Quando iniciei o curso de Direito, fui aconselhado a ler um livro chamado “Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado“, de Piero Calamandrei. Isso já tem mais de 20 anos, mas uma frase do livro me marcou profundamente, algo como “O juiz deve estar acima da máxima bíblica de ‘não julgueis para que não sejas julgado‘”. A profissão de juiz é desafiadora, pois com uma caneta, é possível mudar a história de uma vida, de uma família, de uma cidade e até de um país.
Não quero entrar na discussão sobre a politização do Judiciário, apontada por Ian Bremmer do Eurasia Group como um dos problemas do Brasil. No entanto, é inevitável não mencionar o número de criminosos que são soltos por decisões dos juízes no Rio de Janeiro.
Um juiz não é um mero computador; ele precisa analisar a lei de acordo com o caso e o espírito da época, o chamado Zeitgeist. O que poderia ser considerado um crime mais grave há 20 anos hoje pode ser visto de maneira diferente, e vice-versa, como no caso das penas cada vez mais severas para quem maltrata animais. No entanto, após tomar uma decisão, o juiz, de certa forma, se assemelha a Pôncio Pilatos, lavando as mãos. Tal atitude, no entanto, pode ser questionada, pois muitas vezes a culpa não está no Código Civil, Penal ou Processual, mas sim nas diversas interpretações que cada magistrado pode dar a um caso.
As Tragédias que podem ser evitadas
Sempre que ocorre uma tragédia no Rio de Janeiro, como o caso do turista que veio para um show da Taylor Swift e foi assassinado a facadas em Copacabana, surge a informação de que ele possuía várias anotações criminais em sua ficha. Este caso torna-se ainda mais preocupante, conforme relata o G1: “Três suspeitos foram presos. Eles já tinham ficha criminal por outros crimes, e dois deles haviam sido detidos em flagrante na última sexta-feira (17). Foram soltos em uma audiência de custódia no sábado (18), menos de 12 horas antes do assassinato“. A reportagem continua: “Um deles, Alan Ananias Cavalcante, estava com o documento da audiência de custódia, realizada horas antes, no sábado (19), que o liberou da cadeia. A polícia tenta entender a participação dele no latrocínio. O outro, Anderson Henriques Brandão, foi reconhecido e confessou participação no crime. Ele acumula 14 anotações criminais. Também foi preso, na Lapa, Jonathan Batista Barbosa, apontado por testemunhas como também envolvido no latrocínio. Ele possui 10 anotações criminais.“
Vamos considerar os membros do Segurança Presente, que dois dias antes haviam retirado de circulação esses criminosos. Alan e Johnnatan foram presos em flagrante na sexta-feira por furto de 80 barras de chocolate. O G1 continua relatando: “A juíza Priscila Macuco Ferreira decidiu pela soltura da dupla, determinando que eles não se ausentem do estado por mais de sete dias e não ingressem nas unidades da rede de lojas durante o curso do processo.” Isso ocorreu porque, de acordo com as investigações, os três indivíduos praticam crimes no bairro de Copacabana há anos.
Observa-se que a tragédia poderia ter sido evitada se a juíza tivesse entendido que esses criminosos deveriam ser afastados da sociedade. Infelizmente, ela parece ter considerado o furto de 80 chocolates como um crime menor, como frequentemente acontece. Priscila, formada em Santa Catarina, uma região com uma abordagem mais liberal do direito, talvez acredite na possibilidade de reabilitação dos criminosos, sendo uma pessoa de bom coração. Contudo, a questão que permanece é: quem salvará o jovem que perdeu a vida em Copacabana? Assim como tantas outras vítimas de criminosos com histórico na polícia.
Lava e Enxuga no Rio de Janeiro
É realmente frustrante e desafiador para os policiais e agentes de segurança lidarem com situações em que criminosos frequentemente são detidos e, em seguida, soltos repetidas vezes pelo sistema judicial. Imaginar-se na posição de um policial militar que prendeu 19 vezes o mesmo criminoso, apenas para vê-lo ser solto em 19 ocasiões distintas, certamente coloca em destaque as dificuldades enfrentadas no cumprimento do dever.
A situação em que Alan e Johnnatan saíram com uma simples reprimenda após roubar apenas 80 chocolates ilustra a complexidade das decisões judiciais. Isso pode parecer desanimador para os profissionais da segurança, pois reflete uma aparente falta de alinhamento entre o esforço em manter a ordem e as consequências efetivas para os criminosos.
Ninguém rouba 80 de nada para matar a fome; era óbvio que seriam usados em revendas, provavelmente por esses camelôs que se espalham pela cidade. É provável que a Guarda Municipal tenha que combater isso um dia, e parte da população seria contra, afinal, são apenas trabalhadores. Também não seria surpreendente se esses chocolates fossem apenas a ponta do iceberg, indicando que esses criminosos já estavam envolvidos em atividades ilícitas muito antes
O crime no Rio de Janeiro parece compensar, especialmente quando há a expectativa de ser solto por juízes que buscam a paz no coração dos criminosos. Fica a questão: de que adianta o trabalho da polícia nesse cenário? Claro, há situações em que é difícil apresentar provas, daí a importância de sistemas de segurança como as Câmeras Gabriel. No entanto, quando os criminosos são pegos em flagrante, como no caso mencionado, parece que mereceriam mais do que apenas algumas horas de prisão
A Responsabilidade do Juiz
É fundamental combater o corporativismo e a prática de os juízes lavarem as mãos, pois a situação está se tornando insustentável. Não é a primeira vez, e infelizmente, não será a última, que nos deparamos com esse cenário. Portanto, é imperativo que nossos parlamentares criem algum tipo de responsabilidade para os juízes em casos de decisões que se mostram equivocadas e resultam em fatalidades. Essa abordagem pode ser crucial para promover uma maior prestação de contas no sistema judicial.
Repito, a vida dos juízes não é simples, mas recebem um bom salário para lidar com essas situações e, ou pelo menos deveriam, contar com uma equipe que os auxiliasse nas decisões. Em casos como os do Rio de Janeiro, seria necessário que endurecessem seus corações, e o Tribunal de Justiça deveria ter uma equipe de psicólogos pronta para atendê-los. No entanto, não podemos continuar nesse ciclo de soltar os criminosos do Rio apenas com uma repreensão.
Há a necessidade de responsabilização, seja por meio de advertência, suspensão ou até mesmo a perda do cargo. Como mencionei anteriormente, é crucial que os juízes compreendam o Zeitgeist, que atualmente não é nada favorável. Gangues de milicianos, narcotraficantes e até milicianos mirins estão ocupando nossa cidade, tornando desafiador qualquer esforço sério para atrair turistas.
A cúpula do nosso Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro precisa se reunir e decidir sobre como lidar daqui para frente com aqueles que cometeram tantos crimes e não podem mais ficar em liberdade. A desculpa de que os presídios são nada mais que escolas do crime, embora verdadeira, não é suficiente. Afinal, ao menos estariam afastados da nossa sociedade, e uma vida teria sido salva
falta um deles ser atingido, aí tomarão providência.
Eu queria ver se a vítima fatal fosse filho dessa juíza, como ficaria a consciência dela.
Estou vendo muitos comentários aqui dizendo que a culpa é do juiz, juíza. Mas na verdade, a culpa é da nossa legislação penal atual e do Código Penal brasileiro. Polícia e judiciário são todos reféns da legislação. Um exemplo: mesmo que a pessoa tenha cometido 10 homicídios, ela irá sair da prisão após 28, 29 anos de pena pois de acordo com a nossa legislação penal ninguém fica preso mais de 30 anos. (Agora aumentou para 40). E ninguem fica preso esse tempo todo pois temos a legislação da regressão de regime penal, o que acho fora da realidade, absurdo. Ainda assim, se um juiz não cumprir a lei, vem outros juízes e Ministério Público, etc, caindo em cima perguntando: “Não cumpriu a lei porquê?”. Infelizmente, tem que cumprir a maldita lei. Portanto, é necessário a imediata reforma da nossa legislação e código penal que é brando e leniente com homicidas cruéis e que não tem respeito pela vida humana. Se não houver reforma da legislação penal, estaremos fadados ao fracasso. No entanto, também sou a favor da responsabilização do juíz que põe em liberdade qualquer indivíduo que tem uma ficha extensa de passagens pela polícia e alguma condenação ou acusação por homicídio. Eles dizem que tem que cumprir a lei. Mas ora, devemos cumprir a lei e deixar a sociedade em risco e em perigo?
Perfeito!
Texto perfeito, nada a acrescentar, infelizmente não foi a primeira e não será a última vez que turistas (e moradores) no Rio de Janeiro são assaltados e barbaramente assassinados em Copacabana, Lapa, etc, não existe segurança pública ostensiva/efetiva e criminosos camuflados de “moradores de rua”, agem livres e impunemente nas ruas, a cidade está abandonada, um caos de desordem urbana e entregue a marginalidade.
Certa vez eu ia conversando com um taxista sobre esse tema. E fiquei surpresa com a evolução da resposta:
“A culpa é de quem vota.”
Na verdade, há tantos vereadores, deputados e etc querendo mostrar serviço que fazem uma lei que anula a outra. E o judiciário tem que acatar.
Então, os mais espertos se valem dessas leis.
Já não temos leis demais!?
Pra quê tantos políticos?
Está insustentável…
O texto traz adequados argumentos. Porém, para nossa desgraça, a justiça no Brasil é uma outra oligarquia poderosa e corporativista. É praticamente impossível aprovarem uma lei prevendo que um Juiz seja punido por uma decisão absurda como essa.
É mais fácil tentar fazer justiça com as próprias mãos. Nesse caso, ir atrás da juíza, que é 100% responsável pela tragédia.
Assim como um medico pode ser responsabilizado por um erro medico, um engenheiro pode ser responsabilizado se uma obra desabar, eu acho que um juiz deveria ser responsabilizado por absolvições absurdas e julgamentos duvidosos. Fica muito fácil para eles abolverem traficantes e assassinos hediondos sem qq punição. E como fica a sociedade?
Uma questão interessante foi abordada na matéria é onde formada a juíza.
Essa é outra questão que sempre me vem. Juízes que desconhecem a realidade local.
Mas repare que mesmo ela sendo dura, vemos muitas decisões sendo reformadas pelo STJ e STF aplicando princípio da insignificância a torto e a direito.
Os parlamentares e governantes das classes políticas de cada estado deveriam mobilizar esforços por redistribuição da competência de legislar.
Precisam mudar a Constituição… o que é trabalho do Congresso, infelizmente moroso em acompanhar as necessidades.
As leis penais (ao menos as específicas da parte especial) e processuais (com exceção de regras gerais e principiológicas) deviam passar aos estados.
Há uma concentração de competência na União, que na regra atual Constituição somente concedeu à União pode legislar no campo penal…
Perfeito.
Cada estado tem a sua realidade na área da segurança pública.
Basta ver as dificuldades impostas pelo STF às nossas polícias para invadir comunidades que se tornaram o paraíso de foragidos de outros estados.
Dizem, enganosamente, que a Justiça tarda mas não falha.
A verdade é que se tardou, muitos outros crimes nesse meio tempo são cometidos causando outras vítimas.
Mas no Brasil há emaranhado de legislação e mesmo rigidez não permitindo flexibilidade aos juízes que também contribui.
Exemplo da legislação de criança e adolescente de outros modelos no exterior em que com apoio em laudos forenses o juiz pode decidir que o menor tinha plena consciência do ato criminoso é assim receber pena como adulto embora não cumpra no mesmo estabelecimento do adulto.
Francamente. Tem também que noção da questão. A atuação dos juízes está vinculada estritamente à lei. O judiciário é inerte. O Ministério Público quem o provoca. Mas, de sua parte, depende do bom trabalho policial…
Todos esses ainda enfrentam a questão da morosidade. Seja nas investigações, nas denúncias e nas decisões. Prazos prorrogados sucessivamente quando não terminam no fundo do armário ou na fila diante de outros, inclusive que tomam a frente por pressão da mídia.
Há o prejuízo de muitos desses integrantes de tribunais e ministérios públicos contarem com férias de 60 dias. Quando não usufruem, vendem. Mais custo aos cofres. Além do recesso forense e recente liberação de uma folga a cada 3 dias de cumulação de função. Mais ficam em casa que trabalham. Embora muitos façam outros bicos, como professores de preparatórios etc.
O problema mesmo, portanto, é não exigir dedicação exclusiva de tais servidores (que é o que são)
Texto excelente. Espero que a juíza sofra algum tipo de punição, e principalmente que o TJ discuta com seriedade essa questão internamente. Ninguém rouba 80 chocolates pra matar a fome. Isso precisa mudar. Não podemos nos acostumar com a barbárie e com o caos. Não pode ser assim.
Outra pergunta: porque o juiz não leva em conta o histórico e antecedentes ? Isso já não seria suficiente para manter esses criminosos presos? Ou então a lógica do Juiz deve ser de primeiro espera que bandidos matem turistas a facadas nas areias de Copa. Depois eu mando prender.
O artigo não levou em conta o tempo que leva para preparar um chá da tarde. Para programar uma rodada de carteado, um coquetel, uma boa partida de golfe ou tênis. Fora as comprinhas no Fashion Mall e outras em Miami. Uffffa!
A rotina de quem é importante, excelente e inatingível é deveras exaustiva. Sobra pouco . . . muito pouco tempo. Afinal, o dia tem apenas 24 horas.
Numa condição estressante dessas, se alguém morrer? . . . Bem, e eu com isso?
Belo artigo. Se ainda houver justiça nesse país, essa juizinha deve ser punida e outros caras de pau também pois o judiciário do nosso Estado é uma vergonha.
Essa benevolência dos magistrados só muda quando acontece com eles ou algum familiar próximo…aí, resolvem punir de verdade, já quando é com os que pagam seus salários, nós, tá tranquilo, tá favorável…E não estou nem falando da corrupção que existe em TODO lugar, inclusive na nossa justiça, que no caso de juízes tem a punição mais absurda do planeta que é a tal da “aposentadoria compulsória”.
Quintino, desta vez seu texto foi perfeito. A vida de um jovem brilhante, com um futuro promissor, foi ceifada por delinquentes que deveriam estar trancafiados. A polícia cumpriu seu papel, mas o sistema judiciário não.
Os trabalhos precisam ser coordenados, não cada um simplesmente fazendo o que lhe cabe, sem olhar o todo da situação.
Parabéns à polícia que rapidamente e, novamente, prendeu estes assassinos. Nada devolverá a vida do Gabriel, mas que ao menos a justiça permaneça de olhos abertos daqui pra frente…
Texto-desabafo. Obrigado, Quintino, por ser nosso porta-voz. É simplesmente inacreditável a estupidez dessa juíza. O Judiciário brasileiro é a causa de quase todos os males desse país.
Perfeito. Parabéns