Com consciência politica, mas jovem. Capaz de encarar um convite do tipo apareça em Santiago como um convite concreto. E, sabedor de que apenas um ano antes havia se passado um terrível e violento golpe de estado, incapaz de medir os perigos para um jovem cabeludo em terras chilenas. Outra ditadura militar, bem mais sanguinária do que aquela à qual já estava submetido em casa.
A viagem se estendera desde o Rio, passando pelos confins do Mato Grosso, pela Bolívia, em estado de sítio, e pelo Peru até Lima, onde também vigorava um toque de recolher. Era o verão das ditaduras nessa parte do Hemisfério Sul. De Lima a Santiago a grana só permitia uma viagem de carona. E ela se deu sobre caixotes de aves, sobre cargas de cereais ou na boleia de um caminhão bem acabado, cujo radiador esquentou e explodiu no meio do deserto, na Pan-americana.
A entrada no Chile foi a pé, porque nenhum motorista iria se responsabilizar por aquele viajante fora de contexto. Comparados aos caminhões que circulavam no lado peruano, os chilenos eram um luxo, minuciosamente fiscalizados pelos carabineiros. A carona não vinha fácil. Um motorista disse: o tempo dos favores passou. E o toque de recolher exigia que ao anoitecer já estivesse em algum caminhão. Num trecho mais longo, a sorte foi encontrar um motorista que se propôs a dar a carona, em troca de que fosse mantido acordado…
Em Santiago, na casa da menina anfitriã, ouvia-se bem baixinho, para não ser escutado da rua, músicas de Violeta Parra e Quilapayun. Era o mais revolucionário que se podia fazer. E conjecturava-se onde poderia estar um dos seus irmãos, envolvido com a oposição e sumido há uns dias. Esta foi a primeira vez no Chile e, olhando em perspectiva, parece que foi realmente arriscado.
A segunda vez foi durante o fortíssimo terremoto de 2010. Acordado no meio da noite com a casa balançando e com o som das paredes e janelas se batendo, foi difícil encontrar a porta de saída, o botão que a abria, e o que poderia ser um lugar seguro para se estar. Em meio a tremores secundários, ficou claro para os habitantes daquela cidade ao sul de Santiago que aquele não era um terremoto qualquer. O país é forte em emoções.
Comprido e espremido entre os Andes e o Pacífico, o Chile é um país de paisagens absolutamente contrastantes. Áreas desérticas ao Norte, vales de vinhedos ao centro, e um território austral, de paisagens sublimes, que vai se desfazendo em ilhas em direção ao Estreito de Magalhães.
Vá ao Sul, diziam as pessoas do Norte. Lá, eles são amáveis e são lindas as paisagens. Essas exortações vindas de outras amáveis pessoas, moradoras de Arica e de Iquique, fazem pensar na sua generosidade em relação aos compatriotas do Sul. Chegar aí, nessa terceira visita, é adentrar um território de vulcões, lagos e florestas. É saber sobre os bravos Mapuches e Huichilles, que resistiram ao colonizador, foram escravizados, mas até hoje lutam por seus direitos. É conhecer a Ilha de Chiloé, com suas lindas igrejas de madeira.
É passar entre montanhas ainda cobertas com restos de neve durante o verão. Até quando resistirão à crise climática? É encontrar vulcões que vão marcando a paisagem e definindo territórios. O Osorno, há duzentos anos quieto, com seu cone perfeito, terreno pedregoso, terminando em branco de neve. O Calbuco, que em 2015 entrou em erupção e cobriu de cinzas a pequena cidade de Ensenada. O Tronador, cujo nome remete aos estrondos provocados pelo derretimento de suas geleiras.
Nas partes mais chuvosas, há densos bosques, e estepes nas áreas mais secas. Nos bosques, linhas claras aparecem entre as árvores verdes do verão. São os troncos secos daquelas que já cumpriram seu ciclo de vida, mas continuam de pé entre suas irmãs.
E lagos, muitos lagos, ladeados por montanhas que se espelham em suas águas esmeraldas, azuis intensos ou verdes claros, resultado da variação de sedimentos vulcânicos em seu leito. Essa beleza se estende para o lado argentino da cordilheira. Viajar por esses lagos é vivenciar a dita divina beleza que nosso planeta consegue abrigar. Hay que volver a Chile.