Rio das Artes: De volta à fábrica de bonecas

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Ensaio geral de ‘Coppélia’ (Divulgação/Theatro Municipal)

Reforços de mais equipes equipes para o time titular e uma tabelinha com Uruguai e Argentina foram alguns dos recursos de que o Theatro Municipal lançou mão para driblar obstáculos e, em meio a crises que vão das dificuldades financeiras ao “vestiário”, pôr em campo uma montagem de “Coppélia” nos moldes daquela que se tornou referência para suas apresentações de ballet clássico em 1981, além de estrear Ana Botafogo como sua primeira-bailarina.

Novamente à frente da direção artística de “Coppélia”, Dalal Achcar, garante que a montagem está à altura daquela que ela levou pela primeira vez ao ao mesmo palco há 38 anos, quando começou a dirigir o então Ballet (atual Corpo de Baile) do Theatro Municipal, com a coreografia  feita em 1968 por Enrique Martinez (1926-1998) para o American Ballet Theatre.

Cubano radicado nos EUA, Martinez redefiniu, quase um século depois, uma forma de ballet em três atos para a obra de coreografia original feita por Arthur Saint-Léon, com música de Léo Delibes e que ficou marcada como o primeiro ballet clássico a incluir danças folclóricas como polcas. Ambientado numa aldeia da Cracóvia, na Polônia, “Coppélia” estreara em 1870, na Ópera de Paris, baseado em um conto de ficção de E.T.A Hoffmann a partir de um jovem casal. Noivo de Swanilda, Franz se apaixona por uma moça que passa as tardes lendo em frente à loja de brinquedos do Dr, Coppelius. Trata-se da Coppélia, na verdade, uma boneca com traços humanos incrivelmente realistas. 


O tipo do conto e dos personagens contribuiu ainda para que “Coppélia”  sempre atraísse também o público infantil. “É um espetáculo para todas as idades, para a toda a família. Os adultos, se divertem, os idosos se divertem e as crianças também”, avaliza Dalal, que, aos 82 anos, retoma a trajetória deste Ballet no Municipal, desde 1981.

“Quando eu cheguei aqui, quase não havia ballets completos, em três atos, sendo oferecidos. E o Theatro Municipal é uma casa de espetáculos comparável à Ópera de Paris, mas não tinha produções de ballet que fizessem jus a esse status. Então, eu quis trazer a melhor versão de cada clássico”, afirma a coreógrafa e produtora, que dirigiu a ballet até 1987 e, depois, presidiu a Fundação do Theatro Municipal por duas vezes (1991/1994 e 1999/2002).“Embora não esteja mais à frente, eu nunca deixei de trabalhar com o Theatro Municipal”, ressalta.

Mesmo “fora”, Dalal Achcar dirigiu outras montagens de “Coppélia” no Theatro Municipal (até 2012) e em outros palcos do Brasil e do exterior.

Uma das montagens mais recentes, de 2015, no Teatro Sodre, de Montevidéu acabou viabilizando o figurino para esta temporada. . “O Teatro Nacional do Uruguai tinha um diretor que havia dançado ‘Coppélia’ aqui comigo, que me conhecia – e conhecia o Enrique Martinez. Quando ele assumiu a direção, ele me telefonou e me disse ‘você me ajudaria a montar ‘Coppélia’ aqui?’. Eu disse ‘Claro que sim’, porque a gente já tinha esse intercâmbio com o Colón e com o teatro Sodre [Teatro Nacional do do Uruguai]”, conta a diretora artística do ballet, frisando que a troca incluía peças até do mesmo figurino de 1981.

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Dalal Achcar no foyer do Municipal (João Pequeno)

O ano era 2015 e o então diretor do Teatro Nacional do Uruguai era ninguém menos que o consagrado argentino Julio Bocca, 52, ex-integrante do American Ballet Theatre, que, na década de 1990, formou sua própria companhia. “Eles resolveram refazer todo o figurino para a montagem no Sodre e é esse figurino, todo com peças novas, que nós trouxemos para cá, graças a esse intercâmbio que sempre mantivemos”, explica Dalal – que também dirigiu a montagem uruguaia, chegando a fraturar a bacia e o tornozelo, ao cair de 3 metros, de um pano que cobria o fosso. 

Vale destacar que o figurino refeito também segue o modelo utilizado na versão de Enrique Martinez, criado pelo argentino José Varona e também usado na montagem de 1981. “O Uruguai não atravessava uma crise financeira e, então, não teve problema”, conta, antes de fazer uma pausa e se voltar o Brasil, ao Rio, ao Theatro Municipal. 

“Está passando por muita dificuldade, porque o Rio está, o Brasil está passando por muita dificuldade e, como acontece toda vez que um país entra em guerra, ou em dívida ou em grave crise financeira, a cultura, as artes têm dificuldade para existir. É muito difícil, inclusive para os bailarinos, que precisam dedicar horas por dia de treino, atingirem o nível de excelência”, adverte, sobre possíveis prejuízos para a sequência do ciclo em que o Brasil passou a exportar talentos como Thiago Soares e Roberta Marquez, ambos com passagem pelo Royal Ballet Theatre, de Londres.

A atual montagem de “Coppélia” é um exemplo vivo das marcas da recessão e dos déficits públicos que atingiram o Brasil em geral – e o Rio em especial – bem neste período a partir de meados desta década. No ano passado, o ballet estava programado para voltar em setembro, mas foi adiado, juntos com outras atrações até então previstas.

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Outro momento do ensaio geral (Divulgação/Theatro Municipal) 

Diretora do Corpo de Baile do Theatro Municipal exatamente desde 2015, Cecilia Kerche anunciou sua saída após esta temporada, que vai até este domingo, após postar um desabafo no Facebook, em que se disse perseguida por um grupo de “sete a 14 bailarinos”, que a estariam acusando pelos problemas gerais. Em março, Ana Botafogo, que dividira o posto com Cecilia nesses quatro anos, já havia deixado a codireção. 

Para formar o elenco completo de “Coppélia”, com 68 bailarinos em cena, foi necessário juntar integrantes de outras três origens. Os titulares do Corpo de Baile do Theatro Municipal são menos da metade, com 27  integrantes. Além deles, há 20 bailarinos contratados, 11 da  Escola Estadual de Dança Maria Olenewa e 10 do Ballet Jovem – companhia dirigida pela própria Dalal Achcar. “Conseguimos, com o esforço de um grupo maravilhoso de jovens, fazer uma montagem à altura da primeira apresentação original que fizemos de Coppélia no Municipal”.

Claudia Mota e Renata Tubarão se revezam nas apresentações como Swanilda, enquanto Cícero Gomes e Filipe Moreira vivem Franz.

COPPÉLIATHEATRO MUNICIPAL. Praça Floriano, s/nº, Cinelândia. Tel.: 2332-9191. Quarta (2) e sexta (4), às 19h. Sábado (5) e domingo (6) às 17h. Duração total: duas horas e meia. Capacidade: 2.226 espectadores. Ingressos de R$ 10 a R$ 600.

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Jornalista especializado em versatilidade desde 1998, de polícia a política, já cobriu das eleições de 2010 à recessão econômica de 2015/2016. Colabora com o canal Rio das Artes, divulgador de cultura e entretenimento na Cidade Maravilhosa.

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