A chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro motivou também a vinda de outras populações europeias. Entre eles, os germânicos. Os traços culturais desses povos seguem por aqui, por exemplo, em festas como a Bauernfest ou a própria Oktoberfest. É sobre isso que falaremos nesta nova matéria da série O Rio e o mundo, produzida pelo DIÁRIO DO RIO.
A partir de 1808, chegaram os primeiros imigrantes germânicos ao Rio de Janeiro. Até 1822, vinham atraídos, sobretudo, pela abertura dos portos. O fato de a imperatriz D. Leopoldina, esposa de D. Pedro I, ser austríaca colaborou bastante para essas vindas.
Por conta do clima mais ameno e da tranquilidade do local, D. Pedro e quase toda a família real portuguesa nutriam um afeto grande pela região que se tornaria a cidade de Petrópolis. O nome do munícipio vem daí.
Os germânicos, oriundos dos muitos países que existiam naquela época na atual Alemanha e da Áustria, vieram, inicialmente, para Santa Teresa e Rio Cumprido, por serem partes menos quentes da cidade do Rio e menos afetadas pelos muitos casos de malária. Depois, subiram a serra e foram parar em Petrópolis.
“Sabemos que apesar do interesse dos viajantes europeus no início do século XIX em conhecer a fauna e a flora do Brasil, a região onde surgiria Petrópolis não chamava muito a atenção como um local de pouso, conforme relato dos naturalistas Spix e Von Martius que, em 1823, referiram-se à fazenda Córrego Seco como uma ‘taverna miserável’, com acomodações ruins, entretanto, “valia pelo clima”, por ser ameno e dar algum conforto àqueles acostumados com o clima da Europa. A despeito dessa má fama, a fazenda Córrego Seco foi comprada pelo imperador D. Pedro I (1798-1834), em 1830, porém, devido à abdicação do trono e seu retorno a Portugal, o projeto de criação de um palácio de verão foi adiado. Somente com a maioridade do imperador D. Pedro II (1825-1891), o Mordomo da Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva (1790-1868), retoma os planos de criação de um Palácio, cujo projeto foi aprovado pelo Decreto nº 155, de 16 de março de 1843, arrendando as terras da Imperial Fazenda do Córrego Seco ao major engenheiro Jules Frederic Koeler (1804-1847), e delegando-lhe a responsabilidade de planejar e construir um palácio de verão; reservar prazos para uma igreja, uma povoação e um cemitério, abrindo ruas e delimitando lotes para aforamento. Posteriormente, com a criação da Imperial Colônia, foi também encarregado de sua organização. Portanto, todo o planejamento e sua execução couberam a este engenheiro vindo de Mainz na Renânia-Palatinado“, explicam Norton Ribeiro, Ricardo Amorim e Vera Abad, associados titulares do Instituto Histórico de Petrópolis, em um artigo.
O monumento representa o arquiteto alemão e naturalizado brasileiro Júlio Frederico Koeler, que projetou o Palácio Imperial, hoje Museu Imperial, bem como o primeiro distrito de Petrópolis
Norton, Ricardo e Vera prosseguem com a explicação em relação aos primórdios da chegada de germânicos na Serra Fluminense.
“Koeler residia no Brasil, desde 1828; conhecia o local porque havia sido encarregado para realizar melhoramentos na estrada entre a Vila da Estrela e o Alto da Serra. Em fevereiro e março de 1838, Koeler contratou imigrantes de origem germânica vindos do navio Justine para trabalhar na manutenção e conservação da Estrada da Estrela (Calçada de Pedras). Ao final da obra, algumas famílias se fixaram na região do Itamarati. Além de Koeler e sua própria família, mudaram-se para a serra, seus auxiliares, na maioria também de origem germânica como o arquiteto Theodoro Marx – que projetou a Casa dos Semanários, hoje Palácio Grão Pará –, João Meyer, Cristóvão Schaeffer, Teodoro Grote e outros. O governo da província do Rio de Janeiro vinha há algum tempo promovendo a vinda de colonos para trabalharem nas obras públicas, mas os entendimentos eram sempre demorados e as firmas agenciadoras nem sempre confiáveis. Em 1841, o governo imperial assume o interesse em colonizar o interior da província fluminense. Três anos depois, no governo de Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho (1800-1855), Presidente da Província do Rio de Janeiro, estabeleceu-se um contrato com a firma Charles Delrue e Cia., de Dunquerque na França, para o aliciamento de imigrantes. Sem especificar nacionalidade, exigia-se apenas que fossem artífices: carpinteiros, ferreiros, pedreiros, etc. e que se entendesse por família, um casal e seus filhos. Os anúncios despertaram interesse dos habitantes da região da Renânia, pois, na época, passavam por séria crise econômica. Entretanto, as cláusulas do contrato não foram devidamente explicadas ou seguidas. Vieram imigrantes das mais variadas classes profissionais e por família entendeu-se todos os parentes próximos. Assim, para abrir estradas e construir pontes e edificações, vieram igualmente pedreiros, músicos, agricultores, alfaiates e confeiteiros. Havia muitos idosos e crianças entre as famílias embarcadas”.
Museu Casa do Colono-Petrópolis. Foto: Guia da Estrada Real
No dia 13 de junho de 1845 chegou o primeiro navio denominado Virginie aportado no Rio de Janeiro. Vieram nele um total de 161 pessoas que chegaram a Petrópolis, no dia 29 do mesmo mês e ano. Na época da sua vinda para o Brasil, existiam na região vários reinos como da Prússia, da Baviera, de Würtenberg, assim como grãos-ducados de Baden, de Hesse-Darmstadt, entre outros. O Império Alemão só seria criado em 1871.
“A maioria dos colonos arregimentados era proveniente da região de Hunsrück, na Renânia-Palatinato, onde existia uma verdadeira integração de culturas. Muitos Renanos de Hunsrück são originários da Valônia (parte da atual Bélgica), como as famílias Noel, Dupré e Lorang. O Hunsrück é uma cadeia montanhosa da Renânia-Palatinado e do Saar, sendo uma extensão de Eifel. Ele está localizado entre o rio Mosel no noroeste, o rio Reno no nordeste, o rio Nahe no sudeste e rio Saar no sul”, contam Norton Ribeiro, Ricardo Amorim e Vera Abad.
Os assentamentos dos colonos foram nomeados, a pedido de Koeler, de acordo com a sua procedência: Bingen, Castelânea (Kastellaun), Ingelheim, Mosela (Mosel), Nassau, Palatinato Superior, Palatinato Inferior, Renânia Central, Renânia Inferior, Siméria (Simmern) e Westfália. Planejou também duas vilas (Imperial e Theresa). Aí está a origem de alguns dos principais bairros de Petrópolis.
Paulo Roberto Martins de Oliveira relata que “os colonos não ganharam terras em Petrópolis, eles tiveram isenções de jóias (ou taxas) por um período de 8 anos, contados a partir da chegada de cada um. Depois do tempo concedido para o primeiro pagamento, quem não pagasse os foros devidos, perdia o direito de usufruir de suas terras. Muitos colonos, por causa deste e outros motivos, abandonaram a Imperial Colônia e foram para outros lugares”.
Os anos foram passando e a presença germânica em Petrópolis se consolidou. Parte da arquitetura e os principais eventos festivos da cidade, como a Bauernfest, segunda maior festa de cultura alemã do Brasil, provam isso.
Atualmente, os descendentes dos colonos estão por toda a cidade e seus nomes de família podem ser encontrados no Obelisco do centro de Petrópolis.
A próxima matéria da série O Rio e o mundo vai continuar na Serra Fluminense e vai falar sobre os suíços em Friburgo.