Prestes a completar 375 anos, o Mosteiro de São Bento, em Mussurepe, distrito de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, volta a ganhar vida depois de décadas de quase total abandono. Para que o milagre acontecesse oito monges do Mosteiro Nossa Senhora da Ternura, na cidade de Formosa, em Goiás, tiveram que assumir o compromisso de fazer uma nova semeadura em solo fluminense.
Entre os novos religiosos está Dom João Crisóstomo, de 31 anos, homem que vive entre a tradição e a modernidade. O religioso atua como uma espécie de assessor de comunicação e relações-públicas, além gerir os recursos do grupo, e o perfil do mosteiro no Instagram.
Dom João, assim como todos os componentes do grupo, teve que viajar 1.200 quilômetros, para que o mosteiro beneditino de Campos ressuscitasse. De lá, trouxeram os seus poucos pertences, para habitar uma edificação que é mais antiga que o próprio município. A construção data de 1648, tendo sido construída 30 anos antes da fundação da vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes, em 1677.
A colonização da vila, no século XVII, foi tarefa levada a cabo por beneditinos e jesuítas. Estes construíram o Solar do Colégio, a 20 quilômetros do mosteiro, entre 1650 e 1690. No local, atualmente, funciona o arquivo público do município Na época, o monastério de Mussurepe funcionava como um mosteiro fazenda que abastecia o Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, gerando recursos e renda para este.
Em junho 1965, o mosteiro sofreu incêndio que danificou parte da sua estrutura, sendo que imagens sacras, móveis e o arquivo paroquial foram destruídos. As intempéries da natureza acabaram de desgastar ou destruir muito do que ainda estava de pé.
Na construção, de dois andares, é possível ver paredes sem reboco, com tijolos à vista. Uma das paredes da edificação caiu por inteiro e teve que ser reconstruída utilizando o material original do edifício, o qual os monges habitam como podem. No andar superior, eles organizaram a clausura — espaço reservado aos religiosos. O chão de tábuas de madeira recebeu uma sinalização em vários pontos, para indicar que um passo em falso, pode representar uma queda rumo ao térreo.
Quem olha as paredes brancas e as portas verdes do mosteiro, em bom estado, não faz ideia dos desafios que os monges têm que enfrentar no cotidiano. Graças a espessura das paredes da edificação, por exemplo, é quase impossível ter sinal de internet, o que intensifica o isolamento dos religiosos, que estão a 30 quilômetros da cidade de Campos. Para chegar até eles é preciso percorrer a RJ-216, atravessar o distrito da Baixada Campista, até chegar à pequena estrada asfaltada que leva ao mosteiro.
Com uma área de aproximadamente 80 mil metros quadrados de terreno, o monastério tem como vizinhos fábricas de tijolos e telhas — que substituíram as usinas de açúcar e álcool —, pastagens com vacas e cavalos, além de lugarejos com nomes exóticos como Sabonete e Marrecas. Na região, o tráfego de automóveis é quase inexistente. O barulho que mais se ouve por lá é o dos caminhões que vão e vêm do Porto do Açu, a 20 quilômetros dali.
No mosteiro havia apenas um monge, que não ficava lá. E sendo o edifício de grande relevância histórica e nacional, o imperativo de agir para protegê-lo foi sendo pensado e planejado desde 2017, pelo grupo, capitaneado pelo prior do mosteiro, Dom Inácio.
O imóvel foi tombado pelo município de Campos, em 2012; e pelo Estado, em 2021. Os monges já foram notificados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) que o imóvel deve passar por reformas, que não podem ser feitas por conta das próprias carências dos monges, que não têm fonte de renda e vivem de doações.
A importância história e arquitetônica do Mosteiro de São Bento está na própria forma como a Escola Beneditina organiza o seu espaço, com mosteiro, igreja, uma oficina e o cemitério, erguidos principalmente entre os séculos XVII e XIX.
Atualmente, o cemitério de São Bento, ao lado do mosteiro, é gerido hoje por uma empresa privada. A igreja, a parte mais bem conservada do edifício, também fica ao lado do prédio. É lá que boa parte da vida monástica se desenrola. A primeira missa do mosteiro foi celebrada no dia posterior à chegada dos monges, em 13 de dezembro de 2022, às 6h30. A capela, mesmo com toda simplicidade – poucas imagens sacras e piso de lajotas de barro -, atrai aproximadamente 30 fiéis durante a semana. Aos domingos, o número dobra.
A rotina monástica tem início às 4h, quando os religiosos acordam. Meia hora depois, tem início a liturgia das horas, quando em horários determinados, os religiosos se reúnem para orar e ler passagens bíblicas – parte delas recitadas em canto gregoriano. A última oração, chamada Completas, é feita às 19h30. No restante do dia, estudam as Escrituras e realizam tarefas cotidianas de manutenção do templo. O lema da ordem: ora et labora é seguido à risca para manter a coesão do grupo e a casa de pé.
As informações são do jornal O Globo.