Cansado de seus domínios, entediado, Mico Rei resolveu flanar por outras paragens. Tinha mesmo o tédio. Muito problema. Muita coisa para resolver. Os bajuladores já faziam fila na porta. Mesmo assim, MR levou os mais próximos a suas andanças para fora da floresta. Os juniores, os veteranos, os flambados em óleo rícino. A floresta tinha, por alguns dias, um silenciozinho para se divertir em paz. Mas, de lá onde estava, usufruindo das melhores mesas e das mais suntuosas atrações, Mico Rei recebeu a notícia: Cobra Criada quer o reino.
Nesse ponto há muitas versões em andamento. Mico Rei teria, em desespero, comido banana demais e passado mal durante a viagem, para esquecer que poderia ter um postulante ao reino de perfil mais militar: sistemático, organizado, sério e tarimbado para a zona que se estabeleceu no reino. Até então, Mico Rei considerava que era o Bicho-Preguiça, de tantos conceitos e poucos feitos, seu adversário. A notícia da confirmação de Cobra Criada na busca pela cadeira suprema assusta a corte. O rei, o príncipe e o bobo.
Mas será que é verdade mesmo que Cobra Criada sujará as vestimentas e baixará em terras tão sujas de lodo? Bichos de todas as matizes garantem que sim. Que isso teria sido decidido num lugar muito longínquo, onde habitam feras e ferinos.
Cobra Criada, é bom ressaltar, queria empurrar a decisão mais para frente. Mas as garras de Mico Rei, afiadas e prontas a dar o abraço da morte, fizeram com que Cobra Criada tomasse a decisão. Resta saber com apoio de quem. Porque Mico Rei, habilidoso na arte do escambo, já tem ao seu lado montes de hienas a gargalhar pelo reino, aplaudindo suas bravatas financeiro-aquíferas. E a profusão e diversidade dessas hienas têm incomodado Gorilão Perneta, acuado com um vírus que insiste em dizimar os rincões da floresta. Gorilão cada hora pensa uma coisa. Deixa inseguro a macacada e especialmente Mico Rei, sempre cercado de conspiradores rubros, aproveitadores e mercenários.
Cobra Criada nem é tão criada assim. Até anos atrás estava quieto na sua, observando os movimentos da floresta, quando chamado por Gorilão para ser seu companheiro na escuridão dos bosques. Acontece que Gorilão acabou por deixar Cobra Criada no breu. E aí fez-se luz.
O Mico Rei, a bem da verdade, tem pouco apoio popular. Mas seu patrimônio de barganha é imenso. É nisso que se fia para abater, sem piedade, Cobra Criada ou qualquer um que ouse desafiá-lo.
A questão é que cresce na floresta um sentimento de velhas práticas, velhos conceitos, e a floresta, ao que parece, está em busca de uma novidade com alguma experiência. Nesse sentido, Cobra Criada poderia ser a peça de encaixe para levantar árvores derrubadas.
Houve quem pensasse, inclusive este fabulista, que outros personagens pudessem se fortalecer na disputa. Como a Arara Azul, que com sacolejo, desfere apostas em bichos soturnos. Ou a Águia Real, padastro espiritual de Arara Azul, que não descarta, mas indica que vai ficar em casa olhando as queimadas que decerto virão.
O fato é que Mico Rei está de volta ao reino. Comeu do bom e do melhor. Inventou aí meia dúzia de compromissos de reinado para justificar sua viagem marajá e está novinho em folha para a guerra.
Se Cobra Criada acha que seu velho arsenal de batalha vai lhe garantir o reino com facilidade que se prepare para o pior. No reino de Mico Rei, o sangue do poder jorra dos bichos mais escrotos do reinado. E eles não saem dos esgotos.
Não esperemos isso.
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.