Durante a campanha, algumas pessoas com quem eu conversei me olhavam estranho sempre que eu dizia que “vereador precisa diminuir a quantidade de leis, e não aumentar”. Eu ali já via então o papel do vereador como o de mediador entre a população dos bairros e o Poder Público, seja de que instância for. E, claro, uma importante função legislativa, mas PRINCIPALMENTE aquela cujo escopo é o de atualizar leis e regulamentos – um papel necessário sempre. Não adianta querer regular antena de TV num mundo onde a TV é a cabo ou streaming, e não adianta regular a geral do Maracanã num universo em que os preços foram majorados e os locais para assistir ao jogo são mais caros. É preciso, sempre, o olhar de combate ao anacronismo.
Mas se pensarmos bem, o maior dos anacronismos é justamente o excesso de leis e regulamentações. São maneirismos que pertencem a um mundo infantilizado, no qual o Estado precisa se meter na vida do cidadão, tutelar, mandar, e tentar intermediar todas as relações profissionais e de consumo.
Na Câmara Municipal começou a tramitar o Projeto de Lei 894/2021, que tenta estabelecer MULTA para os profissionais de saúde que atrasarem por mais de meia hora o atendimento das consultas previamente agendadas. E incrível: determina que os consultórios médicos deverão adquirir maquininhas para emitir senhas com horário, para que o controle seja mais efetivo!
Cada atraso no horário implicará em multa da módica quantia de R$ 5 mil! Você não leu errado! Um médico que atrasar dez vezes em um mês pagará assim nada menos que CINQUENTA MIL REAIS para o município! Já quanto ao Poder Público, nem uma linha sequer – os hospitais poderão continuar manter filas onde morrem pacientes, as UPAs poderão continuar atendendo depois de horas de espera, o autor da lei não liga. Ele só quer é tirar dinheiro de quem trabalha e empreende!
Eu não quero comentar tal iniciativa sob o ponto de vista do profissional médico, que efetivamente sou. Teria que entrar em detalhes sobre como alguns casos demandam mais tempo de análise que outros, sobre como o médico decide que precisa investigar mais a fundo determinado paciente, retardando assim um pouco o atendimento ao seguinte. Aliás, creio ser até desnecessário e redundante explicar isso. Uma obstetra, por exemplo, vive isso diversas vezes por semana: uma grávida marca horário, eis que outra paciente grávida tem um sangramento, uma emergência, e “fura a fila”. Não existe nenhuma mulher com filhos que não tenha empatia com esse tipo de situação – e nenhum homem casado com mulher deixa de reconhecer que ela existe.
Mas comentemos apenas do ponto de vista do empreendedor: ele é obrigado a atender todos os pacientes como quem frita hamburgueres ou até quem trabalha como personal trainer (duas atividades que respeito, mas que são efetivamente diferentes), no tempo certinho. E quando o paciente (o cliente) atrasa? Multaríamos o paciente também?
E como prosseguiremos enquanto sociedade? Falando no hamburguer, podemos criar também uma lei estabelecendo que os pedidos do McDonald’s não podem atrasar mais do que cinco minutos, que tal? Uma lei só para Nuggets. E que tal uma lei proibindo que os shows no Rock in Rio se atrasem mais de dez minutos? E outra lei proibindo os pilotos de Fórmula 1 de chegarem a mais de dez segundos de distância do primeiro colocado? Ah, não podemos esquecer de leis proibindo que os elevadores demorem mais que 30 segundos – afinal, nós, legisladores, adoramos aporrinhar os síndicos com novas regulamentações, plaquinhas e medidas para a borda da piscina.
O cidadão-eleitor realmente tem muita paciência. O esforço que nós, vereadores, fazemos para nos meter em relações humanas que podem e devem ser resolvidas por pessoas adultas, bem, é incrível. Já era hora de mudar a mentalidade intervencionista, de querer colocar o Estado em absolutamente tudo. Eu disse “hora”? Opa, depende, qual seria a hora certa? Melhor eu definir logo, vai que resolvem me multar também.