Roberto Anderson: Ainda estamos aqui

A volta às histórias de vida de Eunice e Rubens Paiva, que o filme "Ainda estou aqui" tornou possível, suscitou uma onda de empatia com aquela família, assim como com milhares de outras famílias, que passaram por terríveis sofrimentos durante a ditadura militar

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A volta às histórias de vida de Eunice e Rubens Paiva, que o filme “Ainda estou aqui” tornou possível, suscitou uma onda de empatia com aquela família, assim como com milhares de outras famílias, que passaram por terríveis sofrimentos durante a ditadura militar. O filme possibilitou também que brasileiros desmemoriados ou mal-informados tomassem conhecimento desses fatos, e de como eles afetaram a vida de pessoas comuns.

A memória coletiva sobre erros do passado, visando a sua não repetição, é algo importante de ser cultivado. A Alemanha tenta não esquecer dos crimes do nazismo, sempre informando à juventude sobre o ocorrido. Mesmo assim, lá o perigo agora renasce, com a adesão de boa parte da população a partidos neonazistas, e com dirigentes governamentais apoiando o genocídio em Gaza.

Os japoneses não deixam os horrores dos bombardeios atômicos caírem no esquecimento. Senhores e senhoras de idade, vítimas naquele terrível momento, seguem recontando, nos sensibilizando, e militando pela paz. O holocausto atômico marcou profundamente a sociedade japonesa.

Entre nós, o importante trabalho de manter a memória dos tempos da ditadura militar tem sido pouco efetivo. Os horrores daquele período vão sendo esquecidos ou relativizados. Milhões de eleitores acharam possível votar em alguém que defendia a ditadura, assim como os torturadores. No final, como esperado, houve a tentativa de um golpe de estado. Isso deveria fazer soar o sinal de alarme entre as pessoas de bem. Talvez os levantamentos das Comissões da Verdade não tenham atingido a sensibilidade da maioria dos brasileiros, gerando uma vacina contra o totalitarismo.

Algo que o filme de Walter Salles ensina é que é preciso chegar até à fonte das emoções das pessoas, aquilo que é compartilhado por todos os seres humanos. É preciso mostrar que a ditadura não perseguia apenas os que ativamente militavam contra ela. Ela era um mal na vida cotidiana de cada um.

É preciso contar aos jovens sobre o temor que havia entre as famílias de falar sobre política dentro de casa, e da fala baixa entre as pessoas, uma das precauções tomadas ao criticar o governo. É preciso lembrar da presença de um policial infiltrado nas salas de aulas das universidades, a todos vigiando. É preciso lembrar da falta de cerimônia dos policiais ao pararem qualquer jovem na rua, pois ele podia ser mais um oponente do regime. É preciso contar do medo nas assembleias estudantis, sempre vigiadas por alguém que poderia denunciar uma nova liderança. É preciso lembrar do gás lacrimogêneo, das correrias e dos helicópteros voando sobre as manifestações por democracia.

É preciso lembrar da humilhação que era levar para a censura o roteiro de uma peça, ou mesmo de um espetáculo de dança, para que uma funcionária obtusa considerasse se estava liberada ou não. É preciso recontar a saudade que famílias e amigos sentiam dos exilados. É preciso lembrar o que era viver sob o medo de ser mais um preso ou desaparecido.

Os, agora cada vez menos, sobreviventes daqueles anos de chumbo precisam contar e recontar, e tentar tocar a sensibilidade das novas gerações, para que o horror nunca mais volte.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

2 COMENTÁRIOS

  1. Enquanto ainda estamos aqui, o Campo de Santana, um dos jardins públicos. mais bonitos do pais, está sendo transformado em um enorme estacionamento.
    Um abuso!
    Viva Glaziou!

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