Sérgio Ricardo: Existem povos indígenas no Rio de Janeiro

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Em meio à um cenário de incertezas, de retrocessos e desmonte de diversas políticas públicas no país, o Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND-RJ), criado em 2018, realizará nesta sexta-feira, 20 de dezembro de 2019, na Biblioteca Parque situada no Centro do Rio de Janeiro, seu último encontro do ano com presença de lideranças das 8 (oito) aldeias fluminenses das etnias Guaraní e Pataxó que estão localizadas nos municípios de Maricá, Angra dos Reis e Paraty, além de representantes de órgãos públicos federais, estaduais e das 3 prefeituras e movimentos sociais.

Segundo o Censo do IBGE (2010) existem cerca de 15 mil indígenas no Estado do RJ, sendo este contingente formado por populações originárias que vivem em aldeias e pessoas de diversas etnias que se autodeclaram indígenas que residem em contexto urbano.

Ao longo deste ano, como membro suplente do CEDIND-RJ onde atuo como representante da Rede GRUMIN, que é uma organização fundada e presidida pela renomada e criativa escritora Eliane Potiguara, estive presente aos encontros realizados pelo Conselho nas diversas aldeias, onde tive a oportunidade de conhecer parte dos territórios, lmodo de vida e de participar de um processo dialógico singular.

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Uma satisfação particular, foi a oportunidade histórica de conhecer um pouco de suas lutas de resistência que são norteadas, de acordo com o “tempo guaraní” pela cosmovisão destes povos. Também chama a atenção o estágio de conservação ambiental dos territórios em que vivem, o que é fruto da relação de respeito destes povos pela natureza. Na sua cultura ancestral, o sagrado é a terra, a água, a floresta e os animais (como a onça pintada, espécie ameaçada de extinção em grande parte do país que ainda hoje está presente na região da Costa Verde) que precisam ser cuidados e preservados por parte de todos, como ensinaram os relatos emocionantes que ouvi diretamente dos caciques Miguel Benites de 119 anos de idade, da aldeia Itaxin Paraty-Mirim, e por Agustinho de 99 anos, da comunidade Araponga, ambas de Paraty. Esta rica vivência que se insere no contexto do resgate de minha ancestralidade indígena, me leva à fazer um balanço crítico e bastante preocupante sobre o estágio atual das políticas públicas que encontram-se de um modo geral esvaziadas, sem norte político e principalmente sem dispor de recursos orçamentários para sua execução no curto prazo.

Neste sentido, os principais problemas identificados nas aldeias do Estado do Rio de Janeiro concentram-se nas áreas de educação, saúde, saneamento, segurança alimentar e geração de renda, além da paralisação da demarcação de terras.

Por sua vez, no contexto urbano, faltam políticas de habitação e empregabilidade. A reforma e restauração do antigo Museu do Índio (Aldeia Maracanã) e a sua destinação como centro de referência da cultura dos povos originários e para a fundação da 1a. Universidade Indígena do país, até hoje não saíram do papel.

Eis a minha análise das principais questões-problemas identificadas durante este ano pelo CEDIND-RJ no que tange à necessidade da adoção imediata de diversas políticas setoriais nestes territórios historicamente invisibilizados pela ausência do Poder Público:

. Educação indígena: este ano, mais uma vez, jovens e crianças indígenas de Angra e Paraty perderão o ano letivo por causa do absurdo e ilegal engavetamento (paralisação) pela Secretaria Estadual de Educação de um processo de contratação de professores indígenas que está paralisado desde 2015. É comum a falta de alimentação escolar para as crianças aldeadas.
Já em Maricá, durante o ano, houve a contratação pela prefeitura de alguns professores(as) indígenas para atender as 2 aldeias guaranís, o que é um fato muito positivo. Apesar disso, em função da ausência de regularização fundiária da TI Mata Verde Bonita, a escola infantil desta comunidade funciona provisoriamente, já há alguns anos, dentro de um containner de ferro, tendo sido apelidada de “escola de lata”.
. Saúde: desde o início do ano, houve um aprofundamento da crise na saúde indígena em todo o país. Temos visto uma tentativa autoritária do governo Bolsonaro de desmantelamento da SESAI (Secretaria Nacional de Saúde Indígena do Ministério da Saúde) que tentou transferir as responsabilidades legais neste setor da União Federal para os municípios, o que gerou protestos em todo o país, como a grande marcha do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, o que fez o governo recuar. Desde então, houve fortes cortes orçamentários nesta área, o que tem impedido ações preventivas e o atendimento à saúde básica nas aldeias que tem se sido extremamente precária.
. Saneamento básico: em todas as comunidades visitadas, o CEDIND-RJ constatou uma grande preocupação com a ausência de saneamento básico (coleta e tratamento dos esgotos) e com o abastecimento de água, o que ameaça contaminar as nascentes e rios que abastecem as aldeias fluminenses.
Em Julho, o Conselho solicitou por ofício ao Ministério Público Federal de Paraty que determinasse a revisão de um TAC (termo de ajustamento de conduta), firmado em 2001, pelo INEA, IBAMA, a ELETRONUCLEAR e o próprio MPF durante o processo de licenciamento ambiental do Complexo Nuclear localizado em Angra dos Reis que, estranhamente em sua última versão, excluiu uma cláusula específica que obrigava a concessionária ELETRONUCLEAR a financiar o saneamento ecológico das aldeias de Angra e Paraty.
Outra preocupação relatada pelo Conselho ao MPF neste ofício, é quanto à insegurança das populações que vivem nestes territórios: uma vez que o Plano de Emergência e Evacuação das 2 usinas nucleares em operação em Angra dos Reis não dispõe de medidas que efetivamente garantam a segurança e a vida destes povos tradicionais caso ocorra um acidente/desastre.

Até o momento, nenhuma medida efetiva foi adotada para garantir o direito à água e ao saneamento: como agravante, as aldeias Araponga e Itaxin Paraty-mirim que estão localizadas na microbacia do Rio Carapitanga, devido à ausência de infraestrutura de saneamento básico tem sofrido permanente riscos de contaminação da água destinada ao consumo cotidiano.


Apesar das promessas feitas pela SESAI, durante 2019, não houve qualquer investimento efetivo no saneamento ecológico das 8 aldeias do estado.
. Segurança alimentar e nutricional: segundo o cacique Augustinho (99 anos), a lavoura deve ser feita apenas com sementes “criolas” que são consideradas sagradas para os povos guaranis. Por isso, as aldeias não aceitam plantar “sementes envenenadas” (que são aquelas produzidas em laboratórios pela indústria química que fabricam sementes transgênicas e agrotóxicos que contaminam o meio ambiente e as lavouras), o que na prática tem colocado um desafio para as políticas públicas setoriais, como a política agrícola, uma que, atualmente, a maioria das sementes disponíveis (como as de milho que é a base da alimentação da etnia Guaraní) tem sua origem na produção industrial.
Tem sido reivindicado que a Secretaria Estadual de Agricultura destine, no orçamento de 2020, recursos e equipes técnicas para implantar um programa de segurança alimentar que possa orientar as aldeias em relação à técnicas de Agroecologia, com a disponibilização de sementes criolas e mudas de espécies frutíferas da própria Mata Atlântica, criação de galinheiros e tanques de peixes, produção de adubo orgânico etc.
. Geração de renda: um dos desafios identificados por ex. em Paraty é o fato das comunidades indígenas ainda não terem um espaço (local físico) específico para a comercialização do seu belo e diversificado artesanato, apesar de contraditoriamente a cidade ter sido declarada “Patrimônio da Humanidade” pela UNESCO. Ainda hoje, o artesanato é exposto no chão nas ruas do Centro Histórico de Paratý atraindo a atenção e turistas estrangeiros, visitantes e moradores: no entanto, quando chove a região alaga, transbordando esgotos à céu aberto, o que tem provocado prejuízos como a destruição destes produtos que são a principal fonte de renda das comunidades.
. Demarcação das Terras Indígenas (TIs): em Maricá, até o momento, as 2 aldeias do município não foram demarcadas. A aldeia de Itaipuassú, liderada pelo cacique Félix, localizada dentro de uma área do Parque Estadual da Serra da Tiririca, está em negociação com a prefeitura para sua transferência para outra área dentro do próprio município. A legislação ambiental proíbe assentamentos humano dentro de unidades de conservação da natureza como parque estadual. A nova área já foi visitada pelos indígenas, e o processo administrativo de cessão de uso desta área, que permitirá no futuro o seu reconhecimento como território indígena, encontra-se em tramitação na Procuradoria Geral do Município de onde deverá ser encaminhado pelo prefeito para votação na Câmara de Vereadores local.

Por sua vez, na Aldeia Mata Verde Bonita (Maricá), ainda hoje a regularização fundiária não saiu do papel: a aldeia está localizada numa área particular de um resort luso-espanhol (do grupo imobiliário IDB Brasil Ltda) que em 2014 teria prometido “doar” essa terra para instalação da Aldeia. Até hoje, não foi assinado o documento de doação das terras e agora, com o embargo do licenciamento ambiental deste mega empreendimento imobiliário, os especuladores espanhóis querem expulsar a comunidade indígena. O licenciamento ambiental do projeto do mega resort encontra-se embargado por ação judicial movida pelo Ministério Publico Estadual (GAEMA) por ameaçar a integridade da Área de Proteção Ambiental (APA) da Restinga de Maricá e sua rica biodiversidade. Em março de 2019, o CEDIND-RJ deliberou por unanimidade por solicitar à prefeitura de Maricá que promovesse a desapropriação desta área com extensão de 90 hectares para fins de reconhecimento da TI Mata Verde Bonita: no entanto, apesar das diversas tentativas feitas pelo Conselho, até o momento, o atual prefeito não assumiu a responsabilidade legal pelo reconhecimento deste território indígena, o que tem acirrado este conflito fundiário. Em Paraty, a aldeia Pataxó que nasceu da retomada de terras públicas, ainda não foi demarcada pelo INCRA.
. Iluminação elétrica: a concessionária ENEL Distribuição Rio (antiga Ampla que é controlada pela holding ENEL Brasil), este ano, mais uma vez ignorando as reclamações e muitas cobranças feitas pelas comunidades indígenas, no 2o. semestre anulou – de forma intempestiva e sem justificativa plausível – a licitação para instalação de placas fotovoltáicas de energia solar nas aldeias, apesar deste ser um antigo compromisso assumido pela empresa como contrapartida social de seu bilionário contrato de concessão que opera em 66 municípios fluminenses, abrangendo 73% do território estadual. Com isso, as aldeias estão excluídas do direito à energia elétrica.
. Asfaltamento de estradas de acesso às aldeias: antiga reivindicação parcialmente atendida pelas prefeituras de Angra e Paraty. Quando chove, em geral as comunidades não conseguem sequer transportar pessoas doentes, crianças e idosos para os hospitais pelas estradas precárias e esburacadas. Este é também um fator de evasão escolar.
. Racismo institucional: apesar de protocolado no início do ano, até o momento, encontra-se engavetado pelo presidente da Alerj, André Ceciliano, os 2 pedidos de abertura, na Comissão de Ética da Alerj, de pedido de quebra de decoro parlamentar, protocolados em janeiro e março, por movimentos indígenas e membros Conselheiros do CEDIND-RJ, por causa de discursos de ódio e racismo institucional proferidos por 2 deputados estaduais do PSL (Rodrigo Amorim e Alexandre Knoploch) contra a cultura e ancestralidade dos povos originários e a Aldeia Maracanã. Confirmada a quebra de decoro parlamentar pela prática de atos de discriminação racial ou étnico-racial, os parlamentares do PSL podem ter seus mandatos cassados.

Com palavras agressivas e racistas, estes parlamentares tem defendido a proposta feita, na véspera das Olimpíadas de 2016, pelo então Governador e atual presidiário Sérgio Cabral (PMDB) que pretendia demolir o histórico Museu do Índio (Aldeia Maracanã) para construção no local de um shopping center e estacionamento.

O Museu do Índio tem grande importância histórica e para a ancestralidade de várias etnias, já que foi naquele imóvel que foi aprovada a demarcação do Parque Indígena do Xingu, a 1a. TI do país em 1961, com participação dos irmãos sertanistas Villas-Bôas e lideranças indígenas de diversos Estados.

Há tempos, o movimento indígena tem pressionado o governo do estado pela restauração deste imóvel de valor histórico e cultural e sua destinação para a implantação de um Centro de Referência da cultura e memória e da 1a. Universidade Indígena do Brasil.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Prrezado SERGIO RICARDO. Muito boa sua informação. O “mínimo”que conseguimos acessar em relação aos povos originários exisentes no RJ! obrigada pela partilha.
    No próximo dia 10 de junho próximo através do Professor Bazolli da Univerdidade Federal de Tocantins terei a oportunidade de falar sobre meu ultimo livro: ABYA YALA – genocídio-resistencia-sobrevivencia dos povos originários das Américas – publicado pela Bambual Editora, em diálogo com uma das lideranças da Aldeia Maracanâ. Ficarei muito honrada se o sr. puder assistir e dar-nos seu retorno.

  2. Teria sido uma excelente informação se não fosse o tom político adotado. A meu ver, a informação TEM QUE TER NEUTRALIDADE para que o leitor forme sua própria opinião.

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