,5% já tornaram livre a escolha de fornecedores de energia para 100% da população. O ranking de liberdade ao consumidor é liderado por Japão, Alemanha, Coréia do Sul, França e Reino Unido, enquanto o Brasil segue fora do ranking e o acesso a energias renováveis se restringe a quem tem poder aquisitivo para investir em geração distribuída ou a consumidores de grande porte com demanda mínima contratada de 3.000 kW.
Infelizmente, além da crise e da falta de abertura do mercado, a conta de luz tem sido usada como um “orçamento paralelo” para a aplicação de políticas públicas. É mais fácil embutir um custo extra na conta de luz do que aprovar o orçamento da União. Os custos mais altos tornam toda a cadeia produtiva mais cara, não se restringindo apenas à energia, mas atingindo todos os produtos fabricados no Brasil. Esse fomento indireto piora nossa competitividade e torna o país cada vez mais dependente de políticas de proteção social.
Fica cada vez mais clara a importância de diversificarmos e descentralizarmos nossa matriz, buscando cada vez mais modelos regionais para dar mais segurança ao sistema, combater os subsídios cruzados, dar mais opções aos consumidores e, por fim, baratear o custo da energia.
Precisamos focar no planejamento e na solução. A discussão sobre a modernização do setor deve ser a partir de agora. Não podemos esperar que a crise hídrica se torne incontornável para só então nos movermos. Em energia, 10 ou 20 anos são apenas curto prazo. Planejamento e ação começam já!
Posicionamento perfeito, caro Paulo.
A crise hídrica é a crise política do descaso, já que não é populismo…
O mundo se moderniza aceleradamente em sistemas de transmissão e em energias renováveis, enquanto as antigas torres de distribuição e o próprio controle desta distribuição se torna anacrônico e corroído pela inépcia.
A energia elétrica será cada vez mais requisitada, em função das tendências mundiais de consumo.
A história demonstra que as grandes Guerras Mundiais foram provocadas por disputas energéticas e hoje há até o nascimento da criptomoeda, totalmente dependente de energia.
Assim, não há desculpas suficientes para o desleixo brasileiro de mais de 20 anos com o sistema elétrico, capaz de provocar até o impedimento da produtividade nacional.
Também é importante que se estruture o sistema de distribuição, a ponto de haver melhor gestão desta logística, bem como o seu barateamento, pela adequada combinação dos recursos de nossa matriz energética região por região.
Certamente, será um grande planejamento, com aporte de vultuosos investimentos, mas que garantirão insumos suficientes para as atividades que esperamos ver em um Brasil mais desenvolvido no futuro.
Sem falar da menor exploração política das crises hídricas brasileiras.