O primeiro dia da mostra competitiva de longa-metragem do Festival de Cinema de Vassouras começou com o debate sentimental sobre as nuances do filme “O Livro dos Prazeres” de Marcela Lordy. Nesta segunda-feira (23), a diretora marcou presença no evento ao lado das atrizes Simone Spoladore e Martha Norwill, e do maestro da obra, Edson Secco.
O filme é uma adaptação do livro da escritora Clarice Lispector. Desde a estreia do filme em festivais ao redor do mundo, em 2020, Lordy vivencia a alegria de promover seu primeiro longa-metragem de ficção. Acompanhe a entrevista completa nos próximos parágrafos.
Marcela Lordy, como é a experiência de exibir seu primeiro longa-metragem de ficção?
Eu já tinha feito um longa-metragem documental e também um telefilme para a TV Cultura de 52 minutos, que a protagonista era a Simone Spoladore também. A gente se reencontrou dez anos depois nesse meu primeiro longa de ficção, que demorou exatos dez anos entre eu ter a ideia, captar, desenvolver os diversos tratamentos de roteiro. A Josefina Trota, que é co-roteista foi muito importante nesse processo, porque realmente o livro é um fluxo de pensamento, e eu fui tecendo e aprendendo o que é ser diretora. Escrever e depois dirigir foi um processo bem bonito e de muita aprendizagem, como diz o próprio livro.
O que representa a personagem da Lori, personagem principal do livro?
O nome dela é Lorilei, o nome de uma sereia. A sereia tem essa coisa da voz, do canto, que seduz e depois mata. Ela sempre matava os amores dentro de si. É um aprendizado de amar também, de se doar e entender que o outro é um espelho. Como conectar as pessoas em outro lugar, não só fisicamente. Quando eu li o livro (da Clarice Lispector), há muito tempo, eu tinha acabado de me separar e estava me sentindo muito perdida. Parece que as pessoas são diferentes, é claro que tem um lado romântico, mas esse livro também é a quebra do amor romântico. Ela mostra como é importante você não depositar toda a sua felicidade no amor romântico, mas sobre você estar inteiro com você.
O filme já participou de diversos festivais, como Cannes e Argentina. Como é para você esse reconhecimento não só dentro mas fora do Brasil?
Foi curioso porque o filme ficou pronto junto com a pandemia, e eu fui assistir o filme pela primeira vez na Holanda, com um público holandês, e fiquei pensando ‘será que eles vão entender alguma coisa?’. Ele tem um universo muito específico, mas é uma co-produção argentina. Ele é internacional, e tem toda essa questão da personagem feminina contemporânea, que termina de uma forma feliz. A gente tem uma distribuidora em Berlim, que vendeu no ano passado no mercado de Cannes e foi para o Japão, Bélgica, Argentina, onde ganhamos melhor atriz e menção de melhor longa-metragem, e claro, por aqui no Brasil, no Festival do Rio e agora no Festival de Cinema de Vassouras.
Qual é a previsão de estreia de “O Livro dos Prazeres”?
A gente pretende lançar agora no segundo semestre. Seguramos justamente por conta dessa questão da pandemia, de não ficar a vontade numa sala de cinema sem máscara, e até hoje não fico à vontade. Mas a gente teve essa trégua da pandemia e estamos animados para lançar em setembro.
Em relação aos filmes de arte e filmes independentes, você acha que é uma produção solitária quando colocados em comparação aos blockbusters?
Todo processo criativo passa por um momento muito solitário, mas também de muito prazer, porque no cinema a gente consegue ter muita liberdade. É um prazer que nós temos em poucos lugares. Tenho tido algumas experiências no teatro, e sinto que tem essa pureza da criação, muito diferente do mundo das séries, da televisão e do mundo mais comercial, que é muito legal também. O atual governo conseguiu desmontar toda a estrutura de editais para fazer cinema, e é um momento em que poucas pessoas conseguiram fazer seu primeiro filme. Eu sinto que eu fiz, e fecharam a porta nas minhas costas, e onde estão meus colegas que também queriam fazer isso? É muito importante que consigamos retomar esse espaço, pois é um processo solitário, mas também muito lindo.
Você mencionou que tem experimentado o teatro, quais são os projetos e o que você tem preparado para o futuro?
Curiosamente, um casal muito legal, a atriz Flávia Couto e o Pedro Guilherme tinham um projeto muito legal sobre Anaïs Nin, que seria lançado e começou a pandemia. Eles resolveram montar o espetáculo dentro de casa, se filmando. Quando eu assisti aquilo, já um ano e meio depois do início da pandemia, eu pensei ‘gente, que liberdade e que bonito o teatro se apropriar do cinema, em uma linguagem muito mais fluida’. Eles filmavam com iPad e dois celulares, e eu lá um ano e meio trancada. O set de cinema acaba tendo 70, 80 pessoas. E depois de um tempo eles ganharam um edital Aldir Blanc para registrar, pois eles faziam online e acabava, então me convidaram para ser provocadora cinematográfica. Fomos para um espaço físico, que era um teatro, e se tornou um filme super legal de uma hora, e que está bombando. E eu me senti na faculdade de cinema, fazendo uma produção experimental, e de muito prazer. Agora, uma colega também me convidou para dirigir uma peça dela, fiz a leitura e fizemos já uma parte do ensaio. Eu sou uma contadora de histórias, e contar histórias é sempre um prazer.
Festival de Cinema de Vassouras
O primeiro Festival de Cinema de Vassouras foi idealizado pelos irmãos Bruno Saglia e Jane Saglia. O Vale do Café já recebeu cerca de duas mil pessoas nos dois primeiros dias de evento e tem programação até 29 de maio, no Centro de Convenções General Severino Sombra, no centro da cidade. Além de Marcela Lordy e parte do elenco de “O Livro dos Prazeres”, já passaram pelo tapete vermelho o casal Thaila Ayala e Renato Góes, os atores Carlos Veraza e Humberto Martins, que foram homenageados.