Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.
A política está de mal-humor. Também, com sede em Brasília, poderia ser diferente? Se a Capital permanecesse por aqui, e deputados, senadores, ministros, presidentes e outros tais pudessem, de manhã, olhar o nascer do sol nas praias, por trás dos morros e no horizonte vazio, e fechar o expediente com a despedida dele, garanto que haveria bom humor no governo.
Só Juscelino, um mineiro como todos os demais, inconformado com a falta de uma saída para o mar, poderia vingar-se levando do Rio a Capital para Brasília. Mas ele fez isso, para atender aos Constituintes de 1890, quase todos cariocas, por nascimento ou empréstimo. Então, que não se culpe, exclusivamente, o notável presidente pelo feito. Talvez os cariocas daquele tempo e de 1960, quisessem mesmo se livrar dos políticos. Quem sabe?
Mas, os problemas que o Rio tem, já os tinha antes da mudança da Capital para Brasília. Ninguém os resolveu. Eles se agravaram. Se são mais graves hoje, tomemos como responsáveis aqueles que poderiam já tê-los resolvido, mas não fizeram.
No dia 13 de abril de 1960, sete dias antes da inauguração da Capital em Brasília, o jornal O Estado de S.Paulo circulou com um suplemento especial, que tinha a extensão de um livro: “Aspectos Humanos da Favela Carioca”, um completo estudo socioeconômico em forma de pesquisa coordenado por um padre francês, Louis Joseph Lebret e pela Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais – SAGMACS, existente na época.
A veracidade dos apontamentos está nos aspectos humanos das favelas cariocas no presente. Os problemas são os mesmos, só que mais graves. Da vida em família, à falta de saneamento e ao crime, que a pesquisa chama de delinquência, só temos a repetição agravada dos problemas que o Rio de Janeiro conheceu bem antes da mudança da Capital para Brasília e da fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, outro argumento frágil de quem vê nessas decisões as causas das mazelas daqui.
Na Introdução está a multiplicação acelerada do número de ocupações ilegais nos morros e terrenos baldios, “que a municipalidade esqueceu como possibilidade urbanística e abandonou a particulares”. A multiplicação já era exponencial naquele tempo, fincada num problema que até hoje se tem: um débil transporte público que torna a ida ao trabalho e a volta, um suplício caro, violento e arriscado.
A relação entre a frágil educação (“Instrução”) e a delinquência está no Capítulo VI do Estudo, que aponta as dificuldades criadas para o indivíduo pela falta da “instrução”, situação que o torna um “mutilado e um permanente frustrado”.
“Não é de estranhar, portanto”, diz o estudo, “que as pessoas responsáveis, nas favelas, já se preocupem bastante com a educação dos filhos… A população infantil, já vimos, é considerável e, do ponto de vista dos pais, a escola não só exerce o papel de ministrar-lhes instrução e encaminhá-los na vida, como também de preservá-los dos contatos nocivos, dos descaminhos do crime”.
E ainda mais: “A pressão do delinquente adulto sobre a criança e o adolescente é outro fato que se tem de levar em linha de conta. O delinquente adulto procura associar as crianças às suas atividades, tornando-os seus cúmplices. Os malandros obrigam muitas vezes as crianças, por ameaças ou espancamentos a serem portadoras da erva, porque o policial desconfia menos da criança”.
Cá entre nós, o Rio é uma herança que os herdeiros não sabem cuidar e, por vezes, culpam quem nem a graça de ser herdeiro tem. Quando eu olho trabalhos como o que comento hoje, publicado há 61 anos, me pergunto: por que não resolvemos os problemas que se conhece a tanto tempo? Tem nos faltado conhecimento do fato, pouca vontade ou sobrado conveniência, pela oportunidade de distribuir favores no lugar de garantir direitos?
Pode ser que a questão esteja num ponto de verificação simples e solução um tanto complexa: temos tentado resolver os problemas do Rio pelas consequências e nunca pelas causas. Certamente, quando olharmos com atenção as causas para entendê-las, será possível dar um tranco na evolução dos problemas, como muitos lugares no mundo já fizeram.
Até a próxima semana e obrigado pela leitura.
Rio de Janeiro foi assassinado em 1960. Perdeu toda sua economia, e tudo que gira em torno de ser uma capital, embaixadas , ministérios, congresso… não a toa a querida Brasilia do autor tem hoje a maior renda per capita do Brasil. Uma cidade forjada pelo ódio de Juscelino ao Rio.