O desabamento do prédio 19 da Travessa do Comércio, mais conhecida como ‘ruazinha do Arco do Teles’, noticiada primeiro pelo DIÁRIO DO RIO no último dia 8/10, tem causando imensos transtornos à região. O sobradão de 3 andares que já foi sede da antiga indústria alimentícia Belprato acabou desabando por cima do vizinho, que ficou quase que completamente destruído, e também bloqueando por mais de 10 dias o trânsito de pedestres no beco que é referência para todos os guias de turismo e historiadores que levam visitantes para conhecer o Centro Histórico do Rio; afinal, a rua é um exemplar intocado de logradouro do Século XIX. A maior parte da fachada continua de pé, mas castigada pelas chuvas, ameaça desabar se não for feito o escoramento do belo imóvel de 1886 que é tombado pelo Iphan.
No último dia 19, pela madrugada tratores e caminhões da COMLURB finalmente removeram os destroços que ocupavam praticamente toda a frente dos imóveis 15, 16, 17, 18, 19, 21 e 23, mas a travessa do Comércio quase inteira segue com seu acesso fechado, tendo em vista a necessidade de escoramento do imóvel que causou todo o dano. Abandonado há mais de 5 anos, com o telhado e a fachada tomados por vegetação invasiva, o sobrado de 3 andares era a verdadeira “crônica de uma morte anunciada“. Sua proprietária, segundo especialistas, é responsável por todos os danos causados aos prédios vizinhos, ao logradouro e à vizinhança como um todo. Tinha 15 dias (que venceram esta semana? sem nenhuma providência tomada) para escorar o imóvel e ajudar a evitar nova tragédia.
O imóvel pertence à ALP Participações S/C Ltda., empresa estabelecida em Barra Mansa (RJ), que o adquiriu por R$ 875.000,00 num leilão público. Para Claudio André de Castro, provedor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, a situação é absurda: “Este imóvel não recebia uma mão de tinta. Uma imensa arvore nascia na sua lateral. Pedaços da fachada caíam pela rua. A desídia e negligência deste proprietário é causadora direta dos prejuízos que toda a rua sofreu. Nossa Igreja está infestada de ratos e mosquitos desde que começou a chover dentro do imóvel, e agora, que por sua causa foi derrubado nosso vizinho, começam a surgir infiltrações na Igreja, que é bem tombado nacional”. Castro completa dizendo que o custo de consertar danos em um imóvel de 1750 pode ser altíssimo. Segundo freqüentadores do local, pode-se ouvir ainda alguns “estalos” na construção 21 quando venta e chove, e o patrimônio histórico e cultural dos cariocas segue sob risco iminente.
O DIÁRIO teve acesso à Igreja. Recentemente restaurada e totalmente pintada por dentro, agora começam a surgir pontos de infiltrações na parede colada no vizinho, justamente o prédio que foi derrubado pela queda do imóvel da ALP. Focos de infiltração já aparecem, numa área onde existe um piso de madeira bicentenário, e onde as paredes são de pedra, saibro e óleo de baleia, criando um ambiente perfeito para cupins, mofo e nascimento de vegetação invasiva. (fotos abaixo) Os últimos dias têm sido de chuva, e além dos danos diretos à igreja, também há temores de desabamento do restante da edificação, que lá está em pé, como que milagrosamente, sem qualquer tipo de escoramento.
A foto acima mostra que ainda existe uma parte do telhado do prédio 21, que foi derrubado pela queda do 19, e pertence à Venerável Ordem de São Francisco da Penitência e é vizinho à igreja dos Mercadores. O cenário de destruição é evidente, e o medo dos comerciantes locais é que a fachada do histórico e belíssimo 19 acabe por cair de vez no chão, destruindo junto com o que ali estiver, o sonho de uma restauração completa do Arco do Teles. Em sua matéria sobre a visita do prefeito Eduardo Paes ao local, o jornalista Quintino Gomes narrou que o representante da ALP tentou argumentar quem o imóvel fosse declarado como “demolido”, ou seja, queria jogar no chão o que restou, em vez de restaurar o imóvel que já adquiriu sabendo que fazia parte de um conjunto tombado turístico. Por sorte, uma técnica do Iphan que estava presente explicou que o prédio deve ser reconstruído.
Na mesma ocasião, a Prefeitura afirmou que daria alguns dias para que a ALP fizesse o escoramento do imóvel, o que não ocorreu até hoje. “Enquanto isso, a desídia de um único proprietário esvazia o turismo e o comércio de toda uma região“, disse Adriano Nascimento, representante de proprietários de um imóvel que está sendo restaurado na rua do Ouvidor 26, quase em frente ao ocorrido. E os males da negligência alheia começam a se espalhar. Anunciada recentemente, a abertura de uma nova filial da lanchonete Outbêco na antiga casa de Carmem Miranda, no número 13 da Travessa, foi cancelada; o empreendimento traria vida à uma região que começava a se recuperar antes da tragédia cultural, mas o imóvel foi devolvido e volta a ostentar uma placa de “aluga-se”. Uma gravação da TV Globo que ocorreria no início de novembro na bucólica ruazinha também foi cancelada. Numa matéria veiculada no SBT Rio na noite de ontem, a guia de turismo Natália Souza, que acompanhava cerca de 21 turistas estrangeiros num passeio pela região, explicou que os visitantes “ficam bem chocados com o descaso, porque no país deles estão acostumados com a preservação do patrimônio”.
A Irmandade dos Mercadores informa que já abriu processo administrativo junto ao Iphan (SEI Nº 01500.002485/2023-01) acerca dos problemas que estão sendo causados à igrejinha de 1750 por conta do ocorrido, e sua assessoria informou que o órgão federal irá vistoriar o local no dia primeiro. Uma moradora do local, que se identificou como Dirce, disse que o número de ratos e mosquitos aumentou imensamente desde a queda dos prédios, e comentou que uma antiga padaria localizada no térreo do número 21 passou a sofrer grande infiltração de água, e que o imóvel, abandonado, poderia também correr riscos.
Uma rápida consulta e esta empresa na internet e descobre-se que seu ramo de atividade é “Corretagem no Aluguel de Imóveis”. Não me surpreenderia se isto fosse apenas uma fachada para o real objetivo da empresa: parte de um FUNDO IMOBILIÁRIO.
Permitir a degradação de uma área, através de diversas táticas, tais como: abandono de edificações; aumento artificial da violência no local; eliminação dos pequenos comércios; precarização do transporte público no local; etc… são parte da estratégia para desvalorizar a região e depois substituir tudo por novas edificações (esses horrorosos prédios modernos de extremo mau gosto) que custam os tubos, enchendo de dinheiro os bolsos dos donos destes fundos de investimentos imobiliários. O que esses caras querem é passar o trator em cima de tudo que é “velharia” e subir no lugar torres e mais torres de vidro.
Se o Poder Público não tomar na mão grande TODOS os imóveis ociosos, esses especuladores vão continuar deitando e rolando. Não se enganem: imóvel vazio por muito tempo é, via de regra, propriedade de especuladores que atuam nos bastidores para aumentar seus ganhos lá na frente.
É triste dizer, mas não somos um país civilizado.
E viva o sacrossanto direito à propriedade privada!