Nos últimos dois anos, pelo menos 15 adutoras romperam no Rio de Janeiro. Considerando mais ou menos o mesmo recorte de tempo, alguns bairros e comunidades da capital ou munícipios da Região Metropolitana passaram a sofrer mais vezes com falta de água. Esses são os principais problemas de abastecimento que parte da população fluminense vem sentindo e que essa reportagem especial do DIÁRIO DO RIO vai mostrar agora.
No final do último mês de novembro, uma adutora rompeu no bairro de Rocha Miranda, Zona Norte da cidade do Rio. Na ocasião, Marilene Rodrigues, de 79 anos, dormia quando sua casa veio abaixo, destruída pela força da água. Uma semana depois, como mostrou esta matéria do DIÁRIO DO RIO, a região ainda sofria as consequências do rompimento.
A adutora de Rocha Miranda não foi a primeira a se romper em 2024 e causar estrago em algum ponto do estado do Rio. De acordo com um levantamento feito pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA), da Fiocruz, e obtido pelo DIÁRIO DO RIO, só neste ano foram 8 rompimentos.
Ano passado, foram 5 rompimentos de adutoras. Em muitos desses casos, pessoas ficaram feridas, casas e ruas foram destruídas, bens materiais perdidos e o abastecimento de água ficou prejudicado.
Abaixo, a lista de adutoras que romperam no Rio de Janeiro entre 2023 e 2024.
Adutoras | Data | Concessionária |
Em Campo Grande, na Zona Oeste, na Rua Carobinha, rompeu e destruiu o asfalto e alagando ruas, danificado veículos, residências e lojas. | 30/12/2023 | Rio+Saneamento |
Na cidade de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no bairro Prados Verdes, rompeu e água invadiu e destruiu casas. moradores perderam utensílios domésticos, alimentos, roupas e documentos. | 30/05/2023 | Águas do Rio |
Novamente em Nova Iguaçu, próximo à Rua Santa Maria, no bairro Km 32, rompeu atingindo cerca de 50 casas. | 28/11/2023 | Águas do Rio |
Na Estrada do Lameirão, em Santíssimo, Zona Oeste, rompeu e causou inundação em ruas, casas e lojas. Cinco pessoas ficaram feridas. | 25/03/2023 | Rio+Saneamento |
Uma adutora rompeu e alagou a Rua Barão do Flamengo, no Flamengo, Zona Sul, causando interdição. | 01/01/2024 | Águas do Rio |
Rompimento na Cidade de Deus, Zona Oeste, com alagamento de ruas e na Estrada Miguel Salazar Mendes de Moraes em frente a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). | 05/01/2024 | Iguá |
Em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, próximo ao Rio Botas, no bairro Heliópolis, teve morte de um jovem que foi ao local para buscar água e acabou se desequilibrando e caiu. | 06/01/2024 | Águas do Rio |
Após um rompimento de adutora em Campo Grande, Zona Oeste, o fornecimento da região da Avenida Cesário de Melo e Estrada do Monteiro foi interrompido. | 12/01/2024 | Rio+Saneamento |
Na Pavuna, Zona Norte, rompeu alagando diversas ruas do bairro. | 30/12/2023 | Águas do Rio |
Em Vila Isabel, Zona Norte, rompimento de grande tubulação afetou o fornecimento de água em 15 bairros da cidade do Rio de Janeiro e interditou a Rua Marechal Zenóbio da Costa. | 31/01/2024 | Águas do Rio |
O rompimento de uma adutora em Coelho Neto, na Zona Norte, na Av. Pastor Martin Luther King Jr, próximo à Rua Cimbres, deixou pessoas feridas e interditou imóveis. | 03/03/2024 | Águas do Rio |
Em Guadalupe, na Zona Norte, na Favela do Muquiçu, um rompimento causou grandes perdas para moradores, com demolição de residências, e provocou desabastecimento na Rua Eliseu Visconti. | 02/05/2024 | Águas do Rio |
Rompimento em Santa Teresa, na Região Central do Rio, devido aos reparos realizados em uma adutora do Sistema Ribeirão das Lajes. | 20/05/2024 | Águas do Rio |
Na altura da Rua Régio, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, também houve um rompimento de adutora. | 16/05/2024 | Águas do Rio |
“A gente entende que é muito sério isso, porque se a gente considerar o período da Cedae, a gente não observou tantos rompimentos de adutoras quanto está acontecendo após a concessão. Eles estão fazendo manobras para colocar válvulas no sistema. Estamos pedindo explicação sobre essa questão. Em reunião do comitê de monitoramento, pedimos que eles explicassem qual é o posicionamento desses sistemas de regulagem, porque foi alegado pelo presidente da Águas do Rio que a água que é vendida é de um sistema só, embora sejam quatro empresas, digamos assim, porque tem CNPJ diferente da Águas do Rio, do bloco um para o bloco quatro. Eles relataram que não têm como medir se a água que eles estão comprando e distribuindo é somente do bloco. Porque é um sistema único. Então, eles estão colocando essas válvulas para controlar esse sistema do contratual deles, obviamente, já que não é uma empresa só. A população sofre porque, muito provavelmente, o sistema antigo não está comportando essa pressão para poder fazer essas manobras nas instalações, uma vez que o sistema não foi projetado para ter as válvulas que esse sistema de regulação tem. Queremos compreender melhor como é esse processo da engenharia e como foram as medidas de segurança que eles adotaram no sistema para instalar isso e não foi explicado. Até hoje, eles foram em uma única reunião com a gente, mas eles viram a sociedade civil ali e muitos especialistas na área, todos cobrando eles explicações. Tudo sendo filmado, registrado. Depois disso, eles passaram a não ir mais”, afirmou Adriana Sotero Martins, líder do grupo de pesquisa e pesquisadora titular em saúde pública no Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Fiocruz.
O que dizem as concessionárias sobre os rompimentos de adutoras
A reportagem do DIÁRIO DO RIO fez contato com a Águas do Rio, Iguá e Rio+Saneamento pedindo esclarecimentos em relação aos rompimentos de adutoras e questionando se existe algum plano de gestão de risco, sistema de monitoramento para evitar novos casos e ações para troca das tubulações independentemente de vazamento, baseado na vida útil do material.
A Águas do Rio informou que, em apenas três anos de operação, atua em sua área de concessão para garantir o abastecimento da população de 27 cidades fluminenses elaborando contínuos estudos e levantamentos.
As concessões do Estado do Rio de Janeiro foram concebidas para assegurar investimentos para a modernização do sistema e expansão dos serviços.
Nesta última parada do Guandu, 82 grandes serviços foram realizados para melhorar a confiabilidade, segurança e a prestação do serviço, como, por exemplo, instalação de válvulas de controle automático de pressão, o que ajuda a reduzir potenciais vazamentos ao estabilizar a pressão nas redes.
A concessionária informa que, em casos de acidentes com adutoras, aciona o plano de emergência para assegurar o acolhimento das famílias, a limpeza e desobstrução das áreas e o restabelecimento do fornecimento de água.
Por fim, a Águas do Rio esclarece que os avanços no saneamento estão sendo feitos de forma planejada e gradual, garantindo melhorias significativas enquanto o abastecimento é mantido, com foco na continuidade dos serviços para a população.
A Iguá respondeu que “desde o início de sua operação investe fortemente em monitoramento e setorização de suas redes, já tendo investido cerca de 800 milhões e melhorias para aumentar a eficiência e controle da operação, além de permitir rápidas intervenções em momentos de eventuais necessidades de reparos”.
A Rio+Saneamento não enviou respostas até a publicação da reportagem.
Bairro sofre com falta de água há dois anos
“Essas notícias de adutora rompendo e manutenção do Guandu que deixaram muitas pessoas sem água, aqui não fez diferença. Não fez porque já estamos vivendo sem água há dois anos“, declarou Carlos, morador do bairro do Inhoaíba, Zona Oeste da cidade.
Na região, onde recentemente foi inaugurado o Parque das Águas, tem muita gente que não está podendo desperdiçar o pouco que tem para beber, tomar banho e cozinhar.
Em localidades como Vale das Palmeiras e Vilar Carioca, moradores convivem com falta de água constante há quase dois anos. As principais ruas afetadas são: Projetada J, Projetada C e Projetada E. Há dias que não cai nada das torneiras. Em outros momentos, o abastecimento é precário e insuficiente.
“Essa situação está acontecendo desde 2022. Aqui sempre teve problema de água, mas piorou muito desse tempo para cá. Estou me virando com água de poço, que vem suja”, disse Cláudio, que é morador do bairro há sete anos.
Água retirada de um poço do bairro. “Vê se alguém consegue beber isso?”, lamentou um morador.
Quem não tem bomba e poço em casa, precisa pagar por caminhões-pipa para encher as caixas d’água. Os moradores que não conseguem contratar o serviço, ficam dependendo da ajuda de vizinhos.
“Para conseguir caminhão é cada um por si. Eu tenho que pagar o meu porque não chega água na minha casa e agora vem a época de calor e tudo fica pior. Imagine ficar sem água para beber e tomar banho com esse calor?”, pontuou Érika, que vive em Inhoaíba há 10 anos e também considera que o problema se agravou a partir de 2022.
A reportagem do DIÁRIO DO RIO teve acesso a inúmeros relatos de pessoas com caixas d’água e torneiras secas. Um morador contou sobre o problema que tem com o pai cadeirante, que mora no Vale das Palmeiras: “Não tem como ele fazer a higiene dele. Não tem água. É horrível“.
Outro morador, que preferiu não se identificar, falou que presenciou uma vizinha (uma senhora de 70 anos) perguntando a funcionários da concessionária responsável pelo abastecimento da região quando voltaria a ter água. A resposta foi: “Quando Deus mandar, porque daqui não vai sair nada”.
Após a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), a responsável pelo abastecimento de Inhoaíba passou a ser a Rio+Saneamento. Procurada pela reportagem, a empresa, que assumiu o serviço na região em agosto de 2022, não respondeu até a publicação do texto.
Conta mais cara
Em meio a tantos problemas, a conta de água ficou mais cara. A Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Rio de Janeiro (Agenersa), órgão do Governo do Estado, autorizou um reajuste que está valendo desde 1º de dezembro.
O menor índice foi de 9,83%, para os consumidores da Águas do Rio I, o que representa mais que o dobro da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que foi de 4,87% nos últimos 12 meses. O maior percentual, de 14,28%, será pago pelos usuários da Rio+Saneamento, que atende principalmente a Baixada e Zona Oeste.
O reajuste foi anunciado após o governador Claudio Castro (PL) assinar um termo de conciliação com a concessionária Águas do Rio, no qual prevê aumentos na tarifa para compensar possíveis erros no edital de licitação do serviço.
Em 2021, o serviço da Cedae foi concedido a iniciativa privada por 35 anos. A estatal fluminense foi fatiada em quatro blocos compostos, ao todo, por 35 municípios do Rio de Janeiro. A empresa pública manteve apenas o serviço de produção de água.
O aumento de acordo com cada concessionária:
Águas do Rio I – 9,83%. Atende bairros da zona sul do Rio e mais 19 municípios.
Iguá Rio – 11,49%. Atende a região da Barra e Jacarepaguá, na capital, além de Paty do Alferes e Miguel Pereira, no centro sul fluminense.
Águas do Rio IV – 12,77%. Atende bairros do centro e zona norte do Rio, mais oito municípios da Baixada Fluminense.
Rio+Saneamento – 14,28%. Atende 24 bairros da zona oeste da capital, além de municípios da Baixada Fluminense e do interior do Rio.
Debate na ALERJ
Na última terça-feira (17/12) aconteceu um audiência pública na Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) para discutir problemas de abastecimento de água no Rio de Janeiro. O rompimento de adutoras, o aumento nas tarifas e outros temas foram debatidos entre lideranças de diversos movimentos sociais e o deputado Jari Oliveira (PSB), presidente da Comissão de Saneamento Ambiental.
“Realizamos uma audiência pública muito importante para o Rio de Janeiro, visando debater a crise no abastecimento de água no estado, o reajuste abusivo na tarifa e os rompimentos de redes adutoras. Iremos recorrer ao Conselho da Agenersa (Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro) para reverter o aumento na tarifa de água e esgoto. Algumas regiões terão aumento de até 14%. Foi utilizado o período inflacionário de 20 meses para autorização do reajuste. Mas o contrato de concessão, em seu artigo 28, diz que o reajuste deve ser calculado sobre 12 meses. É preciso água na torneira e preço justo na conta. Vamos recorrer desse aumento abusivo“, frisou Jari.
Antes da Audiência Pública, movimentos sociais realizaram um ato em defesa da água como bem comum, dos direitos dos trabalhadores do setor e pela instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue a privatização da Cedae.