Na última terça-feira (31/01), o cientista social Leandro Grass assumiu a presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A cerimônia aconteceu no Palácio do Itamaraty, em Brasília.
Leandro, filiado ao Partido Verde (PV), é ex-deputado distrital e ficou em 2º lugar na eleição para governador do DF realizada em outubro, tendo 26,25% dos votos válidos, perdendo para Ibaneis Rocha (MDB).
Embora tenha formação em Gestão Cultural, a nomeação de Grass teria inicialmente sofrido resistência por parte de servidores do instituto, desejosas de um nome ”mais técnico” para o cargo.
No entanto, não falta força de vontade e diálogo ao novo gestor, que, em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO RIO, revelou as prioridades de sua gestão. ”Tem muita coisa para solucionarmos. Nesses últimos anos, tivemos queda no orçamento para atuação do Iphan, não só para obras e restauros do patrimônio material, mas também ações de salvaguarda. Nesse primeiro mês, estamos debatendo a restruturação e a composição do órgão, com novas lideranças, superintendência e coordenadorias que finalizaremos em pouco tempo”, disse.
Para auxiliá-lo nesse momento de ”retomada” do Iphan, Grass escolheu profissionais de sua confiança. ”Na ‘linha de frente’ já temos nomes como Andrey Schlee, diretor de Patrimônio Material; Deyvesson Gusmão, diretor de Patrimônio Imaterial; e Desirée Tozi, diretora de Cooperação e Fomento. As superintendências estarão sendo compostas nas próximas semanas. Quadros técnicos, mais ligados à área do patrimônio, e quadros gestores qualificados que possam lidar com as particularidades de cada região”, explicou, antes de complementar falando especificamente sobre o Rio.
”Aqui no Rio, a gente tem uma uma demanda imensa, seja de conservação, de restauro ou de obras em si. O próprio Palácio Capanema, o Cais do Valongo. São importâncias simbólicas. A gente está retomando as agendas estruturantes da educação patrimonial, da participação social em si. Essa cooperação também que a gente quer estabelecer – mais próxima – com estados e municípios, além da iniciativa privada”, destacou.
Grass frisou seu apoio às parcerias público-privadas, condenou a depredação e o vandalismo a monumentos, deixou escapar que quer diminuir a fama do Iphan de ser obstáculo à iniciativa privada, e, em tom conciliador, defendeu uma atuação multisetorial do órgão. Citou o grande corte de verbas que a instituição sofreu no governo passado e defendeu a modernização do órgão, com uso de geolocalização e investimento em tecnologia. Grass também citou entraves judiciais a uma mais perfeita atuação do órgão.
Grass também demonstrou que vai nomear um superintendente bastante técnico pro Rio, e falou sobre a necessidade do órgão comunicar-se melhor com a população. Prometeu olhar com cuidado especial a questão do Museu Nacional, que, apesar de ter sido restaurado por fora, corre o risco de ser transformado em uma ruína de tijolinhos aparentes e piso de ônibus, por dentro.
Confira outros tópicos da entrevista
Como foi para você receber do próprio presidente da República a indicação para comandar esse que é o órgão de preservação de patrimônio cultural mais importante do país?
”Muita responsabilidade, porque o Iphan tem uma tradição e uma missão muito importantes. Sou de Brasília, nasci lá, e Brasília é patrimônio mundial. Então, o tema do patrimônio sempre fez parte da minha vida, pois nós vivemos, nascemos numa cidade tombada, e isso demanda uma postura em si de quem mora na cidade, quem ‘tá naquele espaço de responsabilidade, de apreço, de valorização. Então, a minha formação vem também da área cultural. Eu, sociólogo, sou gestor cultural, estou há 10 anos trabalhando com pesquisa na área de cultura, fui parlamentar também, fui deputado e presidi a frente da cultura na minha cidade, no Distrito Federal; fui da comissão de cultura, fui vice-presidente. Nos últimos anos, me dediquei muito a essa agenda e fiquei feliz com o convite do presidente Lula e da ministra Margareth Menezes. Como eu disse, muita responsabilidade. Tratei logo de construir um grupo técnico, uma equipe que tenha base para fazermos essa gestão inovadora que a gente tanto quer. Essa é a grande responsabilidade num momento em que diversos bens foram depredados na Praça dos Três Poderes”.
Como você vê esse momento e qual é a sua leitura sobre essa situação?
”Existe uma frase que diz que ‘só há um meio eficaz de assegurar a defesa do patrimônio de arte e de história do país, que é a educação’. Perfeito, é exatamente isso. O que aconteceu é reflexo do distanciamento destas pessoas. Essa pequena parcela da sociedade atacou aquilo que é dela mesma; não se está ali destruindo o poder, mas sim algo nosso, que nós todos temos responsabilidade. Então, voltamos para o sistema da educação, porque a conexão ou reconexão só se faz num processo formativo, educativo, a partir de uma apresentação e de uma aproximação das pessoas daquilo que é delas. Até depois dos atos terroristas estivemos nos prédios. Eu visitei todas as instalações, a equipe do Iphan do DF está dando apoio técnico ao Senado, à Câmara, ao Palácio e ao STF. O que a gente defende, inclusive, é que essa educação se dê numa ocupação da praça, numa maior presença da população dentro desse espaço. Precisamos retomar as digitalizações, isso tem que se deslocar para o restante do Brasil, não é só em Brasília. Vamos implementar um programa de memória que foi solicitado pela ministra. A importância desses lugares. Esse é o desafio que se impõe depois de tudo que aconteceu. Reconectar a população”.
Uma grande quantidade de bens edificados no Rio estão em franco processo de degradação. Há no decreto lei 25/1937, uma cláusula que diz que na falta de providência do proprietário, o IPHAN deve realizar as ações com recursos da União. Porém, isso raramente ocorre. Por que é tão incomum a aplicação desse dispositivo legal?
“Muitas vezes a gente esbarra em questões cartoriais, instrumentos pouco avançados da gestão municipal de uso e ocupação do solo. Então, aí que está o trabalho também da coordenação intergovernamental. Isso vale, por exemplo, para a questão de conservação de bens e imóveis, mas também vale para a questão do licenciamento ambiental. A gente precisa melhorar relação de estados e municípios visando justamente a solução dessas travas jurídicas, para que o Iphan intervenha no patrimônio.Vou te falar, por exemplo, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, tem também muitos problemas. Existe lá uma casa, um casarão, um prédio de grande valor histórico, mas ele está no imbróglio jurídico de herança, sabe? De inventário, etc… E o Iphan não pode intervir. Ele tem uma trava realmente jurídica. O que ele pode fazer no primeiro momento? É deixar a coisa não cair. Aí entra aquelas estruturas de ferro que geralmente a gente vê por aí para segurar o prédio de pé até que se solucione. Então, essa é outra parte que a nossa procuradoria vai trabalhar, que é o desatar dos nós jurídicos, cartoriais que existem em todo país”.
E sobre alguns processos que se arrastam por anos, como o caso que abordamos recentemente do último oratório de rua do século XVIII em nossa cidade que sofre com a negligência de uma irmandade religiosa ?
”São situações… Às vezes o município não localiza o proprietário, sabe? Aí tem que entrar com a desapropriação, isso leva tempo, tem todo um regramento específico. Então, não é tão simples assim. Mas a gente compreende que é fundamental ter essa solução. E ela passa por um acordo técnico entre estados e municípios e o Iphan”.
Em publicações recentes do DIÁRIO DO RIO, observamos que existem ações judiciais promovidas contra proprietários que não tomam conta direito dos seus bens tombados que já ultrapassam duas décadas sem que o objetivo maior da preservação do patrimônio cultural tenha sido alcançado. Considerando a sua vertente política, que ação o senhor acha que pode ser empreendida pra destravar esses imbróglios jurídicos? O que de prático a gente pode esperar?
”É difícil porque, por exemplo, essa ação do Iphan, geralmente com multas, às vezes processos judiciais, é o trabalho da procuradoria que tem que ser feito, porque as normas determinam. Só que a gente depende da justiça também. A gente não tem competência institucional para entrar e resolver, né? Às vezes, o proprietário vai lá e posterga o processo, consegue recurso, e aí vai… e aí às vezes acontece essas coisas, que são tristes, né? O que a gente precisa fazer? Precisa fortalecer essa nossa atuação jurídica também. A gente trouxe uma procuradora muito qualificada chamada Mariana Caram, lá da AGU. Ela tem se envolvido profundamente nesses detalhes, está se apropriando de uma série de questões já. E é reforçar essa nossa atuação e tentar conseguir parcerias. O papel das superintendências é fundamental nisso – se tem um superintendente que não está envolvido, se ele não está ali diariamente participando dos assuntos pontuais da cidade, do lugar onde ele atua, não tem como… E foi o que aconteceu muito na gestão passada, tinha superintendente que não aparecia na superintendência. Pode ter certeza que o Rio de Janeiro vai contar com uma pessoa que tem envergadura, que tem disposição, que tem trânsito, que tem competência técnica, que tem competência política para fazer essas articulações. Claro que não vai resolver tudo, mas aqui é um lugar que merece alguém com espírito público, com responsabilidade, com vocação e missão de serviço. É o critério fundamental que a gente está adotando na escolha da pessoa que muito em breve vocês vão saber quem será – a gente ainda não definiu, vamos validar isso inclusive junto ao ministério”.
O que a nossa sociedade civil, o mercado imobiliário do Rio e os ativistas do patrimônio podem esperar dessa nova gestão?
”Diálogo. Acho que esse é o primeiro ponto. A gente não consegue inovar e não consegue avançar sem diálogo e escuta permanente. Sociedade civil é parte da política pública. Não existe política pública sem sociedade civil. Da mesma maneira, especialmente falando de patrimônio, falando de bem, sem iniciativa privada não tem fomento a contento. E aí a mesma coisa com os detentores dos ativos, as pessoas que são parte desse processo… é criar uma rotina de maior cooperação, de maior colaboração, de maior conversa e diálogo. Mas, para além disso, inovação. A gente precisa inovar, tirar esse estigma do Iphan como órgão que apenas trava, que apenas fiscaliza. Entrar numa agenda positiva que existe já hoje, só não é bem comunicada – muitas vezes ela só não é bem mostrada. A gente está aqui no Paço Imperial e tem um conjunto enorme de exposições, tem projetos de educação patrimonial e a sociedade carioca e brasileira tem que saber disso, tem que se apropriar disso. Então, é também essa mensagem que a gente tem que estar levando permanentemente. Por isso falar aqui com você é importante, por isso que estar divulgando sempre o que faz é importante. A gente tem agora essa missão de colocar o Iphan no século XXI, colocar o Iphan numa agenda mais intercentralizada… De forma geral, um órgão de suporte, um órgão mais orientativo, menos interventivo somente. Ele precisa de mais parceiros, ele precisa que os estados e municípios sejam vinculados, caminhando juntos, sabe? Que é o que eu acho que falta bastante, essa coordenação intergovernamental, intragovernamental também, a gente se articular com o Ministério do Turismo, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Educação, Ministério dos Direitos Humanos, todos que tiverem afinidades e alinhamentos com a nossa pauta patrimônio, não é só uma agenda da cultura, patrimônio é uma agenda da sociedade. Então, é um pouco isso que a gente quer entregar”.
Uma última pergunta: a gente sabe que foi feita uma restauração linda pelo lado de fora do Museu Nacional, mas dentro tem muita polêmica, muita gente falando que ele não vai ficar como era originalmente… O Iphan vai deixar passar algo assim ou vai exigir a reconstrução? Já se sabe o que que vai acontecer?
”A gente tem agenda lá essa semana para analisar, para avaliar, foi agora também dada posse à nova presidente do Ibram, a Fernanda, nós já conversamos sobre o museu, já conversamos sobre outras coisas, então agora é o momento da gente se apropriar, de ter condições de entender melhor o que tá acontecendo. E aí sim, se for o caso de tomar providências, a gente vai buscar essas ferramentas e recursos pra fazer isso. Agora foi impressionante, né? O movimento em tempo recorde de recuperação do museu. Foi muito traumático tudo que aconteceu e acho que agora é hora da gente olhar, ter cautela, prudência, não tomar nenhuma medida que seja às vezes intuitiva ou imediata sem olhar as variáveis. Talvez o que tenha sido feito não foi feito nas condições ideais de recursos, de capacidade técnica, então tudo que exige revisão, tudo que exige algum tipo de conserto a gente vai trabalhar pra fazer”.