No centro do Rio existe uma região chamada Pequena África. Contudo, essa não é a única parte da cidade onde a cultura africana se faz presente. Estudos apontam que cerca de 2 milhões de pessoas foram trazidas, escravizadas, do continente africano para o Rio de Janeiro em um dos momentos mais monstruosos da história da humanidade.
O Cais do Valongo, na Região Portuária da cidade, foi o maior porto receptor de escravos do mundo, com cerca de um milhão de africanos escravizados desembarcando lá. Essas pessoas viam de Angola, Congo e Moçambique. O Brasil foi o país do continente americano que mais escravizou africanos, cerca de 4 milhões entre os séculos XVI e meados do XIX.
A terceira matéria da série O Rio e o Mundo vai falar sobre as áfricas que existem e resistem no Rio de Janeiro.
Cais do Valongo
Localizado na Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro, entre as ruas Coelho e Castro e Sacadura Cabral, no Cais do Valongo desembarcaram cerca de um milhão de escravizados. Funcionou de 1811 até 1831.
Entre 1850 e 1920, a área em torno do antigo cais tornou-se um espaço ocupado por negros escravizados ou libertos de diversas nações. O compositor e cantor Heitor dos Prazeres chamou a região de Pequena África.
Em 9 de julho de 2017, o Cais do Valongo recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por ser o único vestígio material da chegada dos africanos escravizados na América.
Pequena África
Largo da Prainha, na Pequena África. Estátua da bailarina e coreografa Mercedes Baptista, a primeira negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Entre 1850 e 1920, africanos escravizados recém-libertos passaram a viver na área que hoje corresponde à Região Portuária da cidade do Rio. Por conta da presença de pessoas de muitas partes do continente africano, o local passou a ser chamado de Pequena África.
Na Pequena África estão partes dos bairros da Gamboa, Saúde, Santo Cristo, a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal e outros locais habitados por escravizados alforriados.
Reuniam-se na Pequena África grandes figuras negras da música, como Pixinguinha, Donga, João da Baiana e o próprio Heitor dos Prazeres. O ponto de encontro era na casa da ialorixá Tia Ciata (1854 – 1924). Ciata trabalhava como doceira, vestida de baiana, na Rua da Carioca. A grande líder cultural, que comandava as rodas de batuque em sua residência, teve 16 filhos.
Nas obras para os Jogos Olímpicos de 2016, a Zona Portuária do Rio de Janeiro passou por um processo de revitalização. Surgiu o Porto Maravilha com o objetivo de incentivar o desenvolvimento turístico e sociocultural na região.
O Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana, também conhecido como Circuito da Herança Africana, foi criado após muitas descobertas arqueológicas dos tempos da escravidão. O Cais do Valongo foi redescoberto nesse período.
O Instituto dos Pretos Novos (um desses sítios arqueológicos, onde foram encontrados restos mortais de centenas de escravizados) promove visitas guiadas na região.
Hoje, a Pequena África é também um polo turístico, cultural e gastronômico.
Cultura
As muitas culturas africanas fazem parte da identidade mais característica do Rio de Janeiro. O samba carioca, por exemplo, nasceu na Praça Onze, reduto de descendentes de escravos. Na casa de Tia Ciata, que era o ponto de encontro dos artistas, foi composto o primeiro samba gravado, em 1916: Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida.
“Considerado uma manifestação popular africana, o samba é estimado como um ritmo urbano característico do Rio de Janeiro, cidade capital do Brasil colônia. As primeiras canções do gênero foram associadas ao Carnaval, elas eram marchinhas arranjadas por compositores de peso, como Heitor Prazeres, Pixinguinha, João da Baiana, que compunham sambas-maxixe, e como Chiquinha Gonzaga, que marcou a história da música, com seus hinos carnavalescos como o inesquecível ‘Ô Abre Alas’. As marchinhas inicialmente eram criadas por esses reconhecidos compositores, que eram remunerados pelas escolas de samba. Ao longo do tempo, elas foram substituídas pelos sambas-enredo. Mais tarde, o gênero ganhou estruturas modernizadas; sendo dois grupos fundamentais para essa nova ‘cara’ que o samba estava ganhando: os grupos carnavalescos dos bairros Estácio de Sá e os do bairro Osvaldo Cruz, com compositores dos morros da Mangueira, Salgueiro e São Carlos”, escreveu a pesquisadora Gláucia Quênia.
As muitas culturas africanas estão nas músicas, nas preces, nos pratos do Rio de Janeiro. Faz parte desse todo que compõe um lugar tão complexo e contraditório.
É como publicou o jornalista Oscar Valporto, no portal #Colabora: “O Rio de Janeiro é do samba, do jongo, da capoeira, do funk. O Rio de Janeiro é da feijoada e do angu. O Rio de Janeiro é das encruzilhadas e de São Jorge. Somos a cidade de Machado de Assis, de Luiz Gama, de André Rebouças, de João Cândido, de Mercedes Baptista, de Cartola, de Abdias Nascimento, de Clementina de Jesus, de Paulinho da Viola, de Martinho da Vila, de Haroldo Costa – mesmo que alguns destes nem tenham nascido aqui. O Rio é negro e não é possível apagar protagonistas de sua história”.