Igrejas de São Sebastião no subúrbio do Rio de Janeiro

William Bittar conta a história de 3 igrejas dedicadas a São Sebastião, protetor do Rio de Janeiro, que estão ao longo da linha ferroviária da cidade, em Bangu, Bento Ribeiro e Olaria

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Igreja de São Sebastião e Santa Cecília, Largo de Bangu Foto Cleomir Tavares / Diario do Rio

Olhando uma foto em tom sépia, quase centenária, lá estava minha avó e meu pai, uma criança de três ou quatro anos, trajado como a representação mais conhecida de São Sebastião: calções largos e uma fita em diagonal sobre o peito, provavelmente vermelhos. Era a homenagem popular ao Santo, comemorado no dia do aniversário de meu avô paterno.

São Sebastião, o Padroeiro da Cidade do Rio de Janeiro, é celebrado pela Igreja Católica no dia 20 de janeiro, desde os primórdios de sua fundação, no dia 01 de março de 1565, cujo nome foi uma homenagem ao rei de Portugal, D. Sebastião I, desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, gerando a lenda de seu possível retorno para retomar a glória lusa.

Outra lenda, dessa vez carioca, coloca São Sebastião junto aos portugueses e temiminós contra os invasores franceses aliados aos tamoios, em 20 de janeiro de 1567, empunhando uma espada na Batalha de Uruçumirim, guiando-os à vitória. No entanto, durante a luta, Estácio de Sá foi atingido por uma flecha, assim como o Santo padroeiro em seu martírio, morrendo alguns dias depois.

A data também é comemorada por religiões de matrizes africanas, como Umbanda ou Candomblé, num sincretismo com o orixá guerreiro Oxóssi, protetor das matas, nos terreiros do Rio de Janeiro.

Certamente a imagem de São Sebastião, soldado romano martirizado por não renunciar à sua fé, recebendo flechadas, foi associada a Oxóssi, que tem a flecha e o arco como seus símbolos. Além dos atributos de caçador, ele também conhece as folhas e ervas que auxiliam na cura de doenças e pestes, definindo o verde como sua cor, diferente do vermelho do Santo padroeiro.

Soberano das matas, caçador de uma única flecha, em alguns terreiros de Umbanda o orixá é o Chefe da Falange de Caboclos, entidades que representam a incorporação dos povos indígenas, aplicando passes, ensinando receitas, auxiliando na cura dos médiuns e frequentadores, associando rituais dos três principais povos formadores de nossa colonização, consolidando sua importância e popularidade na cultura religiosa brasileira.

revista careta1924 Igrejas de São Sebastião no subúrbio do Rio de Janeiro
Revista Careta 1924

A devoção ao Santo se iniciara quando Estácio de Sá, o fundador da cidade, ergueu uma modesta ermida, junto à entrada da baía, local da primeira povoação. Após a expulsão dos invasores, o pequeno vilarejo foi transferido para o Morro do Castelo, localização mais protegida, onde foi construído um novo templo, que ali permaneceu até as primeiras décadas do século XX.

Na década de 1920, com o arrasamento do Morro e a demolição da igreja, o primeiro templo dedicado ao Santo na cidade foi transferido para a rua Haddock Lobo, na Tijuca, conforme coluna publicada neste jornal.

A Igreja dos Capuchinhos, como ficou conhecida, também recebeu, além da imagem do padroeiro trazida de Portugal, os restos mortais de Estácio de Sá, o marco de fundação da cidade e um relicário com um fragmento de osso do Santo.

Ao longo deste 459 anos de existência, os devotos cariocas homenagearam seu padroeiro através de 41 locais de culto católico, incluindo 13 paróquias, distribuídos por toda a cidade, com exceção da zona sul, todas fundadas a partir da primeira década do século XX, como a paróquia de São Sebastião e Santa Cecília, implantada em 1908 junto à Fábrica Bangu e sua famosa Vila Operária.

Algumas antigas capelas foram ampliadas ou inteiramente reformadas para abrigar milhares de fiéis, aumentados consideravelmente durante os festejos anuais de janeiro. São organizados procissões, quermesses, shows com artistas populares, além da frequência nas missas para agradecimento das graças alcançadas ou simplesmente receber banhos de água benta promovidos pelos religiosos que substituem seus aspersórios por brochas encharcadas em baldes.

Por todo o dia 20 de janeiro, no caminho para as igrejas, ainda é possível encontrar muitos devotos com alguma peça vermelha no vestuário. Alguns levam suas crianças com vestes em cetim vermelho, numa representação estilizada da imagem mais conhecida do santo.

Antes da pandemia, a Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca, apresentava uma síntese do universo de culto. Enquanto o pátio frontal ao templo abrigava barracas de alimentação e artigos religiosos como fitas coloridas, ex-votos, imagens, medalhas, velas, a nave principal recebia fiéis para missas ou simplesmente para agradecer diante da imagem do Santo. Os corredores laterais, acesso ao cruzeiro das velas, eram ocupados por uma multidão de desvalidos, homens, mulheres, crianças, alguns visivelmente doentes, com chagas no corpo, aguardando alguma ajuda providencial, uma imagem real que remetia a um possível cenário medieval, cena que se repete, de forma reduzida, em outros templos dedicados ao Santo distribuídos pela cidade.

Por seu valor histórico ou pela importância para suas comunidades, três paróquias serão aqui destacadas: Bangu, Bento Ribeiro e Olaria.

Paróquia de São Sebastião e Santa Cecília de Bangu

bangu Igrejas de São Sebastião no subúrbio do Rio de Janeiro
Igreja e Vila Operária, início do sec. XX (esq) – Vista da Av. Cônego Vasconcelos, início sec. XXI (dir) Acervo Museu Bangu – Grêmio Literário

A igreja matriz de São Sebastião e Santa Cecília, localizada na Praça da Fé, em Bangu é uma das mais antigas paróquias da cidade dedicada ao Santo. Sua construção é contemporânea da Fábrica de tecidos Bangu, importante indústria têxtil, implantada pelos ingleses, fundadores daquele empreendimento no final do século XIX. O edifício foi implantado em terreno doado pela fábrica, por iniciativa de um de seus dirigentes, com apoio da família Guilherme da Silveira.            

Por influência direta do modelo fabril inglês adotado em todo conjunto, a igreja adotou um repertório inspirado em capelas medievais, substituindo as paredes de pedra por tijolos aparentes, destacando uma torre única, centralizada, sobre a porta principal. A verticalidade está presente nos arcos ogivais dos vãos e a sugestão de contrafortes, à feição de exemplares góticos. Seu interior, muito modificado, ainda mantém os arcos destacados pela pintura branca sobre a alvenaria pintada.  Concluída em 1904, foi consagrada em 1908 como matriz da paróquia local. Por sua importância histórica e arquitetônica, foi tombada como patrimônio estadual em 1983 e se mantém como um marco cultural na região, mesmo com a descaracterização da antiga Vila Operária.

Paróquia de São Sebastião de Bento Ribeiro

bento ribeiro Igrejas de São Sebastião no subúrbio do Rio de Janeiro
Capela original, à rua Pacheco da Rocha (esq) e Matriz Contemporânea, na Praça Manágua (dir) Acervo Paroquial

Ao longo do ramal ferroviário de Santa Cruz, localizada a algumas estações anteriores, está o bairro de Bento Ribeiro, que também abriga uma paróquia quase secular dedicada ao padroeiro da cidade, implantada em 1931, iniciada como uma modesta capela, conforme os registros paroquiais, na rua Pacheco da Rocha.

Com o aumento gradativo do número de fiéis e das atividades desenvolvidas pela paróquia, tornava-se necessário um novo templo. Em 20 de janeiro de 1982, na Praça Manágua, foi lançada a pedra fundamental para o novo edifício, que adotou um partido contemporâneo para sua fachada, com destaque para a singular torre sineira e a planta, inspirada na forma de uma grande barca, provavelmente aludindo ao trabalho da igreja que acolhe todos, conforme o Novo Testamento:

E Jesus, andando ao longo do mar da Galiléia, viu dois irmãos – Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, os quais lançavam a rede ao mar, porque eram pescadores (Mateus 4:18).

Disse-lhes: vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens (Mateus 4:19).

Logo em seguida, Jesus insistiu com os discípulos para que entrassem no barco e fossem adiante dele para o outro lado, enquanto ele despedia a multidão (Mateus 14:22)

Paróquia de São Sebastião de Olaria

Olaria Igrejas de São Sebastião no subúrbio do Rio de Janeiro
Paróquia de São Sebastião de Olaria em foto de A. Malta, 1919 (esq) e aspecto contemporâneo, após as obras de acréscimo, c. 2020 (dir) Arquivo Paroquial

No ramal ferroviário da Leopoldina, destaca-se a Paróquia de São Sebastião de Olaria, criada em 01 de janeiro de 1945, desmembrada de São Geraldo de Olaria.

O templo original foi resultado de um movimento religioso local para construção de uma capela para uma irmandade que promoveu uma eleição, em 1908, para definição do patrono entre São José e São Sebastião. Com resultado apertado, este  último foi vitorioso, tornando-se orago da igreja, inicialmente construída na rua Angélica, no sopé da Serra da Misericórdia.

Em abril de 1909, foi lançada a pedra fundamental do novo templo, mas havia muita disputa entre os integrantes da Irmandade responsável pela igreja, que funcionava como espaço particular de culto para os poderosos locais.

Segundo documentação paroquial, após a morte de um importante integrante da irmandade, alguns confrades dirigiram-se ao Arcebispo, solicitando a elevação da Capela à Matriz, sede de paróquia, o que foi atendido em 1945.

O templo, localizado à rua Paranapanema, em Olaria, era um pequeno edifício, implantado sobre um platô, com uma discreta fachada provida de uma única porta central e quatro vãos dispostos simetricamente para iluminação do coro. A planta original era composta de um salão retangular, de pouca capacidade, arrematado pela capela-mor com a imagem do padroeiro.

Com aumento da frequência de fiéis, a ampliação se tornava necessária e foi adquirido um terreno aos fundos do original, que abrigou um novo e grande salão para as missas e cultos.

Externamente, os diversos párocos promoveram obras para receber secretaria, salas para catequese e outras atividades paroquiais, descaracterizando o sítio original, mas atendendo à demanda local, incluindo rampas para acessibilidade.

A Paróquia de São Sebastião de Olaria é famosa pelas grandes celebrações principalmente no dia do padroeiro, quando a rua recebe barracas variadas e um grande palco é montado diante de sua fachada para realização de missa campal e show de artistas da MPB.

Assim como em outras igrejas dedicadas ao Padroeiro da Cidade, no dia 20 de janeiro, desde o início da manhã, existe uma pequena romaria na direção dos templos para manifestação de fé. Homens, mulheres, crianças, muitas destas trajadas de cetim vermelho enquanto adultos levam suas velas, palmas e rosas, também vermelhas, ex-votos pelas graças alcançadas ou simplesmente homenageiam São Sebastião ou Oxóssi, segundo as crenças de cada devoto em sua religião.

Salve São Sebastião! Padroeiro da Cidade do Rio de Janeiro!

Okê, Oxóssi! Protetor das matas e florestas!

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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