Abaixo as propostas que o Prefeito Cesar Maia apresentou no encontro feito com os Governadores do Sudeste. O texto é retirado do ex-blog do Cesar Maia.
01. O Rio-Capital tem 3 mil mortes violentas (homicídios dolosos, latrocínios e lesão culminando em morte). Mas a soma de todos os delitos contra a pessoa (200 mil) e contra o patrimônio (300 mil) alcança 500 mil por ano. Por 100 mil habitantes são 50 mortes violentas. Ameaças são 200 por 100 mil habitantes. Lesão corporal são 500 por 100 mil. Furtos, 900. Roubos, 1.000. São números redondos para os últimos anos.
02. Dos 500 mil delitos citados metade correspondem a delitos de menor potencial ofensivo, assim definidos pela lei 9099 de 1995, especialmente Ameaças e Lesões. Estes delitos têm um rito distinto, indo para decisões dos Juizados Especiais com rito rápido e descomplicado e penas heterodoxas, como prestação de serviços, etc…
03. O artigo 69 da lei 9099/95 estabelece o Termo Circunstanciado, que substitui o Inquérito Policial, de fácil operacionalidade e de comunicação direta ao que delinqüiu e ao juizado de pequenas causas. Esse -pode e deve- ser preenchido pela PM, autoridade policial que realiza o patrulhamento nos logradouros públicos. A lei assim diz.
04. Mas as Polícias Civis, ciosas do monopólio que querem ter sobre os processos, impedem as Polícias Militares de executarem esta tarefa de lei. Hoje, nas salas e porões das delegacias do Rio-Capital estima-se que estejam acumulados 200 mil inquéritos policiais quase todos sem condições de prosseguimento.
05. Propõe-se: a) autorizar as PMs a lavrar o Termo Circunstanciado. Propõe-se a mudar a legislação federal de forma a que as Guardas Municipais em cidades de mais de 2 milhões de habitantes possam: i) prevenir e reprimir com poder de polícia amplo, os delitos considerados pela lei 9099/95 de menor potencial ofensivo. ii) autorizar as Guardas Municipais nestas cidades a lavrar o Termo Circunstanciado.
06. Nos Estados Unidos, 93% dos crimes são elucidados em função dos elementos colhidos na cobertura das ocorrências (imobilização do local, testemunhas, impressões digitais, fotos técnicas, vídeo, etc…). Estes elementos colhidos permitem a polícia técnica da polícia judiciária (civil) analisá-los e extrair as informações básicas para a investigação e a elucidação dos fatos e apuração das responsabilidades culminando o Inquérito Policial. Nos EUA e outros países a polícia é completa e por isso esta operação é automática.
07. No Brasil é a Polícia Militar que está nas ruas, mas ela não pode fazer o levantamento do local do crime. No máximo o isola. Faz um boletim de ocorrência -BO- que vai a delegacia, que faz uma verificação de procedimentos -VPI- e que transforma em Registro de Ocorrência -RO e então em inquérito policial. São três procedimentos e não apenas um. E a proporção de inquéritos que não contém os elementos de investigação é gigantesca. A porcentagem de delitos elucidados -onde não há flagrante- no Rio e em outras regiões do país se aproxima de 100%.
08. Propõe-se mudar a legislação e autorizar a Polícia Militar a fazer a cobertura técnica primária das ocorrências criminais, preparando seu pessoal de policiamento para isso.
09. Mudar a jornada de trabalho para jornada continuada dos responsáveis na polícia civil pela investigação, garantindo a continuidade dos trabalhos e a melhor apuração nos Inquéritos Policiais.
10. O sistema de Justiça é um só sistema funcionalmente. Administrativamente suas responsabilidades são divididas entre os poderes -judiciário e executivo, e ministério público. Esta é uma divisão administrativa apenas. Daí a polícia civil ser chamada de polícia judiciária. Em outros países a divisão administrativa não é necessariamente essa. Mas existe.
11. O fator fulcral na reforma da área de segurança da Colômbia foi introduzir, como em outros países, o Juizado de Instrução, aproximando o judiciário das delegacias e com isso dando qualidade aos inquéritos com fins de conclusão e julgamento. Um exemplo prático: só um juiz pode cancelar um inquérito. Se for feita uma varredura nos 200 mil Inquéritos policiais acumulados, provavelmente 80% ou mais não tem como prosseguir. Isso está a exigir que o TJ constitua uma equipe de juizes para decidir sobre prosseguimento ou não junto à polícia judiciária ou civil e ao MP. Isoladamente nenhum juiz assumirá esta responsabilidade. E os porões irão acumulando mais inquéritos. O arbítrio quanto ao prosseguimento num quadro desses não pode levar a "bom" porto. “bom” porto.
12. Com o juizado de instrução e a presença do promotor direcionado à delegacia, supervisionado pela Central de Inquéritos do MP, os inquéritos policiais teriam um controle de qualidade inicial e um outro padrão quanto à probabilidade de culminarem em julgamento. Quantas vezes se critica um juiz por uma decisão contra o senso comum, num delito. Na verdade o juiz não pode julgar por pesquisa de opinião ou matéria de jornal, mas pelo que consta no inquérito. O Juizado de Instrução garantindo esta qualidade nos processos eleva a taxa daquilo que é consensual hoje: a redução drástica da Impunidade é mais importante que o tamanho da pena
13. Urge legislar a respeito e implementar -gradual e progressivamente os Juizados de Instrução.
14. Diz-se com razão que um policial -PM- não pode deixar de estar indisponível para sua função e muito menos desviado de função. Um desvio de função intrínseco a sua função, aqui, é o desdobramento de um flagrante. O PM leva o delinqüente a uma delegacia de polícia, e quando tem sorte, sai de lá seis horas depois, perdendo todo um turno de patrulhamento. Em Porto Alegre se fez uma experiência em relação à Central de Flagrantes que reduziu drasticamente o tempo de imobilização do PM. Há que se estender e aprimorar esta experiência ou definir procedimentos de muito maior agilidade.
15. Finalmente a questão da Polícia Completa como nas grandes cidades norte-americanas, na Grã-Bretanha ou na França, ou mesmo no Chile embora existam duas polícias, mas ambas são completas, especialmente os Carabineiros. Alguns Estados avançaram nesta direção definindo regiões de segurança fechadas entre Batalhões da PM e Delegacias de Polícia. Mas isso não é suficiente. Há que se avançar muito mais, administrativamente, sem precisar mudar a legislação, coisa complexa e difícil no Congresso.
16. O sistema de aquartelamento da PM no Brasil é um caso aparte. Bem, quando numa jornada de 24 horas se dorme 6 horas no batalhão, é inevitável. O ideal -e que se poderia fazer através de ato voluntário -inicialmente de alguns coronéis e delegados- é Instalar a Delegacia Fisicamente dentro do Quartel da PM. A Polícia Civil não precisaria mais de policiamento de si mesma, ganhando homens-hora e a articulação do delegado e do coronel -planejamento do policiamento pelo movimento das manchas de crime, nos logradouros públicos dos bairros, prevenção orientada, dinamização dos inquéritos, desenvolvimento de confiança mútua e consciência da interdependência, etc…
17. Foi este o documento entregue, de forma resumida. O crime organizado afeta a percepção das pessoas pelo noticiário e visibilidade circunstancial. Mas o que afeta de fato a percepção das pessoas, a taxa de pânico, e aí estão todas as pesquisas de vitimização e as estatísticas sobre crimes conforme o início do documento, são os delitos que em geral nada têm com as mortes violentas. Combatê-los é fundamental e decisivo, até porque eles são escolas do crime. Decisões como as propostas podem num tempo muito curto derrubar a menos da metade os delitos contra a pessoa e o patrimônio, ou seja, reduzir em 300 mil, como meta para cinco anos, os delitos que chegam junto das famílias. Esse é o sentido do que se propõe.