Em 2023, o INSS registrou 421 pedidos de afastamento do trabalho pela Síndrome de Burnout. À primeira vista, num país com mais de 100 milhões de profissionais em atividade, um número quase irrelevante. Chama a atenção, porém, o crescimento contínuo dos registros na última década: em 2014, tivemos apenas 41 casos. Um aumento, portanto, de quase 1.000% em nove anos, o que indica um fenômeno em alta e pede um exame atento não apenas da questão de saúde em si, mas também de seus reflexos sobre a própria dinâmica das empresas.
Essas licenças, evidentemente, não exibem o alcance total da síndrome, que, segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho, atinge cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros, o que nos coloca no segundo lugar no ranking mundial. Quase 30 milhões de pessoas física e mentalmente esgotadas pela atividade que as sustenta – e que, pelo menos em tese, deveria ser fonte de prazer e realização pessoal, não de sofrimento diário. Um quadro que, aliado a transtornos como ansiedade e depressão, tem custo aproximado de um trilhão de dólares para a economia mundial.
Não é difícil entender as causas desse impacto. O burnout é fruto de um processo mal ou não gerenciado de estresse crônico no trabalho, que resulta, além de uma sensação de cansaço extremo ou de esgotamento energético, num distanciamento mental da profissão, com sentimentos de negatividade e cinismo – no caso, entendido como indiferença e descaso em relação à atividade, aos colegas e à própria organização. Nesse cenário, a redução de eficácia é quase inevitável, muitas vezes prejudicando por tabela o desempenho de outros profissionais.
A Síndrome de Burnout, a rigor, não é uma condição médica, e sim um fenômeno ocupacional, de acordo com a última Classificação Internacional de Doenças (CID) divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). É, portanto, considerada uma ameaça potencial ao nosso bem-estar geral, não uma enfermidade física ou um distúrbio psíquico. Essa distinção não é mero tecnicismo: ao relacionar especificamente o burnout ao universo do trabalho, a OMS joga luz sobre o tema e indica caminhos para a busca de soluções – que podem incluir, claro, mudanças na legislação.
Infelizmente, esse aspecto, digamos, “trabalhista” da síndrome tem sido usado por alguns grupos como ferramenta ideológica, apresentando o distúrbio como mais um round da eterna luta entre empregados e empresários, ou uma pauta da sempre necessária e desejável defesa dos direitos humanos. Com isso, corremos o risco de desviar o foco sobre o assunto, inserindo o componente político no debate de uma questão de saúde pública complexa e urgente – o que, como vimos na inacreditável resistência de setores da sociedade à vacina contra a Covid-19, pode ter efeitos negativos a curto e médio prazo.
Não se trata, aqui, de condenar a importância da batalha por direitos e por um estado de bem-estar social, muito menos de isentar os empresários da devida responsabilidade. A classe trabalhadora, certamente, merece e precisa de uma rede de proteção que lhe permita desenvolver suas funções com eficiência, mas não a custo da própria saúde. As empresas, por sua vez, podem e devem participar do esforço para oferecer tais condições – até para, reduzindo o absenteísmo e estimulando a criatividade e a participação dos funcionários, incrementar sua produtividade.
O governo também tem seu papel. A síndrome tem muitas semelhanças com a depressão, outra causa relevante de licenças e aposentadorias precoces. Aumentar a oferta de serviços públicos para a prevenção e o combate aos distúrbios mentais em geral ajudaria, em paralelo, a reduzir a incidência do burnout, com benefícios para a sociedade como um todo. Não é uma questão simples, mas enfrentá-la sem interferências políticas de ambos os lados pode ser um bom primeiro passo.
*Jorge Jaber é psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina