Muito se fala sobre o descuido e mau uso de imóveis históricos que não estão localizados no Centro ou na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. De fato, construções antigas e importantes acabam tendo triste fim nas zonas Norte e Oeste, onde há pouco patrimônio cultural em bom estado. No entanto, algumas têm destino diferente. É o caso do Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura. De raríssima beleza, o local está em processo de tombamento pela Prefeitura e atualmente faz parte do programa Seguir em Frente, acolhendo pessoas que estavam vivendo nas ruas. Acolher é um verbo que faz parte das memórias deste complexo de prédios que pertence à histórica Santa Casa da Misericórdia, irmandade católica fundada pelo padre – e santo – José de Anchieta em 1582.
Enquanto a sanha das construtoras não destrói a lindíssima e íntegra edificação às margens da avenida Ernani Cardoso – sabe-se que pelo menos uma construtora mineira quer comprá-lo e destruí-lo, em meio à crise financeira de sua proprietária – o belíssimo hospital segue sua trajetória de auxílio e socorro aos mais necessitados. Um tombamento administrativo já foi aprovado pelo IRPH é um projeto de tombamento da vereadora Tainá de Paula (PT) segue enterrado na burocracia da Câmara de Vereadores.
Vamos começar pela história: de acordo com informações da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, “em 1884, o Barão de Cotegipe adquiriu uma chácara em Cascadura, na época considerada zona rural com sítios e propriedades para descanso. A velha mansão da chácara foi adaptada e aparelhada para atender tuberculosos carentes. Irmãs de caridade foram trazidas para compor o quadro do Hospital, junto com médicos e enfermeiros. O estabelecimento contava ainda com especialidades em cirurgia, ginecologia, obstetrícia, otorrinolaringologia, odontologia, hidroterapia. Os métodos de diagnóstico que surgiam eram prontamente introduzidos no nosocômio, como o Raio X e a abreugrafia, reduzindo drasticamente o índice de mortalidade”.
Segundo o Instituto Rio Antigo, “nessa época, a tuberculose era a maior causadora de mortes do Rio de Janeiro, então capital do Império. O Hospital N. S. das Dores foi o primeiro estabelecimento hospitalar do Brasil destinado exclusivamente a essa doença que tanto afligia a nossa população”.
Foto: Augusto Malta, sem data (provável que seja da segunda metade da década de 1910). Acervo: Museu da Imagem e Som
No ano de 1910, com o sanitarista Oswaldo Cruz na supervisão, a Santa Casa promoveu a ampliação do Hospital Nossa Senhora das Dores. Desde 1884, o local funcionava no antigo casarão da Chácara do Ferraz, sempre com capacidade máxima. Logo, falaremos do antigo proprietário desta chácara, o Barão de Cotegipe.
Quatro anos mais tarde, no dia 25 de junho de 1914, um renovado hospital foi inaugurado e passou a ser destinado apenas a mulheres portadoras de tuberculose. A grande inauguração contou com a presença do então presidente Marechal Hermes, da primeira-dama Nair de Tefé e do Cardeal Arcoverde.
“A imponente Capela de N. S. das Dores, um belo exemplar da arquitetura neogótica, que foi construído entre 1911 e 1917, no lugar de uma pequena capela que estava na antiga chácara desde o século XIX“, destaca o Instituto Rio Antigo. Definitivamente, a beleza arquitetônica do prédio chama a atenção. As ótimas fotos espalhadas por esta matéria, feitas por Daniel Martins, que trabalha no DIÁRIO DO RIO, estão aí para confirmar. Na linda Capela, o Padre Marco Lázaro – capelão da Santa Casa – faz um trabalho constante de atendimento e evangelização da população de rua.
Processo de tombamento
Toda essa beleza histórica precisa ser conservada. No início deste ano, mais precisamente no mês de fevereiro, começaram a circular notícias sobre o processo de tombamento do Hospital Nossa Senhora das Dores. O procedimento já está sendo conduzido pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, para a proteção de um dos complexos de prédios mais bonitos e significativos da Cidade.
Especialistas em patrimônio histórico consideram de suma importância que o prédio do Hospital seja tombado. Segundo eles, uma obra tão bela e importante para a história da cidade, que tanto já serviu e ainda serve ao Rio, precisa de proteção imediata. O local que tanto acolheu, necessita também ser acolhido. Veja as fotos.
Uma vez que esse processo de tombamento seja concluído, essa verdadeira pérola da arquitetura, em uma região central dos subúrbios da cidade do Rio, estaria protegida para toda a história.
“Já houve planos absurdos de destruir esta que é uma das mais lindas e brilhantes pérolas do subúrbio; estes planos devem ser impedidos enquanto é tempo. Nossa instituição preza pela cultura e pela catolicidade do nosso povo, e o subúrbio precisa parar de ver sucumbir sua memória”, diz Cláudio André de Castro, responsável pelo patrimônio imobiliário da Santa Casa.
Barão de Cotegipe
Como comentei anteriormente, falaremos um pouco sobre o Barão de Cotegipe, proprietário da chácara e do casarão que deram início ao Hospital Nossa Senhora das Dores.
João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, foi um dos principais políticos conservadores do segundo reinado brasileiro. Chegou à presidência do Conselho de Ministros de 1885 a 1888, além de ter presidido o Senado Imperial. Ocupou também os cargos de ministro das relações exteriores, ministro da fazenda, ministro da Marinha. Senador pela Província da Bahia por mais de três décadas, também dirigiu o Banco do Brasil.
O Barão de Cotegipe nasceu em 23 de outubro de 1815 na Villa da Barra, atual cidade de Barra, na época parte da Capitania Hereditária de Pernambuco. Filho de um abastado proprietário, o capitão-mor João Maurício Wanderley, e de Francisca Antonia Wanderley. Era descendente do capitão de cavalaria das tropas dos Países Baixos Gaspar Nieuhoff Van Der Ley, que veio para o Brasil durante a invasão holandesa em Pernambuco.
Cotegipe foi um dos cinco senadores do império a votar contra a aprovação da Lei Áurea. De acordo com ele, “a ruptura com o sistema escravocrata poderia abalar a economia com questões de mão de obra e eventuais indenizações, e consequentemente o abalo do regime monárquico”.
Historiadores relatam que ao cumprimentar a princesa Isabel logo após a assinatura da lei, o Barão de Cotegipe disse: “A senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono!“. Isabel respondeu: “Se mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para a libertação dos negros”.
O Barão morreu no Rio de Janeiro, cidade onde passou boa parte de sua vida, no dia 13 de fevereiro de 1889.
Programa Seguir em Frente
No fim do ano passado, a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro inaugurou a RUA Sonho Meu (Residência e Unidade de Acolhimento), que fica no complexo de oito prédios do Hospital Nossa Senhora das Dores. A inauguração fez parte do Programa Seguir em Frente, que tem como objetivo atender, de diversas formas, as pessoas em situação de rua na cidade do Rio.
Foi a primeira unidade de acolhimento da Secretaria Municipal de Saúde neste molde e conta com dormitórios, banheiros, lavanderia, armários com cadeados e refeitório. Mais de 3.000 pessoas em situação de vulnerabilidade já passaram pelo projeto.
Segundo a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, “o local é um centro médico com equipes multiprofissionais e oferece atividades físicas, de lazer e culturais, programas de capacitação ocupacional e geração de trabalho e renda. Tem áreas abertas de convivência, sala de informática, serviço para emissão de documentos. Os abrigados recebem kits de higiene e vestuário e poderão ter apoio para inclusão em programas de educação para adultos. O complexo terá horta comunitária, onde os próprios abrigados poderão trabalhar e receber um pagamento proporcional pelas horas de execução das atividades. Eles também poderão executar outros serviços de interesse público, recebendo remuneração para isso”.
Para Daniel Soranz, secretário municipal de saúde da cidade do Rio, “o objetivo é acolher as pessoas que estão em situação de rua, e a meta principal é que as pessoas possam ter um lar definitivo e voltar a ter seus vínculos sociais”.
Historicamente, com pessoas portadoras de tuberculose ou com quem está em situação de rua, acolher é um verbo que faz parte das memórias do prédio do Hospital Nossa Senhora das Dores.