Roberto Anderson: Uma visão de futuro

Chuvas intensas e destrutivas sempre caem, e voltarão a cair aqui e em diversos outros pontos do país. É previsível que ocorram. Só há surpresa quanto à data e local

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“Nós salvemos o que pudemos, não deu pra fazer mais nada.” É o lamento de uma senhora atingida pelas enchentes causadas pelas fortes chuvas que caíram em alguns municípios paulistas neste mês de janeiro. Ruas foram inundadas, casas ficaram alagadas, móveis, roupas e utensílios foram danificados. Em alguns locais, barrancos deslizaram sobre moradias, matando e ferindo pessoas. Contabiliza-se pelo menos 27 mortos. E os governos prometem liberar recursos para ajudar.

No final do ano passado, chuvas torrenciais caíram na Bahia e em Minas Gerais, provocando desastres e perdas semelhantes. Anos antes, elas caíram nos municípios serranos do Estado do Rio de Janeiro, deixando marcas de deslizamentos nas encostas ainda não apagadas, e desalojados, ainda sem seus problemas solucionados. Chuvas em escala acima do normal já caíram muitas vezes também na Cidade do Rio de Janeiro, com consequências gravíssimas.

Chuvas intensas e destrutivas sempre caem, e voltarão a cair aqui e em diversos outros pontos do país. É previsível que ocorram. Só há surpresa quanto à data e local. Com a crise climática, devem se tornar mais severas. É o que colhemos ao destruir florestas e injetar carbono e metano na atmosfera. Se as chuvas intensas são parte da nossa existência tropical, assim como em outros países se espera por furacões ou terremotos, por que ainda não estamos preparados? Sequer impedimos que novas pessoas se coloquem em situações de vulnerabilidade!

Em algumas localidades do Rio, e também de outras cidades, foram implantados sistemas de sirenes, que avisam os moradores sobre o risco iminente. Já é um avanço, salva vidas. Mas, e as casas e demais imóveis construídos em locais sujeitos a alagamentos e desastres? Vão continuar a ser inundadas. Vão continuar a cair, às vezes, junto com seus ocupantes. As administrações municipais não evitam novas construções em locais sujeitos a riscos. Nem mesmo existe impedimento legal para a construção de conjuntos habitacionais, com recursos públicos, em locais assim.

Em visita a atingidos pelas chuvas em São Paulo, o presidente Bolsonaro afirmou que “faltou alguma visão de futuro” por parte de “quem construiu” residências nas áreas de risco das cidades atingidas pelas chuvas. O homem que incentiva a destruição de rios e florestas, que despreza o Acordo de Paris, pode falar em falta de visão de futuro? A continuarmos assim, o futuro poderá ser a repetição, em escala ampliada, dos desastres e lamentos que as fortes chuvas de verão provocam. Com o agravante de poderem se estender a outras partes do ano.

É preciso que cada cidade mapeie urgentemente suas áreas sujeitas a inundações, deslizamentos de terra e avanços do mar, para tomar atitudes concretas, reais. Populações precisarão ser removidas desses locais para outros mais seguros, preferencialmente, nas proximidades de onde já habitam. Calhas de rios precisarão ser deixadas livres de impedimentos, como canalizações, estreitamentos e construções. Sistemas de monitoramento de tempestades precisarão ser desenvolvidos, assim como alarmes para avisar às pessoas de riscos iminentes. E encostas precisarão ser reflorestadas. Essa é a visão de futuro que queremos.   

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

2 COMENTÁRIOS

  1. Roberto, concodo e me associo a sua indignação quanto a omissão e negligencia dos nossos administradores e execitivos no trato da causa pública. Temos que nos organizar para tirar o país deste atoleiro.

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