Todos, ou quase todos, desejamos a recuperação do Centro, a sua revitalização, a volta da sua atratividade e potência como ponto focal das energias da metrópole. Na década de 1990 isso avançou com a recuperação dos espaços públicos e um maior ordenamento urbano. Mas, após o esvaziamento trazido pela pandemia e o crescimento do trabalho remoto, tais medidas não são mais suficientes.
O Centro padece de equívocos advindos da concepção, muito cara a urbanistas de um passado recente, de que a separação de funções no espaço urbano, entre elas morar e trabalhar, era algo positivo. Assim, ele que já tinha perdido habitantes durante as reformas do período Pereira Passos, passou décadas sem poder receber novos moradores, em função de uma legislação que seguia aquela concepção. Foi preciso que a jornalista americana de urbanismo, Jane Jacobs, mostrasse que estas eram ideias erradas, que levavam à morte das cidades. Só aí se buscou corrigir essa distorção. Bem sabemos o quanto o nosso Centro é morto e perigoso durante a noite.
O estrago estava feito, mas o Centro ainda tinha vitalidade durante o dia. Após a pandemia, até esse resquício de vitalidade anda fraco. A solução lógica é atrair moradores para lá, o que vem se tentando há quatro décadas. E por que não vem dando certo? Por várias razões. Primeiramente porque é difícil mudar a percepção de que o Centro não seria um bom lugar para se morar. Nada mais equivocado, já que o Centro é um lugar bem servido de infraestrutura de saneamento e de transportes, bem como com excelentes opções de equipamentos culturais. Há problemas de segurança, mas são resolvíveis.
Outra razão seria a baixa rentabilidade da transformação de uso de imóveis comerciais em residenciais, via retrofit. É uma operação mais cara do que a construção de novos imóveis, mas é a que seria predominantemente possível no Centro. Uma razão adicional seria o alto custo da terra urbana, já que há poucos terrenos disponíveis, os quais permanecem em estoque por décadas a fio. E também a fragmentação da propriedade dos edifícios passíveis de serem renovados. Por fim, é importante lembrar do desinteresse do mercado imobiliário, que dispõe de muitíssimas oportunidades de investimentos mais rentáveis na Barra da Tijuca, no Recreio e mesmo na Zona Sul, por exemplo.
Para problemas complexos, há sempre um conjunto de soluções e a Prefeitura optou por adotar aquelas mais palatáveis do ponto de vista do mercado imobiliário: o caminho dos incentivos. A Prefeitura poderia regular a oferta de licenciamentos para novas construções de acordo com os interesses da cidade e com o disposto no Plano Diretor, que indica áreas da cidade a serem mais incentivadas e outras menos. Mas, a Prefeitura, agora se sabe, atendeu sugestões do mercado imobiliário e criou um plano de incentivos à ocupação residencial no Centro, o Reviver Centro.
Usando de forma criativa, para não dizer à beira da ilegalidade, os instrumentos de política urbana, a Prefeitura concedeu direitos construtivos, que alteram gabaritos vigentes, em bairros fora do Centro a quem investisse nesse último. Outros instrumentos, como isenções fiscais e redução de exigências de áreas e equipamentos nas edificações também foram usados. Isso tudo, sem que os demais setores da sociedade, além do mercado imobiliário, fossem ouvidos.
No entanto, o Reviver Centro ainda não produziu os efeitos que pretendia. Até o momento foram concedidas 23 licenças de construção, mas apenas três novas construções foram realizadas, perfazendo 606 novas unidades. O padrão das unidades projetadas é do tipo estúdio, com área em torno de 30 m². Definitivamente não são voltados para a atração de famílias, estando mais vocacionados à locação por temporada, ou simplesmente como investimentos, o que pode aprofundar o esvaziamento do Centro.
Como o programa, com todos os incentivos já criados, não avançou no ritmo desejado, a Prefeitura encaminhou à Câmara de Vereadores uma nova proposta: o Projeto de Lei Complementar 109/2023, o Reviver 2. Os incentivos ao mercado imobiliário agora seriam turbinados, com possibilidade de transferência de 100% da área construída no Centro como potencial construtivo para os bairros, situados nas Zonas Sul e Norte, além de Barra e Recreio. Caso a nova construção no Centro tenha uma porcentagem de unidades para locação social, essa transferência de potencial construtivo passa para 120% da área ali construída. Além dessa proposta desfigurar os planos locais, ela constituiria um mercado paralelo de potenciais construtivos, já que a propriedade dos mesmos pode ser passada adiante. Em breve teremos a bolsa de potenciais construtivos, uma peculiaridade carioca.
Não satisfeita, a Prefeitura pretende lançar mão no Centro de uma medida extrema, já proposta para os terrenos nas bordas da Avenida Brasil: a liberação de qualquer limitação de altura dos edifícios, o gabarito. Assim, a faixa de ruas situadas entre a avenida Rio Branco e a Praça XV, além de um trecho próximo à avenida Beira Mar, poderia receber prédios em que o céu seria o limite. Essas áreas essas se encontram junto à Apac do Corredor Cultural e a diversos bens tombados.
Não é correto simplesmente demonizar prédios altos, eles podem ter o seu lugar. Mas é fundamental haver um estudo da volumetria resultante, de como afetam a paisagem. Como mau exemplo, basta ver a fricção indesejada entre a torre Cândido Mendes e as edificações do Convento do Carmo e do Paço Imperial. A paisagem do Rio é o nosso maior bem físico e não pode ser destruída por decisões apressadas. A área onde se pretende liberar os gabaritos para melhor atender ao mercado imobiliário é pródiga em belos prédios art déco e em prédios modernistas, além de contar com algumas igrejas barrocas. O antigo Escritório Técnico do Corredor Cultural tinha planos de propor proteções para esses imóveis. Com a liberação indiscriminada de gabaritos, os mesmos e suas ambiências estariam ameaçados. Também não devem ser esquecidos os efeitos de novas edificações de grandes alturas sobre a infraestrutura existente. Quem anda pelo Centro sabe que volta e meia o sistema de esgoto mostra a sua fragilidade, expelindo suas entranhas para as ruas. E que a drenagem é também bastante falha.
Outro aspecto que não parece estar sendo considerado pela Prefeitura é o potencial de transformação de uso comercial para residencial, ou de construção de novas edificações, pelo projeto Minha Casa Minha Vida. Em sua primeira versão o projeto provocou a construção de vários conjuntos habitacionais distantes das áreas urbanas das cidades, um imenso equívoco. Mas na versão atual há propostas de correção desses erros e as áreas centrais esvaziadas são candidatas a receber os novos projetos. Acreditar e investir nessa possibilidade pode ser mais produtivo do que o turbinado projeto de incentivos ao mercado imobiliário proposto no Reviver 2.
Apesar dos problemas já apontados, o projeto Reviver Centro, em sua versão original, continha diversas intenções louváveis, que ainda não foram implementadas. Entre elas, podemos citar a criação de um estoque de unidades habitacionais para locação social, o incentivo à mistura social e à sustentabilidade ambiental das edificações, o incentivo ao uso do topo das edificações por atividades de uso coletivo, a qualificação dos espaços públicos, a implementação de um Distrito do Conhecimento no Centro, e o patrulhamento 24 horas pela Guarda Municipal. Além disso, a Prefeitura lançaria mão de instrumentos de edificação e utilização compulsórias, visando combater a ociosidade de terrenos e edificações, e da arrecadação de imóveis inscritos na dívida ativa ou em estado de abandono. Essas seriam formas de aumentar a disponibilidade de imóveis para o projeto.
Nada disso foi feito e não foram criados meios de acompanhamento do projeto e aferição do cumprimento de metas. A Prefeitura, mesmo não tendo avançado muito na sua primeira versão, aposta agora no Reviver 2. Já a Câmara de Vereadores, que aprovou a primeira versão do projeto, não averiguou a sua efetividade, mas pode vir a aprovar essas importantes modificações. E haja benefícios e incentivos a recalcitrantes empresas do mercado imobiliário…
O artigo do Roberto e o comentário do Guilherme são corretos. Desde o redirecionamento da área como não residencial, a perda de status de capital nos anos 60 desestruturando funções construtivas até a recente descapilarização do transporte, substituindo os ônibus que circulavam por toda a região em dois corredores sobrepostos, o metrô e o VLT, o fechamento da Rio Branco e redução de transito em outras vias largas fez com o Centro se transformasse de motor financeiro e político a depósito de poeira, espaços desocupados e moradores de rua. Uma pena. Sem abertura de negócios que permitam morar passarão mais 40 anos sem solução e aí a política do futuro poderá ser o DERRUBA CENTRO sendo necessário jogar prédios abaixo pela falta de conservação e risco para as populações que virão. Valeu a sugestão do trabalho de Jane Jacobs.
O prefeito Eduardo nervosinho Paes foi quem destruiu o Centro e agora joga a pá de cal, se é para dar opinião, aí vai a minha: enquanto não tivermos transportes públicos de qualidade o Centro não voltará ao que era antes das intervenções desastrosas do nervosinho. Sem ônibus confortáveis, sem pontos finais no centro, com o metrô precário e abarrotado de gente, e sem o carro poder entrar no Centro, ninguém vai morar, só louco, o resto é conversa fiada de arquiteto, são esses mesmos que adoram aumentar as calçadas e diminuir as ruas, espremendo os ônibus e carros, fazendo toda cidade ficar intransitável, mas também, pudera, esses caras nunca andaram de transporte público na vida, como vão saber?