
O estado de conservação de igrejas históricas no Rio de Janeiro, que inclusive correm o risco de desabar, é um tema que tem preocupado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e que já foi denunciado pelo DIÁRIO DO RIO. O caso que chama mais atenção é da Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, ícone do barroco luso-brasileiro, na Praça XV, no Centro do Rio, cuja construção remonta a 1755 e que guarda em seu interior, entre outras preciosidades históricas, trabalhos de Mestre Valentim. Além dela, o Iphan reconhece a necessidade de obras urgentes em quatro paróquias, e o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), em outras nove. Com informações do jornal O Globo.
A igreja está fechada desde 2019, ano em que passou por uma vistoria do Iphan que confirmou “o péssimo estado de conservação do bem tombado e a degradação de boa parte de seus elementos arquitetônicos e bens moveis”. A fiscalização gerou um auto de infração contra a Venerável e Arquiepiscopal Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo (OTC), proprietária do imóvel, mas poucas ações preventivas foram tomadas desde então.
Outras duas vistorias foram realizadas: uma em 2022 e outra em 2024. Ambas apontaram uma piora na estrutura do prédio. O relatório diz que “não é mais possível adiar ações urgentes, tendo em vista o avançado estado de deterioração do bem tombado”.
A vistoria mais recente aponta que a “fachada se encontra em péssimo estado de conservação com esfoliação das cantarias”. Vizinhos do da Igreja contam que, frequentemente, o reboco se desprende da parede externa lateral voltada para o Beco dos Barbeiros. Grades foram instaladas no local na tentativa de se evitar que alguém seja atingido. Vizinhos já denunciaram a queda de reboco e pedras à redação do DIÁRIO.
No fim de 2023, mais de quatro anos após a primeira vistoria, a OTC firmou um acordo de cooperação com a empresa Engecop para levantar quais são as obras necessárias visando a revitalização do espaço e seus anexos. Objetos históricos como imagens e quadros foram retirados dos lugares originais e armazenados em outras dependências do complexo religioso, consideradas mais seguras. Porém nada foi feito além de “pensar” uma solução.
Outra medida de segurança adotada foi desligar a energia elétrica para minimizar o risco de incêndio. A “extrema precariedade das instalações elétricas de toda igreja” foi um dos pontos destacados pelo Iphan na inspeção. Extintores também foram instalados em pontos estratégicos, quatro deles só na pequena e histórica Capela do Noviciado, cuja talha original foi executada por Mestre Valentim em duas etapas: a primeira em 1773, e outra em 1797. A fiscal do Iphan Márcia Lopes classificou em 2024 a situação da igreja da OTC como “aterrorizante”.
Em carta ao DIÁRIO, a OTC alegou não possuir recursos disponíveis em caixa para realizar as obras necessárias. Pelos cálculos da irmandade, as obras emergenciais, com foco na reforma dos telhados, demandariam cerca de R$ 11,5 milhões, além de R$ 2,8 milhões para elaboração dos projetos. Para realizar a obra toda como prevista, que inclui a instalação de um moderno museu nas dependências do imóvel, o valor estimado é de R$ 70 milhões.
Supostamente intencionando angariar fundos para os reparos, a OTC pediu ao Iphan a prorrogação do prazo estipulado inicialmente na minuta de um termo de compromisso que viria ser firmado no âmbito do processo do auto de infração: de cinco para nove anos para conclusão de todas as intervenções previstas. O instituto chegou a concordar com a proposta, mas voltou atrás semanas após a queda da Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador, na Bahia, que acabou vitimando fatalmente uma turista.
Além disso, a OTC alega ter pedido à Arquidiocese do Rio autorização para vender parte do patrimônio e, assim, levantar o dinheiro necessário para as obras. Embora a Ordem seja autônoma administrativamente, o Direito Canônico determina que a comercialização de tais itens deve ser aprovada por autoridades locais e receber, se necessário, o sinal verde da Santa Sé, em Roma. A OTC alega que desde novembro de 2021 estaria tentando, sem sucesso, a autorização, que passaria por uma alteração em seu estatuto e se diz “ de mãos atadas”. Mas a informação aparenta estar incompleta.
Segundo a Arquidiocese, o motivo da negativa seria uma “quebra de confiança entre as partes”. Em resposta ao DIÁRIO, o monsenhor André Sampaio de Oliveira, Vigário Episcopal para as Associações de Fiéis ditas Irmandades, Confrarias, Ordens Terceiras e Devoções, informou que, após o pedido da OTC buscou uma “solução que viabilizasse a venda do edifício” pretendida pela Ordem e que realizou pessoalmente, consultas junto à Santa Sé sobre a questão. No entanto, diz o religioso, foi surpreendido “com a tentativa, por parte da Ordem Terceira, de envio ao arcebispo de um modelo de estatuto a ser assinado que não tinha sido aquele revisado pelo Vicariato”. Ou seja, a OTC teria tentado ludibriar o Cardeal.
Nunca é demais lembrar que algumas das pessoas que figuram na administração da OTC hoje presenciaram a dilapidação do patrimônio sacro da instituição, que, segundo fontes do Iphan, conta mais de quinhentas obras de arte desaparecidas em 20 anos. Até mesmo quadros de quatro metros de altura teriam desaparecido sem rastro. Outras foram parar em leilões de arte. O cofre sequer teria sido arrombado, numa das várias incursões que geraram prejuízos que fontes do mercado de arte estimam em milhões de reais. As peças desaparecidas eram tombadas e sequer foram corretamente inventariadas até hoje. A malversação de peças históricas na OTC é tamanha que chega a ser assunto de uma tese do especialista Raphael Hallack, que consta disponível para download no site do Iphan.
O texto da Arquidiocese segue afirmando que a OTC “modificou unilateralmente o documento, em cláusulas importantes, informando ao arcebispo que aquela era a versão aprovada pelo Vicariato, o que não correspondia à realidade”. De acordo com monsenhor André, tudo foi feito enquanto ele se encontrava em Roma e que o documento só não foi assinado porque Dom Orani remeteu o texto ao Vicariato para uma revisão final. O fato fez com que a “Arquidiocese recuasse, temendo pelas reais intenções da gestão quanto à venda do patrimônio”. Por fim, o documento diz ainda que reconhece a necessidade da realização de obras na igreja histórica e que vai “estudar a melhor forma de conduzir tal situação quanto à referida Ordem Terceira, de modo a assegurar que recursos sejam efetivamente usados para os fins da restauração da igreja, e não para qualquer destinação estranha a essa finalidade”. Segundo especialistas em direito canônico, uma solução possível seria a intervenção da Arquidiocese na Ordem Terceira, destituindo seus atuais responsáveis e afastando-os da administração. Uma medida considerada drástica, mas por muitos vista como necessária.
A pouco menos de quinhentos metros dali, a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens, na Rua da Alfândega, também passa por uma situação periclitante. Diferentemente da OTC, a irmandade dona do imóvel, cuja construção foi iniciada em 1752, não possui patrimônio disponível para realizar as obras, tendo demonstrado isso junto à Justiça Federal. O prédio e seu acervo são tombados pelo Iphan desde a década de 1930.
O instituto chegou a anunciar que faria obras no local em 2020, mas passados cinco anos a edificação — cujas dependências teriam servido de abrigo a Tiradentes — segue em estado crítico, com buracos no teto, reboco caindo, madeiramento despedaçando e sinais de infiltração, além de problemas no telhado e infiltrações ocasionadas pelo prédio vizinho, da Av. Rio Branco.
O Iphan informou que “já foi efetuada a licitação para as obras emergenciais” na Nossa Senhora Mãe dos Homens, que faz parte da lista de prioridades elencadas pelo instituto juntamente com a igreja da OTC do Monte do Carmo. A derrota judicial impingida ao Iphan, condenando-o a fazer ele mesmo as obras de restauro da Igreja é a real razão da agora aparente “pressa” do instituto, junto com o desabamento da igreja de Salvador.
As outras duas igrejas citadas pelo Iphan como estando a perigo são a Igreja de São João Batista, em Itaboraí, e a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, em Paraty, na Costa Verde.
Em Angra dos Reis, o telhado da Igreja da Ordem Primeira do Carmo desabou em agosto do ano passado. Não houve feridos. Em relação ao imóvel, o Iphan diz que “acompanha o caso” e que a igreja está fechada para restauro. O apoio para o telhado, danificado com a queda já foi quase todo refeito, segundo o instituto que classifica como “satisfatório” o andamento da obra.
Já o Inepac – órgão estadual do patrimônio, conhecido por sua falta de verbas e de sede – diz que as nove igrejas que demandam obras, “considerando a ordem prioritária, do ponto de vista estrito do tombamento estadual”, são: Igreja Matriz de São Francisco Xavier, em Itaguaí; Capela N.S. do Patrocínio, em Quissamã; a modernista Igreja de São Daniel Profeta, em Manguinhos, no Rio (de onde foram furtadas, sem consequência, obras de arte pintadas por artistas como Guignard e Portinari) ; Capela São José do Bracuí, em Angra dos Reis; Igreja de Santanna do Piraí, em Piraí; Igreja N.S. da Ajuda, em Guapimirim; Igreja de Santo Elesbão e Santa Efigênia, no Centro do Rio; Capela N.S. de Guadalupe, em Nova Iguaçu; e Igreja N.S. da Conceição, em Queimados.
O IPHAN faz tudo menos se preocupar com o patrimônio. Recentemente em uma Igreja onde estava o
Excelente reportagem. A falta de uma política pública de conservação do patrimônio histórico da cidade é uma triste realidade, sem qualquer perspectiva de melhora
Na Europa ganham fortunas com o turismo histórico. Aqui deixam estragar
Na Europa ganham dinheiro com o turismo histórico aqui deixam estragar as antiguidades
Essa notícia só pode ser uma piada. O IPHAN abandonou o Museu do Trem no Engenho de Dentro, fechado desde 2019, antes mesmo da pandemia, e quer dizer o que fazer na casa dos outros. Deixaram roubar sinos, estão deixando o rico acervo ferroviário do Museu se deteriorar e agora querem falar em obrigações nas igrejas da Cidade. Esse órgão é uma verdadeira piada!